Em 30 de outubro de 2022, Alexandre de Moraes chegou em Brasília por volta do meio-dia. O voo até foi tranquilo. Naquele dia, quem chacoalhava era o Brasil. Bolsonaristas e petistas, por motivos diferentes, queriam adiar ou postergar o fechamento das urnas do segundo turno. Como Alexandre contrariou os dois lados e manteve a calma? Este episódio revela os bastidores da atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral em um dos dias mais tensos e decisivos da história da nossa democracia.
Acompanhe aqui a transcrição do episódio:
ALEXANDRE
Episódio 1
Thais Bilenky: Era domingo. Dia da eleição. Mas não era qualquer eleição… Era a disputa mais acirrada da história recente da nossa democracia.
Mídia Ninja: A PRF acabou de parar esse ônibus aqui e o pessoal tá impedido, pelo menos por enquanto, de seguir até o local de votação pra poder escolher o seu presidente, o meu presidente, o nosso presidente.
Thais Bilenky: Relatos de bloqueios feitos pela Polícia Rodoviária Federal começaram a aparecer de manhã… E, de repente, tinham inundado o noticiário.
Rádio Bandeirantes – Ronald Gimenez: As redes sociais estão lotadas de relatos dos mais variados, de diferentes lugares, principalmente do nordeste do Brasil, com ações da Polícia Rodoviária Federal de fiscalização de transporte público, de transporte individual.
CNN – Pedro Nogueira: O prefeito da cidade de Coité, também publicou conteúdo nas redes sociais, falando em ação orquestrada para que o povo não possa ir votar.
Rádio Gaucha – Paulo Germano: Aqui a última informação são de pelo menos 514 operações de fiscalização contra veículos que fazem o transporte público de eleitores, especialmente no Nordeste.
Thais Bilenky: O Nordeste era a região que mais apoiava Lula.
SBT – Luís Pereira: Olha, a denúncia é gravíssima. Gravíssima, acho que sem precedentes na história das eleições presidenciais brasileiras.
Thais Bilenky: No meio da tarde do domingo, muita gente do campo lulista passou a defender que as urnas ficassem abertas por mais tempo. Alguns até defendiam começar a eleição de novo. Do zero. Do lado de Bolsonaro, o clima de incerteza que pairava no ar vinha a calhar. Desde o começo do processo eleitoral, ele desacreditava o sistema das urnas. E como presidente da República, Bolsonaro buscava se manter no poder a qualquer custo.
TV Cultura – Vera Magalhães: Nunca a gente viu a máquina ser tão usada em termos do cofre do tesouro nacional, das instituições de controle e das instituições de segurança pública, isso é muito grave.
Thais Bilenky: Às quatro da tarde, quando faltava uma hora para o fechamento das urnas, ninguém sabia o que iria acontecer. Ou melhor. Quase ninguém.
Justiça Eleitoral – Gisele Moraes: Vamos dar início agora à primeira coletiva do dia, com a palavra o ministro Alexandre de Moraes.
Justiça Eleitoral – Alexandre de Moraes: Boa tarde a todos.
Thais Bilenky: Esse é o Alexandre. Um podcast original da Trovão Mídia em parceria com a revista piauí. Meu nome é Thais Bilenky. Sou jornalista na revista piauí. Apresento o podcast Foro de Teresina toda semana. Cobri as eleições presidenciais de 2022 de perto, falando com o pessoal da campanha do Lula, de um lado, e do Bolsonaro, do outro. Dois dos nomes mais populares da história do Brasil.
Depois de outubro, a poeira baixou, e foi ficando claro que um terceiro personagem continuava em evidência. Alexandre de Moraes. Desde então, todo dia alguma decisão que ele tomou foi parar nas manchetes. Mas pouco se fala sobre como ele atua nos bastidores. Alexandre parece gostar desse enigma. Cultiva uma imagem misteriosa e raramente dá entrevista. Mas quem é Alexandre de Moraes? Como ele se preparou e o que ele fez pra ser o protagonista inesperado dessa história? Foram essas perguntas que me motivaram a fazer esse podcast. Uma curiosidade, uma necessidade de saber mais sobre essa figura tão relevante e ao mesmo tempo tão blindada.
Nos últimos meses fui atrás de cada passo do Alexandre de Moraes e reuni informações inéditas sobre ele. Fiz plantão na faculdade onde ele dá aula em São Paulo.
Segurança: Ai a senhora fica aqui comigo…
Thais Bilenky: Mas isso foi uma orientação deles?
Segurança: É, na hora que eles… que der o intervalo, ele vem chamar a senhora.
Thais Bilenky: Tomei chá de cadeira de ministro em Brasília.
Thais Bilenky: Como é que eu entro no gabinete do ministro Gilmar?
Thais Bilenky: Mas no fim consegui falar com as figuras que dão as cartas no jogo do poder – gente que ama, que odeia, teme ou respeita Alexandre. Gente que soube me contar exatamente qual foi o papel de Alexandre nesse momento decisivo pra democracia brasileira.
Episódio 1: Na jugular. Os dias de Alexandre sempre começam cedo. E aquele domingo decisivo do segundo turno não foi diferente.
CNN – Marcela Hall: Vou te interromper só um pouquinho, porque o presidente do Tribunal Superior Eleitoral está votando aqui em São Paulo.
Thais Bilenky: Foram 50 segundos entre a biometria e o barulho do confirma da urna eletrônica. De terno preto e gravata, ele votou com um sorriso discreto, de canto de boca, numa sala cheia de jornalistas que estavam lá para acompanhar o dia do presidente do TSE em São Paulo. Apertou a mão da mesária e deixou a seção eleitoral 118 no colégio Madre Alix pouco depois das nove da manhã. Alexandre entrou no carro, escoltado por outros dois veículos com seguranças, e foi até o Centro Cultural São Paulo. Ele foi acompanhar o teste de integridade da urna e o projeto-piloto de identificação com biometria. Normalmente, esse tipo de agenda do presidente do TSE no dia da eleição é algo protocolar. Mas não pra Alexandre.
Bolsonaro e seus aliados tinham atacado tanto o sistema eleitoral brasileiro que participar desses testes era algo maior. Era parte de um roteiro de significado político – no caso, um roteiro antigolpe desenhado pelo TSE em resposta a Bolsonaro. Mas o dia estava só começando.
Do Centro Cultural, Alexandre seguiu pro aeroporto de Congonhas, para o salão de autoridades. E ficou lá enfurnado no telefone enquanto esperava o embarque para Brasília. Como presidente do TSE, Alexandre poderia viajar num avião da Força Aérea. Seria o mais esperado pros padrões políticos nacionais. O Poder Judiciário pediria o voo, arcaria com os custos e Alexandre chegaria à capital sem se expor. Mas, para isso, o governo teria que aprovar o pedido. Bolsonaro, como presidente da República, já tinha pedido o impeachment de Alexandre. E já tinha xingado ele de canalha em praça pública.
Jair Bolsonaro: Ministro Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha.
Thais Bilenky: Alexandre preferiu ir de avião de carreira. Ele sentou do lado da esposa. E os seguranças e assessores se acomodaram nas poltronas de trás. Dentro do avião, claro que todo mundo esticou o pescoço para ver se era ele mesmo. O estafe do Alexandre flagrou um passageiro escrevendo no Whatsapp: “o Cabeça de Ovo tá aqui”. Cabeça de Ovo é um dos apelidos que Alexandre recebeu dos bolsonaristas. Tem também Big Alex. Mas o que mais pegou, de longe, foi… Xandão. Um segurança foi avisar o ministro do burburinho. E Alexandre respondeu em uma frase: “protege ela.” Ela é a advogada Viviane Barci de Moraes, casada com Alexandre há 30 anos, e mãe dos três filhos do casal. Alexandre nem precisava pedir. A equipe que o acompanha tá cansada de ouvir ele dizer que é casca grossa. A grande preocupação de Alexandre no meio de tanta ameaça, ofensa e intimidação é com a família… No fim, o voo foi tranquilo. Alexandre pousou ao meio-dia do domingo em Brasília. Chacoalhando mesmo tava o país. Para entender essa turbulência que abalava o Brasil no domingo do segundo turno, a gente tem que voltar um mês. O primeiro turno terminou bem mais acirrado do que as pesquisas projetavam: Lula teve uma vantagem de só 5 pontos percentuais sobre Bolsonaro. Foram 6 milhões de votos de diferença – num universo de mais de 120 milhões.
Do lado petista, a imagem pública era que a situação estava sob controle. Mas, passada a eleição, eles me contaram que estavam tensos, fazendo muita conta e negociações políticas das mais pragmáticas para conter o avanço bolsonarista. A campanha do Lula apostava que Bolsonaro ia crescer no Sudeste. Mas que, no Nordeste, o petista ia abocanhar uma fatia ainda maior do eleitorado e isso ia ser decisivo. Eles achavam que a diferença de 6 milhões de votos do primeiro turno ia cair para uns 4 milhões. Só que o jogo só acaba quando termina.
Do outro lado, o campo bolsonarista estava tenso. Faltando menos de uma semana para o segundo turno, a campanha do então presidente apresentou uma objeção: alegou que emissoras de rádio, no Nordeste em especial, tinham deixado de veicular a propaganda obrigatória de Bolsonaro. E que isso era um esquema para beneficiar Lula.
Fábio Faria: Boa noite a todos! Desde o começo do ano que eu venho… pedindo equilíbrio, parcialidade, imparcialidade dos meios de comunicação. Vendo que nós teríamos uma eleição muito polarizada.
Thais Bilenky: Dois membros da campanha de Bolsonaro convocaram toda imprensa para uma entrevista em frente ao Palácio da Alvorada. E ao mesmo tempo os advogados dele entraram com uma ação no TSE. Eles argumentavam que aquilo era gravíssimo, e podia alterar o resultado das eleições. Eduardo Bolsonaro, o filho 03, deputado federal, chegou a ameaçar medidas drásticas.
Eduardo Bolsonaro: A gente está diante de um caso aqui que, se for dado direito de resposta, será necessário adiar as eleições deste ano.
Thais Bilenky: Alexandre respondeu no ato: mandou os bolsonaristas apresentarem provas sérias, porque o relatório que eles tinham usado era baseado na programação de rádios na internet. E na internet, as rádios não são obrigadas por lei a transmitir o horário eleitoral. Resultado: Fábio Faria, então ministro das Comunicações e membro da campanha que fez a acusação, voltou atrás. Disse que estava arrependido. O outro membro da campanha que fez a acusação, Fabio Wajngarten, queria encontrar Alexandre e se explicar. Não conseguiu.
Foi um lance que acabou se tornando comum no embate entre Alexandre e Bolsonaro. Bolsonaristas blefam. Alexandre não titubeia e dobra a aposta. Bolsonaristas recuam… É… Só que o jogo só acaba quando termina mesmo.
Estamos a dois dias do segundo turno. E os bolsonaristas tiram mais uma carta da manga.
Paulo Teixeira: É… na sexta-feira, a gente soube que haveria.
Thais Bilenky: Quem tá falando é Paulo Teixeira, hoje ministro do governo Lula, mas na época um dos coordenadores da campanha. Os petistas ficam sabendo que o governo Bolsonaro articulou uma operação para atrapalhar o trânsito dos eleitores no dia da votação.
Paulo Teixeira: Nós tivemos uma informação…
Thais Bilenky: Tá…
Paulo Teixeira: Tivemos uma informação que essa… essa operação tinha sido gestada na sala do presidente da República.
Thais Bilenky: E aí, eles entram com um pedido no TSE para parar com aquilo.
Paulo Teixeira: E aí nós despachamos com o ministro Alexandre de Moraes, eu despachei por telefone com ele, era sábado já. E aí, ele despachou a petição mandando parar, eles continuaram loucamente. O doido da época ali era o diretor da PRF.
Thais Bilenky: O diretor da Polícia Rodoviária Federal era Silvinei Vasques, que nunca disfarçou a admiração por Bolsonaro. Na noite de sábado para domingo, ele teve a ousadia de pedir voto pro seu candidato nas redes. Depois apagou.
Silvinei Vasques então decide peitar Alexandre: mantém a ordem de fazer operações da PRF nas estradas do país.
Paulo Teixeira: E aí o Alexandre de Moraes foi pra cima dele.
Thais Bilenky: Agora, estamos no domingo de eleição. 30 de outubro de 2022. Assim que Alexandre sai do avião, ao meio dia, uma assessora atualiza o presidente do TSE sobre as centenas de bloqueios feitos pela PRF nas estradas. Alexandre responde de bate-pronto que já está cuidando do assunto. E vai do aeroporto de Brasília direto pra sede do tribunal. Lá, alguns ministros esperavam por Alexandre na mesa do almoço.
Thais Bilenky: O cardápio era picadinho, banana e ovo frito, ministro? É sério, eu preciso confirmar.
Ricardo Lewandowski: Picadinho, banana, ovo frito e, de sobremesa, obstrução das vias de acesso aos locais de votação.
Thais Bilenky: O ministro é Ricardo Lewandowski. Ele era, na época, vice-presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal. Lewandowski estava lá quando, de repente, no meio do almoço, chega o Silvinei Vasques, o diretor da PRF. Alexandre tinha intimado Silvinei. O cara que tinha peitado Alexandre mantendo os bloqueios nas estradas agora precisaria se explicar diante do ministro.
Descobrir o que aconteceu nesse encontro foi um dos motivos que me fez querer fazer esse podcast. Apurei com várias pessoas que estavam presentes. A cena é a seguinte: Silvinei chega com uns quatro assessores. Todos, inclusive Silvinei, com a farda preta da PRF, arma à vista e cara de preocupado. Alexandre larga o prato, se levanta e, sozinho, vai até a sala ao lado. Não oferece água, nem café.
Thais Bilenky: A conversa foi rápida? Quanto tempo ele demorou?
Ricardo Lewandowski: Ah, talvez uns… eu acho que talvez uns 15 minutos, porque ele saiu, já voltou, antes da sobremesa. Não demorou muito tempo não. Essas conversas são… não… não tem muito mistério, né, não tem muito… muitos detalhes: era pão, pão, queijo, queijo, né?
Thais Bilenky: Silvinei, acuado, tenta quebrar o gelo. Elogia o presidente do TSE e lembra de um episódio qualquer de anos antes, na Olimpíada do Rio. Na época, Silvinei estava na equipe de segurança do Alexandre, que era o ministro da Justiça. Mas agora o assunto é outro. Olhando no olho do Alexandre, o diretor da PRF confessa que está com medo de ser preso.
Alexandre responde na lata: “ou você para os bloqueios, ou você vai pra cadeia”. Ele dá 20 minutos pro Silvinei liberar as estradas. Se não, era prisão em flagrante por desobediência e crime eleitoral. Enquanto isso, em São Paulo, no hotel onde a campanha do Lula estava reunida, só se viam semblantes tensos e cigarro. As pessoas andavam de um lado pro outro. Nas redes sociais a gritaria, como sempre, era alta. O pânico estava instalado.
A campanha petista tava em cima para Alexandre estender o horário de votação naquele fim de tarde de domingo. Assim, eleitores atrasados pela PRF iam conseguir votar. Lula estava ansioso. Em casa, com a família, falava no telefone com seus principais aliados. Queria saber se os bloqueios podiam afetar o resultado da eleição. Ele cogitou ir ao encontro da equipe no hotel, mas foi aconselhado a esperar um pouco mais.
Paulo Teixeira, um dos coordenadores da campanha petista, chegou a ligar para o presidente do TSE para pedir o adiamento da votação. Alexandre não deu brecha. Do lado bolsonarista, a cúpula da AGU, a Advocacia Geral da União, órgão que representa judicialmente o governo, decidiu ir falar com Silvinei Vasques. Queriam saber como tinha sido a conversa com o Alexandre de Moraes.
Silvinei recebeu a comitiva em seu gabinete. O diretor da Polícia Rodoviária Federal tinha pendurado na parede um emblema da corporação feito de balas de revólver, bem à moda bolsonarista. Silvinei estava nervoso, falava coisas desconexas.
A cúpula da AGU tentava acessar Alexandre. Mas, como aconteceu ao longo de todo o processo eleitoral, deu de cara com a porta. Faltando uma hora para o fechamento das urnas, Alexandre desce pro térreo do TSE, onde daria a primeira entrevista do dia. Aquela que a gente tocou na abertura deste episódio.
Justiça Eleitoral – Gisele Siqueira: Vamos dar início agora à primeira coletiva do dia, com a palavra o ministro Alexandre de Moraes.
Justiça Eleitoral – Alexandre de Moraes: Boa tarde a todos.
Thais Bilenky: O vão do tribunal estava cheio de jornalistas do mundo inteiro. Alexandre caminha com duas assessoras ao lado e cinco seguranças atrás. Senta sozinho na única cadeira posta em uma mesa comprida de frente para os jornalistas. Eu não esqueço essa entrevista. Naquela hora, esperando o presidente do TSE aparecer, a impressão era de que o futuro do país estava nas mãos de uma só pessoa, que não era nenhum dos dois candidatos à presidente.
Justiça Eleitoral – Alexandre de Moraes: Podia ser um lugar com menos vento, né. Pelo amor de Deus.
Thais Bilenky: Tava todo mundo tenso. O único que se mostrava tranquilo era Alexandre. E o porquê disso, eu só fui entender enquanto fazia esse podcast. Nos bastidores, embora quase ninguém saiba, Alexandre tinha algum controle da situação. Ele tinha ameaçado prender o diretor da PRF e conseguia ver a dimensão real dos bloqueios nas estradas. A ideia de adiar a votação, segundo ele disse a interlocutores, era um desvario.
Alexandre tinha suas fontes. Uma equipe de policiais civis e outra de policiais militares trabalhavam na inteligência do TSE. Alexandre cruzou as informações das corporações. Como ele costuma dizer: é sempre bom cruzar informação.
Justiça Eleitoral – Alexandre de Moraes: E, logicamente, não haverá nenhum, nada de adiamento do término da votação. A votação termina às 17 horas como programado sem nenhum problema, porque não há necessidade de superlativizar essa questão.
Thais Bilenky: Ou seja: contrariando lulistas e bolsonaristas, Alexandre disse que… tava tudo normal. Segue o jogo: em uma hora as urnas vão ser fechadas. Às cinco da tarde do domingo, a apuração começou. Bolsonaro ficou em casa, no Palácio da Alvorada. No primeiro turno, ele tinha feito uma farra no Ministério da Defesa: assistiu ao começo da apuração no telão do gabinete do ministro, um general do Exército, com refrigerante e salgadinho. E para mostrar quem era sua turma convidou os comandantes das três Forças: Marinha, Aeronáutica e Exército. Agora, no segundo turno, repetiu a dose com o ministro da Defesa e o comandante do Exército. No TSE, ministros e autoridades estavam no gabinete de Alexandre. Tinha um bufê com comes e bebes e a televisão estava ligada, alternando entre GloboNews e CNN. De vez em quando alguém pedia para aumentar o volume. A mineira Cármen Lúcia – ministra do Supremo e do TSE – queria ouvir melhor as notícias do seu estado.
Alexandre parecia mais calmo que a maioria das pessoas na sala. O ministro do Supremo, Gilmar Mendes, estava lá.
Gilmar Mendes: Nada especial, a gente ria muito e… pessoas que eram mais… recentes na… nesse processo… ficavam temerosos: “ah, olha o que tá acontecendo e tal”, e a gente… era chamado, como se fosse expert pra… dirimir dúvidas e tal, olhar… e aí mapeávamos… um pouco… um ambiente bastante descontraído, diria eu.
Thais Bilenky: A apuração já estava rolando tinha umas duas horas. E Bolsonaro tava na frente o tempo inteiro. As pesquisas indicavam que Lula ia ganhar. E em eleições anteriores, a gente chegou a ver viradas durante a apuração. Mas dessa vez tava demorando mais…
Eram sete da noite do domingo e eu tava ao vivo no Foro de Teresina. Eu lembro bem desse momento.
Foro de Teresina – Fernando de Barros e Silva: Zé, to vendo aqui no UOL, a diferença está com vinte mil votos.
Foro de Teresina – Thais Bilenky: Virou?
Thais Bilenky: Eu e meus colegas de Foro, Fernando de Barros e Silva e José Roberto de Toledo, a gente tava comentando a apuração quando o TSE atualizou os dados das urnas.
Foro de Teresina – Fernando de Barros e Silva: 50,01 a 49,99
Foro de Teresina – José Roberto de Toledo: Virou!!!! Virou e desvirou, ó… que coisa. 67, 76, Lula 50,01, Bolsonaro 49,9. Às 18 horas e 44 minutos Lula ultrapassa Bolsonaro, vamos ver se essa linha vai se manter assim. Tem 51 apurados…
Foro de Teresina – Thais Bilenky: Eu não sei no bairro de vocês, mas o meu bairro da Vila Madalena aqui parece final de copa do mundo assim, tá…
Foro de Teresina – Fernando de Barros e Silva: Tô ouvindo ao longe aqui também…
Thais Bilenky: Nessa hora da virada nas urnas, Gilberto Carvalho, um aliado de longuíssima data do Lula, foi para a avenida Paulista começar os preparativos da festa.
Aliados comemoram o momento da virada de Lula na apuração do 2º turno
Thais Bilenky: O marqueteiro Sidônio Palmeira, um homem discreto, entrou aos pulos no hotel gritando: “ganhamo, porra”. Geraldo Alckmin, antigo rival e agora vice do Lula, batia palmas e pulava de alegria. Aí, perto das oito horas da noite, veio a confirmação: o Brasil tinha eleito um novo presidente.
Plantão da Globo – Willian Bonner: A justiça eleitoral acaba de confirmar a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, na disputa da presidência da república, à partir de primeiro de janeiro…
Thais Bilenky: Já de noite, Alexandre pediu aos seus auxiliares os números de abstenção, brancos e nulos para então ir proclamar oficialmente o resultado. Dessa vez, trocaram o vão ventoso do TSE por um salão fechado. E o ministro não estava mais sozinho: foi acompanhado pela esposa, três colegas do Supremo e pelo presidente do Senado.
A longa mesa, onde antes ele tinha dado aquela entrevista sozinho, agora estava repleta de autoridades, as mais altas da República. Alexandre mencionou nome por nome, anunciou os resultados. E depois fez um adendo:
Justiça Eleitoral – Alexandre de Moraes: Quero agradecer também as Forças Armadas, que no primeiro turno colaboraram com a segurança em 467 localidades no país, e nesse segundo turno, em 456 localidades, além do trabalho de excelência de levar as urnas aos mais longínquos rincões do Brasil.
Thais Bilenky: Com essa menção honrosa, Alexandre conseguiu, educadamente, dizer pros militares que a eles cabia isso aí: colaborar com a segurança e transportar urnas. Não contestar a legitimidade do sistema eleitoral ou apoiar a intenção golpistas do presidente de turno. E o ministro foi além:
Justiça Eleitoral – Alexandre de Moraes: Também agradecer – isso foi muito importante para a segurança, paz e tranquilidade nas eleições – o Conselho dos Comandantes Gerais das Polícias Militares do Brasil e o Conselho dos Chefes de Polícia Civil…
Thais Bilenky: Pronto. Esse é o Alexandre que ri por último… Porque as corporações policiais polarizadas, divididas entre amor e ódio a Bolsonaro e a Lula, foram outro importante ponto de tensão no processo. A dúvida sobre se iam politizar ou não sua atuação tinha pairado sobre a sociedade. Muita gente desconfiava que os homens de farda e arma na mão iam trabalhar com o bolsonarismo para melar as eleições. Mas Alexandre, nesses minutos finais do segundo turno, mostrou que tinha também seus contatos, valorizou os que atuaram ao seu lado e não mencionou quem desviou de suas funções. O ministro, por fim, mostrou suas cartas. E revelou que ganhou o poker do dia: apesar das operações da PRF, não houve abstenção maior no Nordeste.
Alexandre encerrou o pronunciamento às 9 horas e 53 minutos da noite de domingo. Foi aplaudido de pé por quase um minuto pela cúpula da República. E mostrou os dentes num largo sorriso ao ser saudado pelos servidores do TSE com o apelido mais popular de 2022.
Justiça Eleitoral – coro dos presentes: Xandão, xandão, xandão!
Thais Bilenky: Eu tô gravando esse episódio em junho de 2023. E como no Brasil o jogo nunca acaba nem termina, a cada dia aparece uma notícia envolvendo Alexandre.
Aquela capa de herói, guardião da democracia, tecida por analistas da esquerda à direita depois da atuação dele nas eleições vai desbotar um tanto nos meses seguintes. Muita gente vai criticar os superpoderes do ministro. Mas o fato é que aquele dia de eleição terminou com dois grandes vencedores.
Lula, claro. E Alexandre.
Gilmar Mendes: Ele tem uma… uma vantagem, acho, que em relação a todos os ministros… que ele tem uma experiência enorme, efetiva, com segurança pública. E segurança pública do estado de São Paulo.
Thais Bilenky: Esse é o Gilmar Mendes, do Supremo.
Gilmar Mendes: O Alexandre tem esse jeito, um tanto cifrado, às vezes parece um pouco carrancudo, e tal. Uma figura extremamente afável. E tem muito diálogo, tem diálogo com os militares, tem diálogo com a polícia. Ele consegue entender a lógica e a linguagem militar, nós não teríamos ninguém aqui, eh… afeito a esse tipo de compreensão. Então, de fato, como eu já disse, também no TSE, ele foi o homem certo, no lugar certo, na hora certa.
Thais Bilenky: No próximo episódio, eu te conto como Alexandre passou de truculento pró-impeachment a salvador da democracia pra esquerda. Como ele conseguiu esse diálogo com os militares e o meio policial.
E sobretudo, como ele se tornou fluente no idioma de Brasília.
Floriano Marques: Esse sangue frio, essa capacidade de não se… se desestabilizar foi determinante para a decisão no tema dos bloqueios das estradas.
Thais Bilenky: E ele se aconselha nessas ocasiões?
Floriano Marques: Eu diria que o Alexandre… ele… ele ouve algumas pessoas, mas ele não é uma pessoa que… depende muito de opiniões alheias
Thais Bilenky: Alexandre é um podcast original da Trovão Mídia e da revista Piauí. Eu sou Thais Bilenky e fiz reportagem e o roteiro. A direção geral e o tratamento de roteiro são da Ana Bonomi e do José Orenstein. A produção executiva é da Ana Bonomi, José Orenstein e da Mari Faria. Assistência de produção da Ana Azevedo. A trilha sonora original, o desenho de som e a montagem são do Arthur Decloedt. Checagem feita por João Felipe Carvalho. Tratamento de roteiro adicional é da Mariana Romanno. Agradecimentos especiais ao Marcelo Mesquita. A finalização é da Phonocortex. Gravado no estúdio Nanuk em São Paulo.
Esse episódio utilizou áudios de Mídia Ninja, SBT, Rádio Bandeirantes, CNN, Rádio Gaúcha, TV Cultura, UOL, Record, canal Tesoureiros no Twitter, canal da Justiça Eleitoral no Youtube, Terra, Foro de Teresina, TV Globo.