Uma semana depois de assumir como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em agosto de 2022, Alexandre de Moraes autorizou uma operação de busca e apreensão contra um grupo de poderosos empresários bolsonaristas. Este episódio do podcast ALEXANDRE conta como o ministro enfrentou críticas nesse caso. E como, depois, lidou com figuras de maior peso institucional como Augusto Aras, procurador-geral da República, Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, partido do então presidente da República, e generais alinhados ao bolsonarismo.
Acompanhe aqui a transcrição do episódio:
ALEXANDRE
Thais Bilenky: No calor das eleições, as notícias se atropelavam. A gente mal entendia um acontecimento, vinha outro e mudava tudo. Era difícil se deter em alguns episódios específicos. E nessas, alguns passos em falso de Alexandre de Moraes ficaram pelo caminho. Talvez o mais ruidoso deles tenha sido na estreia de Alexandre como presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
[Jornal da Gazeta – Laerte Vieira]: A polícia federal cumpriu mandatos de busca e apreensão em endereços de 8 empresários que propagaram mensagens golpistas pela internet. A determinação partiu do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Thais Bilenky: Era agosto de 2022. Alexandre assumiu o TSE em uma terça-feira, e na terça seguinte, a Polícia Federal estava nas ruas. Os alvos da operação não estavam acostumados com batida policial. Eram figurões, como: Luciano Hang, dono das Lojas Havan; Afrânio Barreira, da rede de restaurantes Coco Bambu; e Meyer Nigri, da construtora Tecnisa. Todos bem relacionados e apoiadores do então presidente Bolsonaro. O site Metrópoles tinha publicado dias antes extratos de uma conversa entre eles em um grupo de Whatsapp. Os executivos especulavam sobre um golpe de estado, caso Lula vencesse a eleição.
[Uol – Fabíola Cidral]: Numa das mensagens, o empresário José Cury, que é dono do shopping Barra World diz: “prefiro golpe do que a volta do PT, 1 milhão de vezes”.
Thais Bilenky: Quando a história dessas mensagens foi a público, telefonei para um dos empresários. Não esqueço a reação dele ao atender. “É urgente?”, ele me perguntou, “eu tô na massagem.” Eu disse que sim, e a gente conversou por alguns minutos. Para esse empresário, que me pediu para não ser identificado, o vazamento da conversa do grupo de Whatsapp era criminoso, não tinha nada de armação de golpe, jornalista que é chato e invasivo. E para arrematar, ele defendeu que tinha que auditar as urnas mesmo, porque quem não deve, não teme.
[Jornal Hoje – Maurício Falcão]: Além das buscas, Moraes autorizou que a polícia federal tome o depoimento dos empresários.
Thais Bilenky: Quando a PF bateu na porta da casa deles, foi um quiprocó. A operação foi deflagrada de manhã, por ordem de Alexandre, no âmbito do Supremo, mas nem a assessoria do próprio Supremo, nem a do TSE estavam avisadas. As notícias começaram a pipocar nos sites, com informações divergentes entre si. O processo estava em sigilo e não tinha quem desse a palavra final.
As críticas não paravam de chegar. Várias entidades patronais poderosas soltaram nota protestando, inclusive a FIESP – a Federação Paulista de Indústria, que tinha apoiado Alexandre publicamente dias antes. Lá para as sete da noite, Alexandre recebeu membros da sociedade civil em um encontro que estava programado há tempos na sua agenda. O ministro parecia bem disposto.
Pedro Kelson, do Pacto pela Democracia, uma das organizações convidadas naquele dia, me contou como foi.
[Pedro Kelson]: A gente estava lá no TSE em comitiva, quando o ministro nos interrompe e fala: “olha, em geral, em ditaduras, em autocracias, o sistema judiciário funciona normalmente. Prende-se uma ou duas pessoas, e deixa a máquina funcionando nas suas burocracias habituais. Por exemplo, no Brasil, se houvesse um golpe de Estado, provavelmente eu estaria entre essas uma ou duas pessoas”. E deu um sorrisinho de canto de boca, enquanto o restante da comitiva deu nervosas risadas.
Thais Bilenky: O ministro bloqueou as contas bancárias dos empresários e quebrou o chamado sigilo telemático para ter acesso ao que eles falavam e faziam nas redes. E ainda apreendeu o celular e tablets dos investigados. A grita dos advogados foi grande, Alexandre não deu a eles acesso aos altos, ou seja, eles não sabiam do que os clientes estavam sendo acusados.
Eu conversei com um dos advogados, o Alberto Toron, criminalista que defende Meyer Nigri. Toron condenou a ação de Alexandre, sem medir as palavras.
[Alberto Toron]: É mais do que um equívoco, uma grande violência por parte do ministro Alexandre de Moraes.
Thais Bilenky: Na época, o então presidente do Supremo, Luís Fux, foi procurado por empresários e advogados. Eu soube por uma fonte que Fux, na hora, contemporizou. Disse que Alexandre é assim e sabe o que faz. Depois, porém, discretamente, Fux foi falar com o colega de toga.
Naquela mesmo terça-feira, um outro ministro do Supremo, Gilmar Mendes, deu declarações a favor de Alexandre, dizendo que certamente, ele tinha informações consistentes para autorizar a batida policial.
Mas meses depois, ao me receber no seu gabinete, em Brasília, Gilmar deu uma calibrada na fala.
[Gilmar Mendes]: Obviamente que a gente pode errar ou fazer um prognóstico, eventualmente não consistente, a partir de dados existentes.
Thais Bilenky: Gilmar explicou o raciocínio por trás da operação. Nas rodas de Brasília, naquele momento, falava-se da necessidade de encontrar quem bancava iniciativas golpistas. Era um movimento fundamental para barrar eventuais rupturas. Mas, se o passo foi maior que a perna, então era preciso voltar atrás.
[Gilmar Mendes]: E todo mundo supunha que houvesse participação de pessoas financiando isso. Nós sabemos desse engajamento, então ele tomou a medida correta, dentro daquelas circunstâncias. E, obviamente, quando percebeu que não havia esse quadro de gravidade, as revogou e superou.
Thais Bilenky: Dias depois da operação contra os empresários, Alexandre deu aos investigados acesso ao processo e tornou pública parte da decisão que autorizava a batida policial. Mais de um ano depois, tem empresário que ainda não recebeu o celular e o tablet de volta. Alguns tiveram que dar depoimento mais de uma vez.
O inquérito continua aberto no Supremo. Não avança, nem é arquivado. Fica lá, à espreita. Quase como um aviso permanente a seus alvos. Uma sombra de inquérito. E também como uma lembrança dos superpoderes, cada vez mais criticados, conferidos a Alexandre durante a eleição.
Esse é o Alexandre. Um podcast original da Trovão Mídia e da revista piauí.
Eu sou Thais Bilenky. Passei os últimos meses na cola de Alexandre de Moraes. Conversei com gente que respeita e gente que critica o ministro do Supremo Tribunal Federal. Nesta série, conto o que descobri, das articulações intensas em Brasília às decisões mais solitárias que ele tomou.
Episódio 4: Passo em falso
Naquela terça-feira agitada de agosto de 2022 em Brasília, além dos empresários, uma outra figura central no sistema de Justiça ficou indignada: Augusto Aras, o procurador-geral da República.
[Rádio BandNews FM – Carla Bigatto]: A Procuradoria Geral da República alegou não ter sido consultada sobre essa ação que investiga um grupo acusado de defender golpe em caso de vitória do ex-presidente Lula nas eleições de outubro.
Thais Bilenky: Alexandre negou qualquer anormalidade. Dias depois, a PGR pediu o arquivamento da ação. Argumentou que Alexandre não tinha competência para relatar o caso, e que não tinha crime para ser apurado. Alexandre alegou que o prazo tinha expirado. A PGR esperou uns dias e pediu de novo o arquivamento. Negado.
Alexandre e Augusto Aras se estranhavam, e não era a primeira vez. Aras foi escolhido como procurador-geral da República por Bolsonaro no primeiro ano de governo. É o cargo máximo do Ministério Público Federal. Ao escolher Aras, Bolsonaro quebrou uma tradição de anos. Aras não foi indicado por seus pares procuradores na chamada lista tríplice, que uma associação do Ministério Público encaminha como sugestão ao presidente da República.
Não. Aras não estava nem entre os finalistas da própria categoria, mas tinha apoio de gente influente no universo de Bolsonaro. O executivo Meyer Nigri, da Tecnisa, era um deles – aquele mesmo, que foi um dos alvos da operação de Alexandre contra os empresários acusados de discutir golpe de Estado por whatsapp.
Aras arquivou mais de cem pedidos de investigação contra o presidente ao longo do seu mandato. Alexandre teve a oportunidade de confrontar Aras pelas vias institucionais e não o fez. Em agosto de 2021, um ano antes da operação contra os empresários, duas ações questionando Aras chegaram ao Supremo. Uma caiu com o ministro Dias Toffoli que a arquivou prontamente. A outra foi parar na mesa de Alexandre. Pedia-se que o procurador geral fosse investigado por blindar o presidente Bolsonaro. Alexandre não arquivou, e também não mandou investigar.
O ministro foi ocupando o espaço que seria da Procuradoria Geral da República, ou seja, conduzir investigações sobre o presidente. Esse drible de Alexandre, como relator dos inquéritos sobre Bolsonaro, encontrou respaldo entre estudiosos do direito. O argumento é que, diante de uma ameaça de ruptura institucional, que contava com a aparente leniência de Aras, era legítimo inovar.
Em uma das minhas idas a Brasília para fazer esse podcast, esbarrei com Aras. Tinha acabado de acontecer, horas antes, uma operação da Polícia Federal autorizada por Alexandre para apreender o celular de Bolsonaro. A PGR tinha sido contra.
Thais Bilenky: Mas o senhor, na condição de PGR. Deixa eu só terminar aqui…
Thais Bilenky: Queria ouvir o que Aras tinha a dizer a respeito de Alexandre. Nessa cena que você escuta, ele saiu andando e eu fui atrás, me embrenhando por corredores e elevadores privativos.
Thais Bilenky: Doutor, eu queria ouvir um pouco o senhor sobre esse inquérito de modo geral, né, em que…
[Augusto Aras]: Eu não quero falar, querida, desculpe.
Thais Bilenky: A avaliação sua sobre a atuação do ministro Alexandre de Moraes, é para um podcast sobre ele. O senhor pode só responder sobre isso?
[Augusto Aras]: Não, não posso, não se discute decisão judicial, decisão judicial se cumpre e quem não estiver de acordo, eventualmente, pode recorrer.
Thais Bilenky: O senhor considera que o ministro Alexandre, com esse inquérito todo…
Thais Bilenky: Nesse momento, a gente tinha saído do plenário do Senado, passado pelo cafezinho, e aí um grupo de militares fardados abordou Aras. Eles entraram no elevador exclusivo para autoridades, eu fui junto e continuei tentando.
Thais Bilenky: Deixa eu só concluir a pergunta aqui para o senhor!
[Augusto Aras]: Não vou lhe responder, porque não…
Thais Bilenky: Eu queria saber a sua avaliação mais genérica sobre a atuação do ministro!
[Augusto Aras]: Nem genérica, nem específica. O ministério público integra o sistema de justiça, se manifesta nos autos e não…
Thais Bilenky: Por que muito se falou que esses inquéritos eram resultado um pouco da inação da PGR e o senhor concorda com essa crítica?
[Augusto Aras]: Bom, cada um fala o que quer, agora a verdade depende de pesquisa, se você for pesquisar, se você resolver investir seu tempo na pesquisa, você vê que não é bem assim.
Thais Bilenky: Depois dessa, a porta do elevador abriu. A gente estava na chapelaria, de onde se pega o carro para ir embora. Até o motorista do procurador-geral chegar, eu insisti.
Thais Bilenky: Por exemplo, o que que o senhor considera que não é bem assim?
[Augusto Aras]: Nada disso que você está dizendo.
Thais Bilenky: Não, eu queria entender os…
[Augusto Aras]: Não precisa entender, basta pesquisar. Quem quiser trabalhar, verificar os arquivos, não é, vai encontrar…
Thais Bilenky: Por exemplo, o quê que o senhor está mencionando? De atuação firme da PGR…
[Augusto Aras]: Tudo o que você quiser. Tudo o que você quiser.
Thais Bilenky: Mas o senhor não quer mencionar um aspecto para ficar mais concreto?
[Augusto Aras]: Não, não precisa. Não precisa, está disponível, aberto ao público. Você pode… você pode – cadê o nosso carro?
Thais Bilenky: O Ministério Público não fazer parte do inquérito de ofício, esse, das milícias digitais, das fake news, é um problema para a democracia brasileira?
[Augusto Aras]: Olha, veja bem, eu não vou dar entrevista, você está forçando uma entrevista que eu não quero dar, exatamente porque nós temos outras operações em curso, então, por favor, vamos…
Thais Bilenky: O carro chegou, e Aras entrou sem olhar para trás. A operação contra os empresários deixou indignados os bolsonaristas, mas não só eles. Um alerta de preocupação com os superpoderes de Alexandre se acendeu.
Coube a um veículo de imprensa estrangeiro externar esse sentimento. O jornal americano The The New York Times publicou uma reportagem com uma pergunta no título: “O Supremo está indo longe demais para defender a democracia no Brasil?”. O texto enumerou pontos polêmicos de decisões de Alexandre – começando pela ação contra os empresários.
O ministro manteve a defesa da operação e rebateu os críticos. Em um evento em São Paulo, ele respondeu, com ironia:
[Fundação FHC – Alexandre de Moraes]: Uma das decisões que foi muito criticada em relação a alguns empresários, só porque eles estavam financiando, incentivando golpe militar. Mas são empresários, né, não são pobres. Não são pobres, eles não podem ter busca e apreensão. Só no Brasil, só pobre e preto pode ter busca e apreensão.
Thais Bilenky: Semanas depois, o ministro fez uma jogada que surpreendeu todo mundo.
[Band Jornalismo – Lana Canepa]: Olá! Boa noite! Começa às 8 horas da noite, o primeiro debate do segundo turno entre os candidatos a presidente da República. O presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula…
Thais Bilenky: O Brasil estava de frente para a TV para assistir ao primeiro debate entre Lula e Bolsonaro no segundo turno. Agora, eram só os dois. Bolsonaro chegou ao estúdio e disse que passou as piores 24 horas da sua vida, por causa da história das meninas venezuelanas.
[BandNews FM – Adriano Oliveira]: As falas de Bolsonaro foram feitas durante o período eleitoral e, em uma delas, ele disse que meninas de 14 e 15 anos, se arrumavam para fazer programas. Em uma outra fala, o chefe do Executivo afirmou que ao passar por uma casa, onde estavam as jovens, ele sentiu que, abre aspas, “pintou um clima”, fecha aspas, e decidiu entrar no local.
Thais Bilenky: O caso vinha sendo explorado nas redes, que multiplicavam acusações de pedofilia contra Bolsonaro. Era tratado como a pá de cal nas chances de o presidente ganhar a eleição. E não se sabia como ele ia responder a isso no debate. Mas Bolsonaro aproveitou uma pergunta sobre fake news, pegou uma folha de papel e anunciou, em primeira mão, ao vivo, em rede nacional, que Alexandre tinha lhe dado razão.
A decisão que surpreendeu a todos era que Alexandre tinha proibido a campanha de Lula de explorar os vídeos sobre as venezuelanas.
[Jair Bolsonaro]: O seu Alexandre de Moraes dá uma sentença contrária a essas fake news, essas mentiras. E diz a sentença aqui: “a postagem realizada pela representada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, em 15 de outubro, agora, se descola da realidade por meio de inverdades, fazendo uso de recortes e encadeamentos inexistentes de falas gravemente descontextualizadas do representante Jair Bolsonaro”.
Thais Bilenky: O pessoal de Bolsonaro não quis admitir, mas, em privado, rasgou elogios a Alexandre. Em uma canetada, ele devolveu oxigênio a Bolsonaro na reta final da eleição. E, naquele momento, neutralizou as críticas de que atuava em benefício de um lado só.
Em público, porém, era impossível recuar. E eu vou precisar voltar algumas semanas no tempo para contar melhor essa história. Bolsonaro vinha tocando duas campanhas paralelas desde o começo de 2022: uma para se reeleger, outra para melar a eleição, contestando o sistema de urnas eletrônicas. Às vésperas do primeiro turno, ele dizia que a contagem de votos ocorria em uma sala secreta em algum porão escuro do TSE. A história estava começando a pegar, então Alexandre interveio.
Chamou representantes das campanhas para mostrar onde ocorria a totalização de votos. Valdemar da Costa Neto, presidente do PL de Bolsonaro, foi até lá. Alexandre recebeu Valdemar a portas fechadas. Apurei que foi uma conversa rápida e direta. O ministro perguntou se a campanha de Bolsonaro ia mesmo contestar o resultado se perdesse. Valdemar foi categórico, disse que: “não, magina, isso é bobagem”. E na saída, Valdemar ainda atestou:
[Folha de S. Paulo – Mateus Vargas]: Valdemar, a sala é secreta?
[Folha de S. Paulo – Valdemar da Costa Neto]: Não, não tem mais. Agora é aberta
[Folha de S. Paulo – Mateus Vargas]: Sempre foi, né?
Thais Bilenky: No dia seguinte, um vice-líder do PL – não o presidente do partido ou algum membro da campanha, não, um vice-líder do PL na Câmara dos Deputados divulgou um relatório apócrifo, sem assinatura de nenhuma entidade, nem de nenhum técnico, que concluía, sem explicar como, que o sistema eleitoral era falho. O TSE reagiu na hora, dizendo que aquilo era mentiroso e não tinha amparo na realidade.
[CNN – William Waack]: O TSE completa a nota afirmando ainda que o ministro Alexandre de Moraes determinou a imediata remessa do documento, esse aí do PL, ao inquérito das fake news. Já entrou ali como investigado de fake news.
Thais Bilenky: Veio o primeiro turno. Bolsonaro assistiu ao começo da apuração no gabinete do ministro da Defesa, como eu contei aqui no primeiro episódio da série. O presidente ficou em segundo lugar – e as Forças Armadas ficaram caladas. Depois de meses questionando o TSE, o ministro da Defesa tinha se comprometido a apresentar um relatório sobre a legitimidade do primeiro turno. Eles montaram uma operação toda especial só para fiscalizar as urnas no domingo, dia 2 de outubro, e depois iam apresentar as conclusões. Mas não apresentaram nada.
Alexandre chamou o general Paulo Sérgio, ministro da Defesa, e deu 48 horas para ele mostrar o relatório. Insinuou que aquilo podia acabar em processo. O prazo expirou, as Forças Armadas não apresentaram nada. E ficou por isso mesmo.
[TV Globo]: William Bonner]: A justiça eleitoral acaba de confirmar a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT na disputa da presidência da República.
Thais Bilenky: No segundo turno, Bolsonaro apagou as luzes do Palácio da Alvorada às 10 e meia da noite e desligou o celular. Não quis ver ninguém, não reconheceu a derrota e, mudo, foi dormir. E mudo continuou nos dias seguintes. O silêncio foi gerando tensão. Caminhoneiros bolsonaristas fechavam estradas de norte a sul. Acampamentos em frente aos quartéis do Exército começaram a ser montados em várias cidades do país. Os manifestantes pediam que as Forças Armadas dessem um golpe de Estado para impedir Lula de tomar posse. A pressão sobre o Ministério da Defesa foi aumentando e dez dias depois da derrota de Bolsonaro finalmente veio o tal do relatório.
[CNN – Márcio Gomes]: É importante destacar: o documento não aponta qualquer fraude. Nenhuma fraude. Apenas dá dicas para melhorias na segurança.
Thais Bilenky: E eis que o relatório atestou a lisura das eleições. De um modo rocambolesco, disse que não era possível comprovar fraude nenhuma. Os manifestantes golpistas caíram matando: choravam, reclamavam que tomavam chuva na cabeça e nada, o golpe não vinha.
[O Globo – Bolsonaristas pedem ajuda a ‘general’ e sinalizam para supostos extraterrestres]: Olha nós general!
Thais Bilenky: O general Paulo Sérgio, ministro da Defesa, então, fez um dos lances mais surreais dessa trama: publicou uma nota no dia seguinte ao relatório para dizer nem que sim, nem que não, muito pelo contrário.
[SBT – Nathalia Fruet]: O documento diz que, embora não tenha apontado provas, o relatório feito pelos militares não exclui a possibilidade de fraude no processo eleitoral de 2022.
Thais Bilenky: Não excluiu, mas não encontrou fraude. A emenda saiu pior que o soneto.
[Carlos Albertos dos Santos Cruz]: Completamente anormal.
Thais Bilenky: Esse é o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz.
[Carlos Albertos dos Santos Cruz]: Não o relatório, a complementação dele. Aí, ele faz um relatório dizendo que não deu para comprovar que houve fraude.
Thais Bilenky: Ele me recebeu no seu apartamento em Brasília.
[Carlos Albertos dos Santos Cruz]: Mas você também não pode pegar e dois, três dias depois soltar uma nota dizendo: mas também não deu para não comprovar. Aí bagunçou tudo. Então foi medíocre essa situação.
Thais Bilenky: Santos Cruz foi ministro de Bolsonaro no começo do mandato, mas saiu rompido com o presidente por criticar o radicalismo. No Exército, Santos Cruz chegou ao topo da carreira e construiu boa reputação na tropa. Longe de ser um admirador de Alexandre, Santos Cruz fez uma breve pausa nas suas críticas ao Supremo para elogiar a sua gestão no TSE.
[Carlos Albertos dos Santos Cruz]: A eleição, para sair, tinha que ter pulso firme mesmo, porque o processo estava muito sabotado, né, então… tinha que ter mão forte ali.
Thais Bilenky: Para o Santos Cruz, Bolsonaro quis arrastar as Forças Armadas para a lama antidemocrática, e os militares se deixaram levar.
[Carlos Albertos dos Santos Cruz]: O Bolsonaro, ele tem algumas características, né. O despreparo é evidente e uma outra característica dele é a covardia. E ele começou a transferir a responsabilidade dele para as Forças Armadas. Por medo, isso é por covardia, por medo de assumir a responsabilidade.
Thais Bilenky: O senhor diria que os militares bolsonaristas temem o Alexandre?
[Carlos Albertos dos Santos Cruz]: Não, não vejo assim. Acho que ninguém teme.
Thais Bilenky: Respeitam?
[Carlos Albertos dos Santos Cruz]: Ah, você tem que respeitar, função, é funcional. Você pode até não gostar, a gente percebe pelas manifestações de Whatsapp, e de mídia social. Mas o respeito funcional não tem jeito.
Thais Bilenky: Sem conseguir dos militares o que queria, Bolsonaro voltou a apelar a Valdemar da Costa Neto. O presidente indicou um engenheiro que podia ser contratado pelo PL para fazer uma auditoria sobre a apuração dos votos. Já era final de novembro, e Bolsonaro continuava enclausurado no palácio.
O engenheiro montou um instituto chamado Voto Legal e concluiu um relatório em que alegava problemas com quase 60% das urnas do país. O problema só valia para o segundo turno. No primeiro turno, quando 99 deputados e 8 senadores do Partido Liberal foram eleitos pelas mesmíssimas urnas, não precisava recontar nada. Valdemar levou o documento a Bolsonaro, mas o presidente não quis assinar.
O advogado que defendeu a campanha de Bolsonaro no TSE, Tarcísio Vieira, também não quis assinar. O engenheiro que fez o relatório, nem ele quis assinar. Vários assessores de Valdemar, advogados, políticos, marqueteiros, muita gente aconselhou Valdemar a não comprar aquela briga. Mas os bolsonaristas não queriam nem saber, Valdemar que desse um jeito.
[Facebook Partido Liberal – Valdemar da Costa Neto]: Boa tarde a todos.
Thais Bilenky: Três semanas depois do segundo turno, Valdemar convocou a imprensa para um pronunciamento.
[Facebook Partido Liberal – Valdemar da Costa Neto]: Muitos de vocês devem estar se perguntando porque eu resolvi pedir um relatório sobre o processo eleitoral.
Thais Bilenky: No local e hora marcados, chegou e se sentou numa mesa de frente para os jornalistas.
[Facebook Partido Liberal – Valdemar da Costa Neto]: Lembrando que foi o próprio Tribunal Superior Eleitoral…
Thais Bilenky: Dezenas de deputados bolsonaristas de pé e sentados cercavam Valdemar, puseram seus celulares para transmitir ao vivo o pronunciamento. Era uma pressão escancarada. O presidente do PL assumiu o microfone quase que pedindo desculpas por estar ali. Foi dando voltas e voltas tentando se explicar.
[Facebook Partido Liberal – Valdemar da Costa Neto]: E eu confesso que fiquei surpreso. Repito. Esse relatório não expressa a opinião do Partido Liberal, mas é o resultado de estudos elaborados por especialistas graduados.
Thais Bilenky: Valdemar tem um advogado e fiel escudeiro que o defendeu em vários processos espinhosos ao longo da carreira. Marcelo Bessa. Era o cara. Bessa então entrou com uma petição no TSE para pedir a recontagem dos votos de 60% das urnas do segundo turno. Alexandre escreveu a resposta. Quem tava no gabinete diz que foi coisa de cinco minutos. Ele mandou o Partido Liberal incluir os votos do primeiro turno para poder começar a analisar o pedido. Deu 24 horas para Bessa remendar a ação.
No dia seguinte, Valdemar e o advogado voltaram ao mesmo bat local para falar com a imprensa. Capricharam ainda mais nas voltas que a língua dá para dizer que não, não iam questionar as urnas do primeiro turno, só as do segundo mesmo. A resposta veio poucas horas depois. Alexandre negou a recontagem dos votos pedida pelo PL. Isso era esperado, mas era só o começo.
Ele condenou a coligação a pagar uma multa por litigância de má-fé, bloqueou o fundo partidário do PL e ainda incluiu Valdemar no inquérito das milícias digitais, que ele relata no Supremo. O toque alexandrino veio no valor da multa: 22 milhões, 991 mil, 544 reais e sessenta centavos. Valor altíssimo. Ele podia ter arredondado para 23 milhões, mas não. 22 é o número de urna do PL. O número que os eleitores apertaram na urna tão questionada para votar em Bolsonaro.
Dada a sentença, Alexandre espalhou pelo zap mensagens a amigos realçando a coincidência. Valdemar não só pagou os mais de 22 milhões de reais de multa, como passou meses tentando acessar Alexandre nos bastidores. Mandava recado e soltava notas na imprensa reconhecendo exageros. Ele queria um encontro com Alexandre para dizer que sabia que tinha errado, queria pedir desculpas por ter dito, olhando nos olhos do ministro, que não contestaria o resultado da eleição. Mas Alexandre não o recebeu.
O inverno bolsonarista estava longe do fim. O governo estava no modo automático. Bolsonaro não saía do Palácio da Alvorada, não tirava a bermuda, não aparecia em público. A pedido de Lula, o TSE antecipou em uma semana a diplomação do petista. Mais uma cerimônia geralmente burocrática que em 2022 ganhou relevância e tensão.
[Lula]: O presidente do Tribunal Eleitoral, que teve uma coragem estupenda, que é um homem que teve um comportamento exemplar.
Thais Bilenky: Alexandre entregou em mãos ao presidente eleito o documento que o tornava apto a tomar posse em janeiro.
[Lula]: E não me importa se o Alexandre de Moraes é conservador, não importa se ele seja progressista, não importa se ele seja de direita, de centro, o que importa é que ele foi de muita coragem
Thais Bilenky: A diplomação era importante para passar mais segurança institucional ao novo governo, em meio a uma transição de poder boicotada pela gestão Bolsonaro. Mas nem todos se conformaram.
[MyNews – Vandalismo em Brasília | Manifestantes antidemocráticos promovem caos na capital]
[Poder 360 – Manifestantes de verde e amarelo depredam veículos em Brasília]
Thais Bilenky: De noite, vândalos incendiaram ônibus e carros e tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília. Era um aviso. Doze dias depois, em 24 de dezembro, véspera de Natal, a PM encontrou uma bomba em um caminhão de combustível a dois quilômetros do aeroporto de Brasília. Um dos suspeitos tinha participado do vandalismo na noite da diplomação e tinha passado pelo acampamento em frente ao quartel-general do Exército na capital.
Cada dia mais gente chegava àqueles acampamentos. Golpistas do país inteiro iam se reunindo, organizando vilas, formando comunidades. Dias, semanas, meses se passaram com bolsonaristas acampados. O governo chegava nas suas horas finais. Bolsonaro continuava recluso.
Ele trocou de número e de aparelho. Quem convivia com Bolsonaro tinha cada vez mais dificuldade de acesso. Eles diziam que era como se pairasse uma nuvem de paranoia em cima da cabeça do presidente. Bolsonaro dizia ter certeza de que estava sendo vigiado… Por Alexandre.
[Jovem Pan News – Lívia Zanolini]: Entramos ao vivo para trazer informações de momento pra vocês. Manifestantes acabam de invadir o Congresso Nacional em Brasília.
[Plantão da Globo – Poliana Abritta]: Apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro, com intenções golpistas, invadiram as sedes dos três poderes: Congresso Nacional, Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal. No Congresso, os terroristas usaram paus e pedra para quebrar vidros. Eles também depredaram o Palácio do Planalto. E o plenário do Supremo Tribunal Federal.
Thais Bilenky: No próximo episódio, eu te conto os bastidores da invasão das sedes dos Três Poderes. E conto como – e de onde no mundo — Alexandre ajudou a barrar o golpe.
Não. Ele não estava no Brasil.
Alexandre é um podcast original da Trovão Mídia e da revista Piauí. Eu sou Thais Bilenky e fiz a reportagem e o roteiro. Alexandre está disponível na sua plataforma de áudio preferida. Se você gostou, não deixa de seguir, dar 5 estrelas e comentar o episódio no Spotify. Assinar no Apple Podcasts. Favoritar na Deezer. Também dá para seguir a gente no Amazon Music, se inscrever no Google Podcast ou no Castbox e assim, você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.
A direção geral e o tratamento de roteiro são da Ana Bonomi e do José Orenstein. A produção executiva é da Ana Bonomi, do José Orenstein e da Mari Faria. Assistência de produção da Ana Azevedo. A trilha sonora original é do Arthur Decloedt. O desenho de som, a montagem e a finalização são da Phonocórtex. Checagem feita por João Felipe Carvalho. Gravado no estúdio Trampolim, em São Paulo.
Esse episódio usou áudios de canal de youtube de Jair Bolsonaro, CNN Brasil, TV Senado, Rede Globo, TV Cultura, Jornal da Gazeta, Uol, canal de youtube da Fundação FHC, BandNews FM, Folha de São Paulo, Terra Brasil, O Globo, SBT, facebook do Partido Liberal, O Antagonista, CBN, Poder 360, MyNews.