A simples existência de um chamado “especialista em regulação”, forma pela qual se identifica o autor da resposta publicada ontem (22/5/2013), é sintomática da grave situação em que a Agência se encontra.
“Especialista”, no caso, parece um anglicismo fora de lugar, sabendo-se que “specialist” é a patente dos novos recrutas do Exército dos Estados Unidos.
“Especialista em regulação”? Quais seriam as credencias necessárias para ocupar semelhante cargo? E suas atribuições, quais seriam? O “especialista” fará algo de importante para o cinema brasileiro que justifique seu salário mensal?
A julgar pela longa resposta do “especialista”, ele parece ser, na verdade, um assessor de imprensa disfarçado, revelando de saída não ter compreendido o post publicado segunda-feira (20/5/2013) ao qualificar de “ataque” o que é apenas o exercício legítimo do direito de crítica.
Faria bem à Ancine, aliás, se produtores e cineastas brasileiros se sentissem à vontade para manifestar abertamente suas opiniões sobre a Agência. Mas isso é considerado arriscado, podendo levar a retaliações, como comprova o “especialista” ao fazer ameaças mais ou menos veladas.
Trazer à baila, sem nenhum propósito, que fui, segundo ele, “beneficiado pela política pública […] ao receber recursos de renúncia fiscal” para a produção do documentário , e que por isso não poderia criticar as “políticas” relacionadas ao cinema, contém insinuação malévola e ameaça inaceitável.
Os patrocínios obtidos para o documentário sobre Paulo Moura foram recebidos através de editais públicos, não havendo nenhum benefício, no sentido de favor, graça, privilégio, vantagem etc., envolvido nesses contratos. Pretender, por outro lado, que atuar profissionalmente no País, respeitando as leis em vigor, impede alguém de fazer críticas revela um viés totalitário sem propósito.
Se o “especialista” relesse o post publicado segunda-feira (20/5/2013) com mais atenção, talvez conseguisse entender o que está escrito – não é posta em questão a existência em si da Ancine, mas sim seu “gigantismo”, sua “disfuncionalidade, morosidade e burocratização de sua atividade” que comprometem a contribuição que poderia dar ao cinema brasileiro.
Ao afirmar que “nossa classe cinematográfica” tem vocação para dar tiros no pé, “o especialista”, além de incoerente, deixa transparecer outra deformação grave que permeia muitos burocratas e gestores da política cinematográfica – a de considerar a classe cinematográfica como sendo o grande problema. Prefeririam continuar regulando sem serem incomodados por produtores e cineastas. Nem por isso abrem mão do apoio do “meio cinematográfico”, quando lhes convém, para preservar seus cargos.
Não é o caso de ensinar ao “especialista” em que consiste ser descapitalizado. Se ele acredita que um setor dependente de subsídios há quase 20 anos está capitalizado, não só está enganado como se desqualifica para tratar do assunto. Quanto ao Fundo Setorial do Audiovisual, embora contenha aspectos promissores, é cedo para afirmar quais serão seus efeitos econômicos, a médio prazo, para o cinema brasileiro.
A dificuldade de compreensão do “especialista” o leva até a criticar afirmações que não foram feitas, como a de que a Ancine seria ou deveria ser inimiga do mercado.
Ainda uma vez, o “especialista” revela estar além da sua capacidade de entendimento a anomalia que há, repetindo o que foi escrito no post de segunda-feira, entre pretender fomentar a atividade de produtores e empresas brasileiras e, ao mesmo tempo, regular o setor audiovisual como um todo, envolvendo os interesses muitas vezes antagônicos de distribuidores de filmes estrangeiros e emissoras de televisão. Se tentar assobiar e chupar cana ao mesmo tempo, o “especialista” talvez perceba qual é a dificuldade.
Finalmente, surge a dúvida se o caso do “especialista” é apenas de desconhecimento ou de cegueira auto-infligida. É notória a insatisfação generalizada do meio cinematográfico com a atuação da Ancine, o que não exclui o direito de alguns cineastas se manifestarem a favor do terceiro mandato do diretor-presidente. Se a Ancine não tivesse se tornado uma organização burocrática infensa a críticas, cuja principal função tem sido voltada para seu próprio crescimento, talvez fosse capaz de ouvir o clamor da insatisfação.
Para encerrar, uma dúvida. Sabendo que “especialista”/assessor de imprensa não tem voz própria, como entender a reação da Ancine ao post publicado segunda-feira (20/05/2013)? De um lado, uma resposta desarrazoada. De outro, um e-mail sereno e gentil do tridiretor-presidente, Manoel Rangel, anexo ao qual manda o texto completo da sua apresentação ao Senado Federal, feita em 24 de abril, para que eu possa ter “uma visão de conjunto” sobre o que ele pensa a respeito da Ancine e do setor. Gostaria de poder esperar que o diálogo construtivo proposto por ele, que deve incluir o direito à crítica, vai prevalecer.
Leia também
Ancine – Agência disfuncional (II)