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Arqueólogo brasileiro desfaz mitos da evolução no YouTube

Pai de Luzia, esqueleto mais antigo das Américas, Walter Neves narra a saga do Homo sapiens em vídeos

Bernardo Esteves | 12 mar 2018_09h51
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Arqueólogo, bioantropólogo, professor, escritor, curador – e, agora, youtuber. Aos 60 anos, Walter Neves acaba de ganhar mais um epíteto com a publicação de uma série de vídeos sobre a evolução humana produzidos pelo Canal USP. Em quatro décadas de carreira, Neves se especializou no estudo do povoamento das Américas – foi ele quem analisou Luzia, o mais antigo esqueleto humano do continente. Em novembro de 2017, ele se aposentou pelo Instituto de Biociências da USP, onde era professor desde 1992.

Agora que não está mais às voltas com as burocracias da vida acadêmica, Neves pretende dedicar mais tempo para falar sobre evolução humana com o público leigo, conforme me disse no ano passado, quando estive com ele em várias ocasiões para escrever seu perfil – “O evolucionista”, publicado em novembro pela piauí e agora disponível na íntegra para todos os leitores.

A série gravada para a USP sobre evolução humana é o primeiro fruto da nova etapa da carreira de Neves. Concluída no início do mês, ela inclui doze vídeos com duração média de 12 minutos, gravados no Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH), que ele criou e comandou até se aposentar. O pesquisador se dirige ao público em tom professoral, manuseando crânios do Homo sapiens e de seus parentes vivos e extintos – há muitos outros espalhados por todo o laboratório.

“A grande pergunta que as pessoas fazem é se nós viemos dos macacos”, afirma Neves no primeiro vídeo. “Essa pergunta é inadequada. Nós somos grandes macacos”, continua o pesquisador, que dedica os vídeos seguintes a esmiuçar nossos laços de parentesco com outros primatas. No percurso, ele tenta desmontar alguns mitos bastante difundidos entre o público, como a ideia de uma evolução linear, cristalizada na imagem – figurinha fácil em camisetas e memes – do macaco quadrúpede que começa a se apoiar sobre dois pés até chegar ao Homo sapiens. “Tenho horror a essa imagem”, disse o bioantropólogo.

No vídeo final, Neves mete a mão num vespeiro que costuma evitar ao abordar os grupos religiosos que contestam a evolução das espécies por seleção natural. Ele acredita que os cientistas não deveriam polemizar com os criacionistas, mas defende que as pessoas se informem antes de tomar partido. “Do ponto de vista científico, não precisamos de Deus para explicar a origem e a evolução da nossa linhagem, mas isso é muito pouco apresentado ao público brasileiro”, afirmou. Neves lamenta a escassez de museus de história natural no país e a qualidade do ensino da matéria, que ele considera catastrófico. “Mais que polemizar, a academia e o Estado devem colocar à disposição das pessoas os conhecimentos sobre evolução humana.”

Neves deve continuar seu “trabalho de caixeiro-viajante”, como define suas andanças pelo Brasil, fazendo palestras sobre evolução humana. Falando pelo telefone de sua casa, em São Paulo, ele me disse dias atrás que tem ido à USP uma vez por semana e anda “tão ocupado quanto antes”. Contou ainda que saiu o resultado do concurso para a escolha de seu sucessor na universidade – a selecionada foi uma ex-aluna sua, Mercedes Okumura. Seus planos para 2018 incluem uma visita ao geneticista italiano Luigi Cavalli-Sforza, um de seus ídolos intelectuais, hoje com 96 anos; uma expedição arqueológica no Moçambique; e articulações para a montagem de uma galeria da evolução humana na USP e para a criação de um museu de história natural em São Paulo. “Tem bastante coisa para eu me divertir”, afirmou.

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No perfil de Walter Neves publicado em novembro de 2017, acompanhei a gravação dos dois primeiros vídeos da série sobre evolução humana. Leia abaixo o trecho que relata a sessão e discute o envolvimento do pesquisador com a divulgação científica ou confira a reportagem na íntegra.

[Walter Neves] planeja dedicar-se às atividades de divulgação científica, que sempre ocuparam espaço importante em sua carreira. Ele costuma lidar bem com repórteres e, desde que morava em Belém, gosta de escrever para o grande público. À época, assinava uma coluna sobre evolução no jornal O Liberal. Neves encara esse tipo de ação como um exercício de cidadania. “Se as pessoas soubessem o quanto custou para nossa espécie chegar a tamanha diversidade, se entendessem a complexidade do processo evolutivo, seriam mais tolerantes umas com as outras.”

Autor de livros para leigos – como O Povo de Luzia, que escreveu com Luís Beethoven Piló –, o cientista já fez curadoria de exposições em museus. É dele a concepção da mostra sobre evolução humana no Espaço Catavento, em São Paulo. “Às vezes, a visito só para observar a reação do público”, confidenciou.

Faltava-lhe discorrer mais sobre ciência no meio audiovisual. A lacuna começou a ser preenchida neste ano, quando o pesquisador passou a estrelar vídeos curtos para o Canal USP. Disponíveis também na internet, são produzidos no LEEH, frequentemente com o professor sentado e de crânio na mão.

Numa quarta-feira de agosto, o cientista gravou duas aulas de quinze minutos. Parecia nervoso de início, mas ficou à vontade assim que ligaram a câmera. A segunda aula, que discutia as semelhanças entre humanos e chimpanzés, saiu num só take. “Você é demais!”, elogiou a diretora Mônica Teixeira, ao constatar que o professor falara por quinze minutos cravados. Neves deu uma risada e disparou: “Estamos com o cu calibrado!”

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