O movimento deixa claro, em sua carta aberta ao governador do Estado, ao prefeito do Rio e aos seus respectivos secretários de Cultura, não ser “contra a Riofilme ou contra qualquer pessoa ligada à instituição.” Apenas exerce, desde 2010, o legítimo direito de crítica, manifestando de forma aberta sua “constante e crescente insatisfação com a atual gestão da Riofilme”.
O ônus do gestor público, quer seja da Riofilme ou da Ancine, é ser criticado, o que não deveria ser motivo de comoção, muito menos provocar reações estapafúrdias. O que tem havido, porém, vai desde um alerta atemorizador, invocando a lembrança do fim traumático da Embrafilme, até declarações de apoio à Riofilme, como se o sentimento expresso pelo não devesse ser levado em consideração.
Defensores da Riofilme alegam que, ao contrário do que afirmam ocorrer no passado, hoje os investimentos são definidos com base no “mérito dos projetos […], tanto para projetos comerciais quanto para aqueles mais autorais”. Não mencionam, porém, quais critérios são usados para definir o maior ou menor mérito de um projeto. Acatam de forma implícita, dessa maneira, ou que as decisões sejam tomadas por comissões, mecanismo notoriamente ineficaz, ou sejam baseadas nos resultados de bilheteria dos filmes do proponente, privilegiando produções baseadas em fórmulas de sucesso.
Decisões tomadas por comissões formadas apenas para esse fim não levam quem decide a assumir a responsabilidade por sua decisão. Nesse sentido, são opções irresponsáveis pelas quais ninguém responde, assim como ocorre com os chamados mecanismos automáticos de captação de recursos.
É possível que fora do período da campanha presidencial esse debate pudesse ser mais produtivo, embora seja notória, por responsabilidade das duas partes, a falta de interlocução produtiva entre gestores públicos e as diversas categorias profissionais do setor audiovisual.
Embora esteja se dirigindo aos gestores estaduais, o parte de uma avaliação precisa do resultado da atuação da Ancine nos últimos anos: “o modelo vigente, focado em alavancar uma indústria audiovisual competitiva, não tem dado conta de aumentar a presença de filmes brasileiros nas salas de exibição. Vendemos cada vez mais ingressos, mas o cinema estrangeiro também. Seguimos ocupando em torno de 15% do mercado. Continuamos, portanto, com uma participação minoritária, não apenas nos números, mas também no imaginário do espectador brasileiro: os filmes nacionais que conquistam espaço no mercado, na maior parte das vezes, precisam obedecer a determinadas fórmulas de gênero.”
Feita essa análise correta da conjuntura, o Rio: mais cinema, menos cenário não consegue ir além, mantendo-se no campo de generalidades que surpreendem ao serem feitas três décadas depois do fim da ditadura. Quem será contra “uma política cultural democrática, transparente e atenta à diversidade”? O movimento parece ter dificuldade em tratar de questões concretas, formular um programa de ação objetivo e apresentar propostas substantivas sem cair na demagogia, em nome da democracia.
O tom prepotente e paroquial da longa carta aberta do Rio: mais cinema, menos cenário insiste em dizer o que as autoridades “devem” fazer, o que talvez explique a aparente dificuldade de ser reconhecido como interlocutor legítimo para a formulação da política do setor audiovisual.
Todos desejam, ao menos em tese, “o encontro dos diversos cinemas brasileiros com o público”. Ao Rio: mais cinema, menos cenário parece escapar, porém, o fato desse “encontro” não depender de “participação popular” na definição das políticas públicas, nem de “desconcentrar recursos”, muito menos de maior “diversidade”.
Ao endossar o economicismo dominante na atuação da Riofilme e da Ancine, para júbilo de distribuidores, exibidores e grande empresas produtoras, a carta aberta do Rio: mais cinema, menos cenário expõe a inconsistência da sua posição. O movimento se mostra incapaz de romper com essa perspectiva quantitativa quando considera “inegável que o audiovisual brasileiro passa por um momento pujante” pelo fato do “número de produções, dinheiro investido, ingressos vendidos, participação no PIB, todos esses indicadores têm crescido e apontam um cenário com enorme potencial. Já somos um setor de 19 bilhões de reais” – perspectiva quantitativa que despreza a busca da qualidade, por estar amplamente comprovado que o aumento geométrico dos recursos investidos no setor não levou à consolidação de uma atividade produtiva autossustentável em condições efetivas de competir no mercado em igualdade de condições com a produção estrangeira.
Ao concentrar suas críticas na atuação da Riofilme, o Rio: mais cinema, menos cenário erra o alvo das suas reivindicações, ao deixar de lado quem determina a política cinematográfica do País, no caso a Ancine. A relação de “pautas essenciais” que encerra a carta aberta do movimento não passa, em sua maioria, de medidas paliativas que na melhor hipótese apenas prolongará a agonia do cinema.
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