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    As duas Irenes: mesmo nome, mesma idade, mesmo pai. Depois de se conhecerem, as meias-irmãs desestabilizam o acordo familiar que as mantivera ignorantes e afastadas uma da outra FOTO: DIVULGAÇÃO

questões cinematográficas

As Duas Irenes – simplicidade cativante

Em seu primeiro longa, Fabio Meira desafia a tendência dominante do cinema e mostra o potencial criativo do audiovisual brasileiro

Eduardo Escorel | 29 set 2017_10h46
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Cativante por sua simplicidade e apurada realização, As Duas Irenes marca a estreia de Fabio Meira como diretor de longa-metragem. Além da direção, o roteiro, também de Meira, forma um conjunto encantador, bem harmonizado com os demais segmentos da produção – as jovens atrizes estreantes nos dois papéis principais (Priscila Bittencourt e Isabela Torres), a fotografia, locações, direção de arte, figurinos etc. Entende-se, pois, porque As Duas Irenes tenha recebido quatro prêmios no Festival de Gramado deste ano, entre eles o de melhor filme do júri da crítica, dado pela Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.

Meira desafia a tendência dominante do cinema, segundo a qual situações dramáticas evoluem até atingir um clímax. No caso de As Duas Irenes, não é bem isso que ocorre. Explicitada com grande habilidade nos minutos iniciais, o desenvolvimento da premissa do enredo ameaça, mas não chega a eclodir e instaurar uma crise declarada. E o final não é conclusivo, ficando no ar variadas possibilidades que ainda poderão ocorrer.

Acompanhamos os desdobramentos da descoberta feita por Irene de que seu pai tem outra família, e ela uma meia-irmã com o mesmo nome e idade, mas as emoções decorrentes dessas revelações são contidas, sendo difícil saber se “tudo virá abaixo” caso conte o que sabe, conforme prevê.

O mais provável é que os personagens adultos, embora soubessem de tudo, nada diziam a respeito. São as duas meias-irmãs que, depois de se conhecerem e ficarem amigas, tomam a iniciativa de romper o pacto de silêncio do pai e das mães, desconsideram a convenção estabelecida e desestabilizam o acordo familiar que as mantivera ignorantes e afastadas uma da outra.

As Duas Irenes não trata, porém, apenas da revelação de um segredo familiar, mesmo se esse é, de fato, seu principal fio narrativo. O filme aborda também a iniciação de duas adolescentes, tema mais comumente explorado da ótica masculina. Nesse aspecto, Meira traz uma perspectiva nova. Completam o enredo as emoções do primeiro beijo e namoro, a visão de meninos tomando banho de rio pelados etc.

Em uma de suas entrevistas, Meira destaca o fato de os personagens falarem pouco, deixando o espectador sem saber ao certo o que pensam e como lidam com o fato de o pai ter duas famílias. A história, diz Meira, é contada em “tom menor” e o “espaço das ausências” – o que não é dito – “permite que o espectador coloque algo de si ali dentro” (entrevista completa disponível aqui).

Em outra entrevista, Meira elabora a questão central que define As Duas Irenes. O filme não explora “os conflitos ao máximo. Há uma camada subterrânea muito forte, exatamente porque não sabemos o que está se passando na cabeça dele [do pai]. É um universo interior muito forte. Uma das Irenes também fala pouco durante o filme, às vezes nem chega a responder às perguntas. Mas a cabeça dela está fervilhando, a gente vê na expressão da Priscila (Bittencourt) que algo está acontecendo. Isso ocorre também com o pai. Somos capazes de sentir aquele homem. Eu não queria, em momento algum, que aquilo fosse estereotipado. Não queria um ator que passasse uma coisa cafajeste, que ele fosse facilmente julgado pelo espectador. Queria um pai doce, que fugisse do óbvio. Queria que o público pudesse questionar porque ele tem duas mulheres. Quem são elas? Que sociedade é essa? Por que que a menina questiona essa sociedade? São perguntas que eu quis fazer.” (Entrevista completa disponível aqui).

Realizado ao longo de oito anos, com orçamento baixo, As Duas Irenes é uma demonstração de talento e do potencial criativo existente no cinema brasileiro.

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