Era véspera da eleição para presidente do PSDB, quarta-feira, 29 de novembro. À noite, em um restaurante de Brasília, encontraram-se o então ocupante do cargo, o governador gaúcho Eduardo Leite, e seu futuro sucessor, o experiente ex-governador goiano Marconi Perillo. Discutiam a troca de bastão e os rumos do partido para as eleições do ano que vem. Mais do que tudo, Perillo, 60 anos, queria dizer a Leite, 38, aquilo que já havia dito em público: para o PSDB, o único caminho para sobreviver a médio prazo é investir numa candidatura presidencial própria em 2026, tendo o jovem gaúcho como cabeça de chapa.
Na mesma noite, em outro canto da cidade, reuniam-se o principal articulador aliado a Perillo, Aécio Neves, com seu colega de Câmara dos Deputados e conterrâneo Paulo Abi-Ackel. Depois de quase dois meses articulando, os mineiros estavam tranquilos. Assistiram juntos à vitória do Atlético Mineiro sobre o Flamengo (3 a 0, no Maracanã). Abi-Ackel celebrava que, com esse resultado, seu time ainda tinha chances de disputar o título brasileiro. Aécio, cruzeirense, calculava como poderia escapar do rebaixamento.
O desfecho da eleição já estava selado. Os cargos da Executiva Nacional, porém, foram motivo de discussões até a manhã de quinta-feira (30). Num encontro austero, em que se serviu apenas café e água, na sede do diretório nacional em Brasília, dez tucanos graúdos se juntaram para fazer contas e, com isso, tentar contemplar os interesses dos três governadores da legenda, dos dois senadores, dos catorze deputados federais e dos integrantes da velha guarda que, uns mais, outros menos, ainda têm influência no partido.
Dali, todos partiram juntos para a convenção nacional do PSDB, realizada no auditório de um hotel brasiliense. Aécio, que participou da conversa, saiu satisfeito. Conseguiu manter Abi-Ackel na secretaria-geral do partido e negociou para si mesmo a presidência do Instituto Teotônio Vilela, o braço de formação política do PSDB, visado porque recebe uma parcela vultosa do fundo partidário. A eleição para o ITV só aconteceu, de fato, na semana seguinte, sem surpresas: Aécio recebeu 100% dos 23 votos do conselho da entidade.
Fazer contas é algo em que o ex-presidenciável se especializou. Articulador político de outros carnavais, ele deu um importante passo para manter o controle do partido em que milita há 34 anos e que, embora hoje seja nanico, pode ser de grande serventia para seus planos futuros.
Eduardo Leite assumiu o PSDB no começo do ano, com apoio de Aécio. Foi a opção que restou naquele momento, já que o tucanato vivia uma debandada: Geraldo Alckmin saiu para o PSB, Doria se desfiliou, assim como Arthur Virgílio, e Bruno Araújo trocou a vida pública pela iniciativa privada. O governador gaúcho, no entanto, acumulou desgastes na função. Tucanos na Câmara e no Senado reclamavam de sua falta de tato político; os mais diplomáticos diziam que lhe faltava tempo para dedicar ao partido, já que o Rio Grande do Sul exigia muita atenção. Frequentemente, Leite escalava seus auxiliares mais próximos para cuidar de assuntos relacionados à vida partidária. Um deles, em conversa com a piauí, reconheceu que o governador “estava sem apetite para fazer essa tecitura” política.
Quando, em setembro, uma juíza anulou todos os atos que conduziram Leite à presidência do PSDB, obrigando o partido a convocar uma nova eleição, uniu-se o útil ao agradável. O governador anunciou que não tentaria buscar a reeleição, e abriu-se uma disputa interna.
Leite sugeriu logo de cara que seu sucessor fosse Tasso Jereissati, ex-senador e ex-governador cearense, ou Reinaldo Azambuja, ex-governador de Mato Grosso do Sul. Aécio, no entanto, agiu prontamente para barrar os dois nomes. Nem Tasso nem Azambuja são de seu grupo político mais próximo. Em vez deles, o deputado mineiro pôs quatro nomes na roda: o ex-senador José Aníbal (SP), os deputados Beto Richa (PR) e Adolfo Viana (BA), e o ex-governador Marconi Perillo. Um aliado de Leite, que pediu para não ter seu nome identificado, lamenta: “O Aécio quis confundir o ambiente e evitar que o partido ficasse nas mãos do mesmo grupo. E conseguiu.”
Aécio foi duas vezes governador de Minas (2003-2010), depois senador (2011-2018). Candidatou-se a presidente, perdeu para Dilma por três pontos percentuais e, inconformado, insinuou que poderia ter havido fraude nas urnas. Em seguida, saiu de cena, fustigado pelas investigações da Operação Lava Jato. O então senador foi grampeado pedindo um empréstimo de 2 milhões de reais para Joesley Batista, dono do frigorífico JBS. Sua irmã, Andrea Neves, chegou a ser presa, acusada de operar propinas para o irmão.
O PSDB submergiu com Aécio. A bancada do partido, em 2018, encolheu pela metade. Temendo não ter chances caso disputasse o Senado, o ex-presidenciável se lançou candidato a deputado federal e foi eleito com mais de 100 mil votos. O PSDB, àquela altura, estava nas mãos de João Doria, governador de São Paulo, que fez de tudo para expulsar Aécio do partido e limpar a mácula da Lava Jato. Não conseguiu. O mineiro permaneceu, assistiu à derrocada de Doria e se reelegeu deputado, embora com muito menos votos.
Agora, Aécio tenta se apoderar de um partido em destroços para, com isso, assegurar seu futuro político. Quer garantir o apoio dos tucanos à sua candidatura ao governo de Minas Gerais, em 2026. “O Aécio tem recebido um chamado de boa parte dos prefeitos e deve seguir essa convocação. Ele tem trabalhado para isso”, diz Abi-Ackel, o deputado atleticano, que além de secretário-geral do partido é presidente do diretório mineiro.
Aécio, quando ouve falar no assunto, responde de forma cifrada. “O meu papel tem sido o de ajudar o partido. Não pretendo assumir absolutamente nada.” Em agosto, durante um evento do PSDB em Brasília, o deputado apareceu com um look novo: exibia uma barba cerrada, meio grisalha. Foi mais tietado do que Leite e todos os outros tucanos juntos.
Um dos nomes que foram cotados para a presidência, Reinaldo Azambuja também estava no encontro à base de café e água, na semana passada. Acabou ficando com a tesouraria dos tucanos. Ele é próximo a Leite, mas também tem o respeito de Aécio. O ex-governador de Mato Grosso do Sul foi um dos que defenderam o mineiro contra a ofensiva de Doria. “Quem tem que julgar é a Justiça, não o partido. Foi o que sempre defendi”, diz Azambuja.
Assim como Aécio, ele foi denunciado no escândalo da JBS, acusado de receber propina dos irmãos Wesley e Joesley Batista. Em julho deste ano, Aécio foi absolvido das acusações pelo TRF-3. No mês seguinte, o STJ arquivou a denúncia contra Azambuja.
O lobby pela indicação de Marconi Perillo para a presidência do PSDB, no entanto, foi mais forte. Ele próprio entrou de cabeça na disputa. Ex-governador de Goiás por quatro mandatos e derrotado na última eleição para o Senado, Perillo precisava de uma mola no fundo do poço para se reerguer. Ao menos até 2025, seguirá no comando do PSDB. Seu principal desafio será, no ano que vem, conter a sangria tucana: o partido, que em 2020 elegeu mais de 500 prefeitos, hoje tem cerca de 340. Em São Paulo, onde perdeu o governo do estado, o PSDB tem somente 40 prefeitos. Dois anos atrás, tinha o quíntuplo.
Se tudo correr conforme acordado na véspera da convenção, Perillo deixará o cargo antes da eleição de 2026, passando o bastão de volta para Leite, que quer ter o controle do partido para se lançar candidato à Presidência da República. “O Eduardo deixou o partido um pouco largado. O Marconi chega para oxigenar”, opina o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), um dos maiores críticos à gestão de Leite. Carne e unha com o bolsonarismo, Izalci vem sendo cortejado pelo PL e pretende se lançar candidato ao governo do DF.
Na convenção que marcou sua despedida do cargo, Eduardo Leite contemporizou, como costuma fazer. “Para sermos um só Brasil como desejamos, precisamos arbitrar as nossas diferenças internas e as nossas posições diferentes e divergentes dentro do nosso partido.” Elogiou seu sucessor, destacando que Perillo “tem capacidade política de articulação”.
O governador gaúcho, repetindo o que tem feito em discursos Brasil afora, citou o PT como um exemplo de perseverança. “Nos últimos anos, alguns diziam que o PT havia acabado. E o PT agora está de volta ao poder”, afirmou, emendando: “O PSDB quer se manter vivo com o seu DNA, com a sua forma de pensar política para gestão pública para que, no momento que a população começar a notar que essa polarização fratricida não está levando a lugar nenhum, ela tenha alternativa de um partido que é distante desses polos.”
A convenção foi repleta de referências ao passado, era de glórias tucanas. “A nossa história é o nosso passaporte para o nosso futuro”, disse Aécio. O contraste com a atual situação do partido torna essas comparações melancólicas. O mestre de cerimônias Carlos Rudiney, que apresentou o evento em Brasília, deixou transparecer a tristeza. “Das dezesseis convenções do PSDB, essa é a décima segunda da qual eu participo. Sei que já lotamos ginásios. Vamos lutar para voltar a ser grande”, afirmou. No auditório, cabiam cerca de trezentas pessoas. Nos anos 1990, seria impraticável organizar um evento ali: só de deputados federais, o partido tinha cem. No Senado, chegou a ter uma bancada de catorze tucanos.
Perillo sabe que não adianta nada se respaldar no passado. “Vamos buscar jovens para o partido, transformá-lo em digital”, prometeu. Sua meta, ele disse, é aumentar as bancadas no Congresso. Difícil é achar deputados e senadores interessados em migrar para o PSDB.
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