“Temos em nós quatro vidas sucessivas: cada uma contida dentro da outra. O homem é um mineral, por que é formado de sal, água e matéria orgânica. O homem é um vegetal, por que como as plantas se nutre, respira e se reproduz. É um animal, enquanto dotado de consciência do mundo externo, de imaginação e de memória. Enfim, é um ser racional por que tem vontade e razão. Temos em nós quatro vidas distintas e então devemos nos conhecer quatro vezes.”
Outro tento incomum é conseguir traduzir essa noção em imagens sóbrias e se diferenciar marcadamente de uma reportagem, sendo filmada em planos predominantemente fixos e gerais, sem deixar de recorrer a ocasionais closes e panorâmicas. Articulando encenações, sequências documentais de observação e ações refeitas para serem filmadas, transita de forma harmoniosa entre esses diferentes gêneros.
Embora dure apenas 88’, Frammartino só revela aos poucos qual é o tema do filme. A partir da morte do pastor, seguida do nascimento de uma cabra e da passagem das estações é que o propósito de vai sendo esclarecido.
A longa e minuciosa sequência dedicada ao pastoreio tem características de registro etnográfico exemplar. Com falas esparsas, e sem narração, legendas ou música, tem apenas um personagem coletivo – os habitantes do vilarejo –, com exceção do pastor, de um cabrito e um pequeno cachorro capaz de estripulias insuspeitadas.
Em dois momentos de , a câmera é fechada em espaços sem saída. No primeiro, o caixão do pastor é colocado no túmulo, sendo visto de dentro. A lateral da sepultura é tapada e a imagem fica totalmente preta. O mesmo ocorre quando se completa a construção do forno onde será feito o carvão. A lateral vai sendo tapada de terra e a câmera fica no interior, escuro, que se tornará ardente. Frammartino estará querendo indicar dessa maneira que o registro documental tem limites, restrições, que o deixam sempre aquém do que a realidade oferece? Estará indicando qual é o fim inexorável do ciclo vital? Será isso?
Num raro momento tragicômico – difícil de entender como pôde ser filmado com a precisão e sutileza de sugerir o que vai ocorrer, mas deixando que ocorra fora de quadro –, um cachorro primeiro intimida um menino, depois tira o calço de um pequeno caminhão que rola ladeira abaixo até se espatifar num curral à beira do caminho. É um instante em que o cinema volta a revelar todo seu encanto.