Por volta de 1900, figuravam entre as maiores celebridades da Paris do início do século XX o nosso Santos Dumont, a grande atriz Sarah Bernhardt, e, naturalmente, o então presidente da França. Mais surpreendente era a presença entre as pessoas de maior fama de uma espanhola de origem paupérrima, violentada aos 11 anos de idade, chamada Caroline Otero. Por força de uma vontade indomável, a menina tornou-se a mais celebre cortesã de seu tempo, conhecida por todos como “La Belle Otero” (a Bela Otero).
Caroline Otero mantinha oficialmente uma carreira de dançarina, aplaudida em números solo nos grandes palcos de Paris, mas sua imensa fama vinha sobretudo de seus inúmeros e riquíssimos amantes. Entre eles, as cabeças coroadas europeias mais poderosas de seu tempo: o príncipe de Gales, futuro rei da Inglaterra; o czar da Rússia, Nicolau II; o rei dos Belgas, Leopoldo II e vários outros príncipes e duques de menor expressão. Os rumores diziam que Otero levara vários milionários à falência pedindo-lhes no ápice da paixão joias e presentes cada vez mais caros. Constava que alguns de seus amantes arruinados teriam inclusive se suicidado, o que contribuía para a aura de enxofre e fascínio que envolvia a misteriosa espanhola.
O que fazia com que a bela Otero tivesse tal poder de sedução? Seu físico, não há dúvida, era atraente. Um rosto redondo, olhos negros penetrantes, uma cabeleira ondulada e farta e um corpo voluptuoso, dividido ao meio pelo que se chamava na época de “cintura de vespa”. Mas seu sucesso ultrapassara de longe os sonhos mais loucos de qualquer moça pobre levada à prostituição de luxo por duras circunstâncias. Talvez nenhuma outra cortesã tenha tido um sucesso tão estrondoso e acumulado tanta riqueza de tantos amantes notáveis quanto Otero amealhou em seu tempo.Reproduzida nessa página figura uma foto num cartão postal assinada pela dançarina no auge de sua fama, no tipo de pose mais sensual que a época permitia. Esses cartões eram vendidos aos milhares aos turistas de passagem, para os quais a bela Otero representava Paris quase tanto quanto a torre Eiffel. Riquíssima, Otero preparou sua velhice, mas provavelmente não esperava viver até os 96 anos, como ocorreu. As guerras, a inflação e investimentos infelizes fizeram com que terminasse arruinada. Seu fim de vida foi melancólico, morando num pequeno quarto na cidade de Nice, no sul da França. Lá foi encontrada em 1959 pela revista Paris Match, que a fotografou com mais de 90 anos, cercada das lembranças de seu passado glorioso no minúsculo espaço que agora ocupava, à espera da morte, (que tardaria mais cinco anos). Ainda bem lúcida, aceitou posar para a reportagem e assinou para o jornalista uma das fotos tiradas nessa ocasião.Apesar de popularíssima, Otero mal sabia escrever e provavelmente só aprendera a assinar seu nome. Por isso, seus autógrafos são raros e, no caso dessa imagem pouco anterior à morte, praticamente únicos. Sua história, hoje pouco lembrada, era constantemente evocada na segunda metade do século XX como exemplo de ascensão fulminante seguida de final miserável.
O certo é que a trajetória de Otero foi uma história de superação quase inimaginável e de uma vida plena, que lhe trouxe inclusive a oportunidade de uma demorada reflexão final sobre os altos e baixos de seu destino ímpar.