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Assassinato no supermercado

Inépcia e inoperância do governo federal desautorizam expectativas favoráveis em qualquer frente - inclusive no audiovisual

Eduardo Escorel | 25 nov 2020_09h58
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Quinta-feira à noite, véspera do Dia da Consciência Negra, João Alberto Silveira Freitas foi assassinado por dois seguranças em um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre. O registro da violência vem sendo exibido pela GloboNews desde o dia seguinte. Repetida à exaustão, a brutalidade que levou João Alberto à morte foi transformada em espetáculo sensacionalista degradante, desrespeitoso com relação à vítima. Entre denunciar a agressão racista e abastecer espectadores com porções de sadismo a diferença é imensa.

A semana, que começara com informações preocupantes sobre a pandemia no país, sem falar na gravidade crescente da situação nos Estados Unidos e na Europa, chegou ao fim com manifestações de protesto contra o crime, em algumas cidades do Brasil. Entre os artigos e depoimentos a respeito que pude ler, destaco trechos do que a colunista Flavia Oliveira publicou no Globo (21/11):

“…não cabe celebração num ano talhado para ser de luto e luta… Beto tornou-se mais uma vítima do racismo estrutural, que sufoca e mata brasileiros ano após ano… A morte de João Alberto, 40 anos, não foi episódica, caso isolado, infortúnio. O homicídio de pessoas negras é parte da paisagem brasileira… Não foi por acaso que o companheiro de Milena Borges Alves morreu pelas mãos de dois seguranças contratados por uma empresa terceirizada, um deles policial militar temporário. São eles, todos, homens treinados para abordar, render, imobilizar, deter, agredir, torturar, matar homens negros, tidos desde meninos como elementos suspeitos.

O governo brasileiro se manifestou sobre a barbárie em dois momentos… O governo que Mourão [vice-presidente da República Hamilton Mourão] representa se caracteriza pela negação da ciência, pela desqualificação de pensadores, por desmentir a História. O governo que nega o desmatamento da Amazônia e a pandemia da Covid-19, que desacredita as vacinas, que pratica xenofobia, que finge não enxergar vinte dias de apagão no Amapá, que sequer aceita a derrota nas urnas do governante aliado nos Estados Unidos, não haveria de admitir o racismo brasileiro… São negros os corpos que tombam nos supermercados Carrefour. São negras as vítimas de homicídios nos morros e nas periferias, são negras a maioria dos encarcerados, boa parte sem julgamento. Este 20 de novembro escancarou quem são as pessoas comprometidas com o antirracismo no Brasil. E também o silêncio dos omissos e a negação dos hipócritas, deixando ainda mais nítido com quem marcharemos.”

Artistas pintam inscrição ‘#Vidas Pretas Importam’ na avenida Paulista, após o assassinato de João Alberto Silveira Freitas em Porto Alegre – Foto: Bruno Santos/ Folhapress

 

A ira santa de Flavia Oliveira, comentarista também da GloboNews, chama atenção para a cegueira e passividade coletivas que acometem setor amplo da sociedade brasileira, incapaz de admitir a existência de racismo estrutural, assim como de extinguir essa chaga secular, do mesmo modo que vem se mostrando irresponsável diante da pandemia ao não adotar de forma correta os protocolos recomendados para minorar, ao menos, o contágio que poderá se agravar mais nos próximos meses.

Dados atualizados sábado de manhã (21/11) indicavam mais de 168 mil mortes no Brasil (na noite do mesmo dia já passavam de 169 mil), sendo 521 em 24 horas, e tendência de alta dos óbitos por Covid-19, com variação de mais 60% da média móvel de mortes quando comparada à média dos catorze dias anteriores – a maior tendência de alta registrada desde 23 de maio. Novos diagnósticos de Covid-19 chegaram, por sua vez, a 29.415 por dia, variação de mais 74% em relação às duas semanas anteriores, elevando o total de casos no país a mais de 6 milhões. Doze estados apresentavam alta na média móvel de mortes, enquanto outros oito e o DF estavam estáveis e seis em queda.

Enquanto isso, em declarações feitas através de uma rede social na noite de sexta-feira (20/11), você sabe quem deixou claro mais uma vez que, além de negacionista, omisso, primário, ignorante e malcriado, ele é dado a invencionices – não mencionou o assassinato de João Alberto, ocorrido na véspera; disse um truísmo: “o país está longe de ser perfeito, tem vários problemas que vão além das questões raciais”; afirmou que “todos têm a mesma cor”; acusou ainda “aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos” de atentarem “não somente contra a nação, mas contra nossa própria história. Quem prega isso, está no lugar errado. Seu lugar é no lixo!”. (G1, 21/11).

 

O ídolo e modelo a quem o presidente do Brasil tenta mimetizar não foi reeleito nos Estados Unidos. Assim, americanas e americanos têm no horizonte próximo perspectiva de mudança na Presidência, a partir da posse de Joe Biden, em 20 de janeiro, embora Donald Trump não dê sinais de que pretenda abandonar a cena política, almejando manter controle do Partido Republicano. Menos afortunados, brasileiras e brasileiros ainda têm dois anos pela frente de mandato do atual morador provisório do Palácio da Alvorada. Isso, supondo que ele não seja reeleito em 2022. E até lá? Como ficamos?

A ausência de liderança e coordenação, somada à inépcia e inoperância do governo federal não autorizam expectativas favoráveis. Sem termos reduzido a chamada primeira onda da pandemia a um nível baixo, é possível já estar em curso o início da segunda onda, partindo de um patamar elevado de mortes e casos diagnosticados. Por enquanto, sem que tenham sido tomadas medidas efetivas para conter o aumento. Em outras frentes – econômica, política, do meio ambiente etc. – o quadro é igualmente desolador. Inclusive, no que se refere às questões cinematográficas.

Até o momento, passados mais de três meses desde que a Secretaria Especial da Cultura recebeu a chave da sede e assumiu a responsabilidade direta pela Cinemateca Brasileira, a instituição permanece fechada sem ter sido alterado o risco a que seu acervo está exposto.

De joelhos diante do Tribunal de Contas da União (TCU), a Agência Nacional de Cinema (Ancine) receberá a recomendação de não continuar condicionando “a liberação de recursos federais destinados ao audiovisual à análise do passivo de projetos com prestação de contas pendente na agência sob a sistemática do Ancine+Simples”, conforme decidido em sessão da Segunda Câmara do TCU realizada na terça-feira passada (17/11). Feita essa recomendação “a tendência é que mais contratos sejam enfim encaminhados ao Banco Regional de Desenvolvimento Econômico (BRDE)” e que, “de uma vez por todas, as restrições do TCU relativas ao passivo, objeto de diferentes entendimentos até aqui” sejam definitivamente suspensas. (Ana Paula Sousa, Filme B, 18/11).

Se, por um lado, o encaminhamento ao BRDE de projetos já contratados será positivo, resta por fazer uma reavaliação do papel da Ancine como fomentadora da produção que inclua a reformulação do modelo de financiamento baseado no Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e nas Leis de Incentivo. Sem isso, continuaremos assistindo ao fracasso comercial de filmes brasileiros, como vem ocorrendo desde a reabertura das salas de cinema – demonstração cabal de inadequação ao mercado e consequente inviabilidade financeira. Sem ser novidade, o que está acontecendo desde que os cinemas foram reabertos reafirma de modo agudo a inviabilidade financeira da produção cinematográfica sem o aporte de valores expressivos provenientes do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e de incentivos fiscais, assim como a desigualdade dos termos da competição entre filmes estrangeiros e brasileiros no mercado interno.

Examinando dados publicados pelo portal Filme B, referentes aos vinte filmes com maior bilheteria exibidos em salas de cinema no fim de semana de 12 a 15 de novembro, encontramos Boca de Ouro , de Daniel Filho, em 13º lugar, e A Febre, de Maya Da-Rin, em 18º lugar, ambos tendo estreado no dia 12, o primeiro filme em 20 cinemas e o segundo em 21. Boca de Ouro teve 553 espectadores, e A Febre 193 espectadores nesses quatro dias. A média de público por sala foi de 28 espectadores, no caso de Boca de Ouro, e 9 espectadores no de A Febre. São números que falam por si, confirmando que os filmes estão sendo despejados no mercado em circunstâncias adversas e de modo inadequado.

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O Forumdoc.bh.2020, um dos mais importantes festivais de cinema do país, prossegue até 28 de novembro, integralmente online e gratuito. A equipe curatorial da Mostra Contemporânea Brasileira selecionou 36 produções, organizadas em 12 sessões, que refletem questões urgentes do nosso tempo. Entre os diretores selecionados mais conhecidos estão Beto Brandt, Carlos Adriano, Vincent e Rita Carelli. A relação completa da Mostra está disponível em https://www.forumdoc.org.br/mostra-contemporanea.html.Uma das preciosidades a serem vistas na Sessão 12 é Sem Título # 6: O Inquietanto (2020, 16’), de Carlos Adriano.

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Na próxima terça-feira, 1º de dezembro, às 11 horas, Piero Sbragia, Juca Badaró e este colunista conversam ao vivo, no canal 3 em Cena, com Henrique Dantas, diretor de Dorivando Saravá, o Preto que Virou Mar, documentário sobre Dorival Caymmi exibido no CINEOP, 15ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, realizada no início de setembro. O acesso à conversa de terça-feira, 1º de dezembro, às 11 horas, poderá ser feito através do link https://youtu.be/AYEcHxTC7rU .

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Amores Cubanos, série de treze episódios de Alice de Andrade, estreou em 9 de novembro e prossegue às segundas-feiras, no Canal Brasil, às 17h30, com reprises quintas e sextas-feiras, às 13h30 e às 7 horas, respectivamente.

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