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    Ilustração de Carvall

questões eleitorais

Ausentes, mas decisivos

Abstenção é recorde e chega a 23% em ano de pandemia; analistas destacam impacto nos resultados e descolamento do eleitor em relação ao sistema de votação

Fernanda da Escóssia e Marcos Amorozo | 16 nov 2020_00h09
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A pensionista Miriam Aparecida Borges, de 60 anos, percorreu algumas escolas públicas em Copacabana, na zona sul do Rio, em busca do seu local de votação. Ela não conseguiu achar o título e tentou consultar o local certo pelo aplicativo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sem sucesso. Por volta das 10h30, estava na porta da escola municipal Dom Aquino Correia, onde funcionam seções eleitorais, tentando descobrir onde iria votar. Entregou a identidade a um dos funcionários da Justiça Eleitoral na esperança de que ele a ajudasse na consulta. Caso contrário, iria desistir – e entrar para a estatística de abstenção recorde na capital fluminense, de 32,79%. Na mesma escola, a professora universitária Fátima Pinel, de 65 anos, não desistiu de votar, mas também se queixou das mudanças no local de sua seção. Ela votava numa agência bancária em Copacabana, mas a seção foi transferida. “Juntaram seções, eu não consegui entrar no site antes e acabei dando uma viagem a mais. Achei desorganizado.” Seções que funcionavam na Aliança Francesa foram transferidas para outra escola municipal em Copacabana, a Alencastro Guimarães. Com isso, formou-se fila na calçada, sem distanciamento social. Dentro do prédio, porém, as seções estavam separadas, com álcool em gel à disposição dos eleitores. 

No país todo, a abstenção chegava a 23,14% com 99,79% de urnas apuradas – a maior já verificada numa eleição brasileira. Um aumento em relação aos percentuais de 17,58% e 16,41% registrados nas últimas eleições municipais, em 2016 e 2012, respectivamente. A soma de abstenções, votos em branco e nulos chegou a 30,6%, a maior desde 1996. O  Rio de Janeiro teve a maior abstenção proporcional, com 28,08% de ausentes. A cidade do Rio, que em 2016 foi a capital com maior ausência de eleitores (24,28%), perdeu este ano para Porto Alegre, que teve 33,08% de não comparecimento. Entre todos os municípios, Oiapoque, no Amapá, apresentou a maior taxa de abstenção: quatro em cada 10 eleitores não foram às urnas. 

“Creio que a abstenção é um fenômeno que antecede a pandemia. Há eleitores que começam de fato a se descolar do sistema eleitoral”, destacou o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ. Alguns motivos podem ajudar a entender a abstenção maior deste ano – entre eles, a pandemia de Covid-19, que deixou mais de 160 mil mortos e fez com que muitas pessoas ficassem em casa neste domingo, com medo de contaminação. O TSE permitiu que o eleitor fizesse a justificativa pelo celular, o que, na avaliação de Nicolau, tornou mais simples a vida de quem não queria comparecer. “A gente está criando, na prática, o voto facultativo. Posso morar num bairro distante, não quero pegar ônibus, nem tomar sol, justifico pelo celular. Essa facilitação vai aprofundar o padrão de abstenção e do voto facultativo na prática”, avalia.

Não se sabe até que ponto os cartórios eleitorais atualizaram seus dados para excluir dos cadastros eleitores que morreram este ano. Outra marca da votação deste ano foi a mudança de lugar de várias seções eleitorais, por causa da pandemia, para evitar aglomerações, ou porque escolas entraram em reforma. Seções foram aglutinadas – fazendo com que, como aconteceu em Copacabana, muita gente ficasse em dúvida sobre o local exato para votar. 

 

Cerca de 13 milhões de eleitores baixaram o aplicativo do e-título, criado pelo TSE para facilitar a busca de informações. Mas quem tentou acessar o aplicativo no domingo teve dificuldade, e o sistema do TSE ficou sobrecarregado. O presidente do TSE,  ministro Luís Roberto Barroso, disse que  houve uma tentativa de ataque ao sistema do tribunal, que foi contida a tempo e que não prejudicou a votação. Ele lembrou ainda que três milhões de pessoas deixaram para baixar o app no dia da eleição, o que ajudou a criar uma sobrecarga no sistema.  

“O aplicativo está ali há muito tempo, mas as pessoas deixaram para baixá-lo no último dia e na última hora. Com muitos milhões de acessos simultâneos, ele apresentou algum nível de instabilidade. Mas ele está funcionando adequadamente. Peço desculpas por não termos uma capacidade maior e peço às pessoas que se empenhem. Nós nos defendemos dizendo: ‘olha, nós pedimos para as pessoas irem baixando com antecedência’. Todo mundo baixando no último dia tem esse problema”, disse Barroso. “Esse problema” não foi o único: um problema técnico no TSE atrasou a divulgação dos resultados em três horas.

Para o presidente do instituto Ideia Big Data, Maurício Moura, o não comparecimento às urnas modificou o desenho do pleito. “As abstenções são as protagonistas destas eleições e vêm acontecendo como a gente vê no resto do mundo, principalmente nas faixas etárias acima dos 55 anos. A tendência das abstenções pode ter mexido no peso de cada grupo de eleitores. Isso deu mais peso para os votos dos jovens de até 30 anos e, com isso, as candidaturas de preferência deles, como a Marília Arraes (Recife), Manuela D’Ávila (Porto Alegre) e Guilherme Boulos (São Paulo). Estimo aumento de pelo menos 8 a 10 pontos percentuais”, afirmou Moura. 

Segundo a Justiça Eleitoral, até o início da manhã de domingo, mais de 400 mil pessoas tinham usado o aplicativo para fazer a justificativa. Poucas horas depois, às 15h, o número já tinha subido para 561 mil. O prazo para justificar o voto é de 60 dias, a contar a partir de segunda-feira (16), e pode ser feito presencialmente ou pela internet. 

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