é o título das lembranças cinematográficas de J.M.G. Le Clézio, publicadas em 2007 pela editora Gallimard [sem edição brasileira].
As primeiras imagens filmadas das ruas de Paris, feitas cerca de trinta anos depois da morte de Baudelaire, em 1867, indicam que os “bons velhos tempos”, nos quais ainda era possível flanar nas arcadas, estavam desaparecendo. O “flâneur” estava fora de lugar. E talvez seja possível dizer que, nas décadas seguintes, o surgimento das salas de cinema substituiu flanar por balaciner. O espectador encontrou um refúgio da rua no qual voltou a fazer parte da multidão sem abdicar de sua individualidade. No cinema, o homem da multidão, de Poe, e o “flâneur”, de Baudelaire, teriam se fundido, dando lugar ao “balacineur”.
Arrisco traduzir a primeira página do livro de Le Clézio, antecedida pelo prefácio de Gilles Jacob:
“Ballaciner
cair do céu
de nu vem
em nuvem
em meio aos
raios.”
Retificando o artigo de 1911 em que anunciara “o nascimento de uma sexta arte”, Ricciotto Canudo começa o artigo “A lição do cinema”, oito anos depois, afirmando que “o nascimento do cinema, foi exatamente o da sétima arte.”
Para Le Clézio, o cinema “reinventa” uma luz que “provém de outro lugar”, como a da Lua, fazendo referência a um poema de Parmênides. E os equipamentos técnicos que permitem registrar e reproduzir imagens em aparente movimento nos restituiriam “a luz noturna para que possamos viver nossa vida sonhada nas salas escuras de cinema, longe, tão longe da realidade.”
É nessa dubiedade “entre real e inventado, entre o que se vive e o que se imagina, entre o que se crê e o que se deseja” que tudo se dá. De início, “o cinema parece vocacionado para o interior (a superfície do fundo da caverna). Fora, há sol demais, vento demais, talvez folhas de árvore que se movem demais. A noite, a noite de verdade é escura demais, e o filme incapaz de fixar a cintilação das estrelas.”
A rememoração de Le Clézio passa por alguns grandes e previsíveis nomes (Dreyer, Ozu, Mizoguchi, Vigo, Pasolini etc.) e conclui perguntando se “o cinema de amanhã será coreano”, depois de ter sido japonês, americano e francês. Será? Não sei responder, mas a possibilidade me inquieta. Salvo engano, nunca vi filmes de Hwang Sok-yong ou Lee Seung-U. Falha minha, sem dúvida.
Ao longo das suas lembranças Le Clézio reafirma o valor da imagem como prova. Sem citar A queda da dinastia Romanov (1927), de Esfir Schub, considera que “nada tem a força de impacto e de repercussão das imagens filmadas durante a Primeira Guerra mundial, ou durante a guerra civil espanhola. A revolução russa, através dos filmes de arquivo, fala melhor dessa mudança definitiva: através dos grandes acontecimentos que a câmera capturou […], mas sobretudo nas imagens do cotidiano de um mundo prestes a mudar […] surge a Idade Média.”
Não é mais preciso questionar o valor relativo da imagem como prova na era digital para relativizar uma passagen como essa. É notório não ser mais possível afirmar que a imagem cinematográfica é o testemunho do que ocorreu diante da câmera. Bastaria lembrar a Le Clézio suas próprias palavras: “a imagem só nos oferece sombras, e a realidade nos escapa.”