Na manhã do dia 9 de janeiro, enquanto acompanhava pela tevê as repercussões dos ataques golpistas à Praça dos Três Poderes, Felipe Eduardo Alves de Souza teve a sensação de ver algo familiar. O designer carioca passava aquela segunda-feira em casa. “Quando a câmera mostrou os estragos no Palácio do Planalto, levei um susto. Entre as peças danificadas, avistei de relance uma pintura que parecia a do meu pai. ‘Será que os bolsonaristas avançaram no trabalho dele? Não faz sentido…’, pensei. Foi uma cena muito rápida. Não consegui ter certeza de nada, mas fiquei com a pulga atrás da orelha.”
Pouco depois, a imprensa divulgou a lista preliminar dos bens avariados pelos baderneiros no domingo, dia 8. “Infelizmente, minha suspeita se confirmou”, lamenta Souza. Uma foto publicada no site G1 flagrava a pintura Bandeira do Brasil em condições lastimáveis. A criação de Jorge Eduardo, o pai do designer, estava suja e molhada. Os vândalos a arrancaram da parede e jogaram no chão, inundado pela água dos hidrantes abertos durante a invasão. Em cima do trabalho, havia pedaços de vidro e pó químico de extintores. Marcas de dedos e calçados, além de arranhões, se espalhavam por toda parte.
Com 1,5 metro de largura e 2 metros de comprimento, a pintura de 1995 reproduz a bandeira nacional que tremula diante do Planalto. É um quadro hiper-realista, em tinta acrílica sobre MDF, material semelhante à madeira. De acordo com a Presidência da República, vale 80 mil reais. Vinte obras do palácio sofreram danos, incluindo a escultura O Flautista, de Bruno Giorgi, e a tela As Mulatas, de Di Cavalcanti, que leiloeiros estimam custar mais de 15 milhões de reais. Morto em abril de 2019, Jorge Eduardo abraçou o hiper-realismo na década de 1980 e virou entusiasta do gênero. Gostava de pintar cenários naturais ou urbanos e, principalmente, coisas. Quando as retratava, dizia-se um criador de “ilujetos”, imagens tão detalhadas que causavam a impressão de tridimensionalidade – ou a ilusão de se mirar um objeto. Em razão disso, muitos confundem os trabalhos do artista com fotografias de alta resolução.
“Por que os caras atacaram uma reprodução super fidedigna da bandeira brasileira? Eles não se consideram patriotas? Não usam verde-amarelo dos pés à cabeça? Não cantam o hino o tempo inteiro? Por que, então, investiram contra um símbolo que idolatram?”, pergunta Souza. “Num primeiro momento, aquilo me soou como um tremendo absurdo. Ou melhor: como um absurdo dentro de uma situação já totalmente nonsense. Questionar o resultado das eleições?! Ocupar o Planalto, o Congresso e o Supremo?! Quebrar tudo?! Depois, me liguei que não adianta esperar bom senso ou coerência de bolsonarista. Vândalo é vândalo. Destrói o que encontra pela frente.”
Mal leu o texto do G1 sobre a pintura mutilada, o designer de 59 anos o compartilhou no grupo de WhatsApp que mantém com os irmãos: Adriana, a mais velha, e o caçula Paulo. “Não fiz nenhum comentário. Apenas enviei a notícia”, relembra. Adriana e Paulo repudiaram o episódio. “Sorte do nosso pai que não verá uma barbaridade dessas”, escreveu a primogênita. Ao mandar o link, Souza quebrou uma regra que os irmãos buscam seguir de uns tempos para cá: não tratar de política, seja nas reuniões virtuais, seja nas presenciais. Desde 2016, quando o impeachment da presidente Dilma Rousseff se consolidou, eles estão rachados ideologicamente – uma cisão que se repetiu em inúmeras famílias do país.
O trio não se interessava muito por questões políticas e costumava ter opiniões parecidas sobre o assunto. No entanto, à medida que a Operação Lava Jato avançava e a extrema direita saía do armário, as divergências familiares ganharam corpo. Souza guinou para o campo progressista e hoje se identifica com a esquerda. Já seus irmãos permaneceram na seara conservadora. “Chegou uma hora que não conseguíamos mais dialogar”, conta o designer. “Para o caldo não entornar de vez, resolvemos abolir o tema de nossos papos.”
Agora, três meses depois dos atos golpistas, os irmãos convergem pelo menos num ponto: desejam saber o que o staff do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará com a pintura de Jorge Eduardo. Vai recuperá-la? Vai exibi-la de novo? Quando e onde? Logo que tomou conhecimento da ofensiva contra o “ilujeto”, Souza divulgou um comunicado no site do pai com a esperança de que alguém do governo federal o lesse. Ele pedia que os responsáveis pela reconstituição do trabalho o contactassem a fim de obter informações sobre como executar a tarefa. Na mensagem, chamava as invasões de “eventos terroristas”. O designer também encaminhou um aviso similar para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Até o momento, ninguém o procurou.
Ocarioca Jorge Eduardo de Affonseca Alves de Souza nasceu em agosto de 1936. Era filho do arquiteto Wladimir Alves de Souza, que alcançou certa notoriedade no Rio de Janeiro por dirigir a Escola de Belas Artes, restaurar a Capela Mayrink, do século XIX, e projetar a Chácara do Céu, residência do industrial Raymundo Ottoni de Castro Maya. Localizada em Santa Tereza, bairro montanhoso e boêmio do Centro, a propriedade de feições modernistas se tornou um renomado museu, que abriga o acervo do antigo morador. À semelhança do pai, Jorge Eduardo estudou arquitetura, mas exerceu o ofício somente por dois anos. Achou melhor enveredar pela publicidade. Começou como ilustrador e se transformou em dono de agência. Depois, arranjou emprego numa loja de departamentos, onde assumiu a gerência de marketing. Em 1981, abandonou a carreira para se dedicar apenas à pintura, que o fisgara ainda menino e lhe trouxe sucesso comercial. Foi representado por um dos principais marchands e colecionadores do país, o romeno Jean Boghici. De 1972 até 2013, expôs em diversas capitais brasileiras, além de Paris, Nova York e Miami. A partir de 2014, deixou as mostras coletivas e individuais de lado.
O artista se orgulhava do autodidatismo. Aprendeu sozinho as técnicas pictóricas que iriam caracterizá-lo. De início, produzia quadros abstratos. Mais tarde, aderiu à figuração de viés realista e finalmente se especializou no hiper-realismo. Entre os papas do estilo, admirava o chileno Claudio Bravo, que se radicou em Tânger, cidade portuária do Marrocos.
O próprio Jorge Eduardo fotografava as paisagens, os objetos e os personagens que decidia pintar. Ele também cortava e preparava o MDF que utilizava como base para as obras, já que nem sempre recorria às telas. Por isso, se proclamava “carpintógrafo” – um híbrido de carpinteiro, pintor e fotógrafo.
Fã de automobilismo, participou de várias competições e se gabava da ocasião em que venceu Emerson Fittipaldi num rally. Não à toa, adorava pintar carrões. Reproduziu dezenas, como um Jaguar e uma Ferrari de 1954, um Chevrolet Bel Air de 1957, um Porsche de 1994 e a McLaren com que Ayrton Senna se sagrou campeão de Fórmula 1 em 1988. Por ironia, só tinha automóveis velhos. Durante muito tempo, guiou uma Belina mal-ajambrada, que apelidou de Velhina. Posteriormente, comprou uma Caravan de segunda mão.
Detestava ostentar – em parte, por temperamento; em parte, para não despertar a cobiça de ladrões. Certa vez, cogitou pintar manchas de ferrugem na Velhina com a intenção de deixá-la ainda menos atraente. Costumava passar o dia de camiseta puída, sandália e bermuda surrada. Curtia ir à orla do Rio ou de Niterói porque o mar e o Sol o fascinavam. Já a areia… Irritava-se com os grãos que teimavam em lhe impregnar a pele. Era bom de garfo e cozinhava pratos italianos ou franceses, muito celebrados pelos parentes. Não raro, levava um fogareiro para a praia, reunia os amigos e fritava pastéis de massa caseira ali mesmo. Batizou tais aventuras gastronômicas de “pastelâncias”. Desde moço, fumava e bebia com avidez. Não dispensava uma cervejinha ou uns tragos de Underberg, aperitivo bastante amargo de origem alemã. Por volta dos 60 anos, largou o álcool, mas continuou fumando.
Na faculdade de arquitetura, conheceu a polonesa Stella Freiwald, que migrou para o Brasil após resistir à Segunda Guerra. Os jovens, apaixonados, logo se casaram. A união, que durou até 1974, resultou nos três filhos e em três netos. Stella acabou desistindo de ser arquiteta, cursou medicina e virou clínica geral.
Casado novamente, o pintor não dividia o mesmo teto com a segunda parceira quando morreu, aos 82 anos. Jorge Eduardo e a publicitária Rachel Braga preferiam morar em casas separadas. Ele vivia sozinho num apartamento espaçoso e arejado, que também funcionava como ateliê. Disciplinado, pintava todos os dias. Não folgava nem sequer nos fins de semana. Da sala, onde trabalhava, conseguia avistar um lindo pedaço do bairro de Laranjeiras. Uma placa oval na entrada do apartamento anunciava: “Café, Bar e Restaurante Vira-Lata Dormindo”. O artista concebeu o letreiro depois de observar um cachorro que cochilava em plena Copacabana. “Pessoas zanzavam de lá para cá, ônibus tocavam as buzinas, camelôs vendiam bugigangas, e o bicho não dava a mínima”, descrevia o pintor. “Nada abalava a soneca do cãozinho. Quero que o meu apartamento seja assim: tranquilo como um vira-lata dormindo.”
Quando lhe perguntavam se gostava de futebol, Jorge Eduardo respondia: “Não. Gosto do Pelé.” Ele adotava estratégia idêntica sempre que se defrontava com questionamentos sobre partidos, ideologias ou governos: “Não gosto de política. Gosto do Fernando Henrique.” De natureza pacata, cultivava o bom humor e a delicadeza. Evitava, portanto, qualquer discussão acalorada, especialmente em períodos eleitorais. No máximo, zombava do Brasil com piadinhas do tipo: “Os cenários daqui são esplêndidos. A iluminação, maravilhosa. A trilha sonora, de primeira. O elenco, talentoso. Mas a direção… Péssima!”
“Meu pai se enxergava como um sujeito politicamente conservador. Um cidadão moderado, que rejeitava os fanatismos. Ele não tentava impor suas convicções e sabia respeitar as diferenças”, diz Souza. O apelido do cantor Erasmo Carlos – Gigante Gentil – também poderia servir para o pintor, que tinha quase 1m90, porte elegante, sobrancelhas grossas e uma densa barba branca.
A admiração de Jorge Eduardo por Fernando Henrique Cardoso aflorou na época em que o tucano comandava o Ministério da Fazenda (1993-1994). “A hiperinflação maltratava o país. Como praticamente todos os brasileiros, meu pai festejou o êxito do Plano Real, lançado pela equipe de FHC para frear a alta dos preços e reequilibrar a economia”, lembra o designer. Em 1995, assim que Fernando Henrique se tornou presidente da República, o artista resolveu presenteá-lo com a reprodução da bandeira nacional que está na frente do Planalto. Soprou a ideia para um de seus irmãos, o diplomata Carlos Eduardo Alves de Souza. “Meu tio mexeu os pauzinhos até receber sinal verde da presidência”, prossegue o designer. Se o pintor fizesse o “ilujeto”, o tucano o aceitaria. “Não sei em quanto tempo meu pai concluiu a tarefa. Eu chutaria que levou uns três meses. Ele havia fotografado a bandeira no começo da década de 1990. Por isso, tinha uma porção de imagens em que se basear.” O próprio artista entregou o presente para FHC numa cerimônia oficial.
Logo após a entrega, Jorge Eduardo se encontrou com Nelson Piquet, tricampeão de Fórmula 1 que morava em Brasília. A dupla já se conhecia porque o automobilista possuía uma obra do pintor. Em poucos dias, Piquet voaria para o Rio. “Que tal me acompanhar?”, propôs o esportista. “Vou no meu jatinho. Eu mesmo piloto.” O artista, tão fascinado por aviões quanto por carros, nem pensou em recusar a carona. Mais de duas décadas depois, Piquet frequentaria o noticiário como um bolsonarista ferrenho.
Inicialmente, a pintura Bandeira do Brasil decorou o gabinete de Fernando Henrique no terceiro andar do Planalto. Em seguida, circulou por outras áreas do palácio até descer para o térreo, onde ficava quando os extremistas a atacaram. Muitos pronunciamentos de ministros e presidentes aproveitaram o trabalho como pano de fundo. Daí o “ilujeto” ter aparecido em algumas charges e reportagens. “Às vezes, estava lendo o jornal e me deparava com a foto de um político em que a obra do meu pai servia de cenário”, conta Souza.
Jorge Eduardo retratou mais cinco bandeiras depois de pintar a de FHC. “Produziu todas sob encomenda – as de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, dos Estados Unidos, do Fluminense e do Flamengo”, afirma o designer. “Ele amava bandeiras, mas não por motivos históricos ou algo do gênero. Meu pai as apreciava como objetos. Valorizava a plasticidade, o colorido e a geometria delas.”
Em 1986, quase uma década antes de presentear o tucano, o pintor deu um quadro para outro presidente: François Mitterrand, o socialista que governou a França por catorze anos. Enquanto visitava uma galeria de Paris que exibia trabalhos do brasileiro, o mandatário os elogiou com entusiasmo. Jorge Eduardo fez, então, uma pintura semelhante às da mostra europeia e a ofereceu para Mitterrand. Era a reprodução hiper-realista de um casario vermelho, branco e azul (as cores nacionais francesas) que se situava no bairro carioca da Lapa. Uma janela de madeira, garimpada pelo artista entre restos de demolição, emoldurava o quadro. Quem contemplasse o conjunto teria a sensação de ver a paisagem através de uma vidraça.
“Eu mesmo gostaria de restaurar a bandeira que os golpistas destruíram. Me sinto à altura do desafio, mas será que o governo toparia?”, indaga Souza. Pintor bissexto, o designer assessorou Jorge Eduardo entre 1991 e 1993. Limpava pincéis, misturava tintas, serrava placas de MDF, preparava telas e, acima de tudo, observava o pai em ação. Foi assim que aprendeu a técnica hiper-realista. “Na época, fiz dois ‘ilujetos’ sozinho: uma garrafa de Coca-Cola e uma de cerveja Heineken.”
Em 2019, Jorge Eduardo aceitou reproduzir outra vez a bandeira do Planalto. Um executivo do setor energético queria uma versão ligeiramente menor que a ofertada para Fernando Henrique. Pagou metade do preço combinado. Iria arrematar o valor tão logo a encomenda estivesse pronta. No entanto, mal iniciou a pintura, o artista ficou doente e morreu. Para honrar a dívida, o filho decidiu concluir o trabalho. Ele passou meses no ateliê do pai. Usava o material de Jorge Eduardo e colocava em prática os segredos que o pintor lhe ensinou. “Não conseguiria imaginar um jeito melhor de me despedir do velho.”
O designer lastima “o sequestro da bandeira nacional” pelo bolsonarismo. “É triste que um símbolo tão importante continue associado à extrema direita. O PT comete um erro de marketing quando prioriza o vermelho. Não tenho nada contra o vermelho, claro. Mas as cores do país – o verde, o azul e o amarelo – deveriam ganhar cada vez mais espaço no campo progressista. A camisa da Seleção e a bandeira do Brasil são de todos nós e não apenas dos que combatem a esquerda.”
Souza admite que já se deixou seduzir pelo antipetismo. “A retórica da Operação Lava Jato, que tachava o Lula e seus aliados como os maiores corruptos da nação, me balançou. Acreditei naquilo e saí às ruas para exigir o impeachment da Dilma. Fui mudando de opinião sobretudo por causa de minha mulher, Patrícia. Ela me abriu os olhos: ‘Vá se informar, pô! Vá ler! Questione os preconceitos da classe média. Escute as minorias. Preste atenção nas favelas, nos sem-teto, nas crianças fumando crack. O mundo não se resume à nossa bolha!’” Convencido de que precisava se repaginar, o designer votou em Fernando Haddad, do PT, na eleição presidencial de 2018. Quatro anos depois, apertou o 13, de Lula. “Jamais escolheria o [Jair] Bolsonaro. Seria inadmissível, o fim da picada!”
Diferentemente do irmão, a oncologista Adriana Alves de Souza Scheliga diz que não se interessa por política. “Dou muita palestra sobre medicina. Tenho de me atualizar constantemente na área e quase não sobra tempo para outros temas. Sem contar que ando bem desanimada com os políticos. A gente elege deputado, senador, prefeito, governador, presidente, e as coisas não mudam. Para piorar, as fake news confundem todo mundo. Não sabemos mais o que é verdade ou mentira quando lemos algo sobre um candidato, uma sessão no Congresso ou um programa de governo. A separação entre Judiciário, Executivo e Legislativo já não existe. Veja os ministros do Supremo Tribunal Federal: me parecem bastante tendenciosos. Eles não fazem justiça de verdade. Interferem nos demais poderes sem que ninguém os impeça. Como a gente vai se entusiasmar com a política diante de tantos despropósitos?”
Ainda que procure manter distância do assunto, a médica de 62 anos afirma não gostar do PT e de Lula. “Nunca votei no partido nem pretendo votar. Difícil esquecer as roubalheiras… No passado, pesquisei muito sobre socialismo e comunismo. São teorias lindas. Pena que não funcionem. As boas intenções acabam descambando para a tirania e a corrupção.” Ela rejeita, porém, a pecha de bolsonarista. “Combater o petismo não significa apoiar o bolsonarismo. Eu me defino como uma conservadora independente. Não considero o governo do Bolsonaro um desastre. Ocorreram avanços, especialmente na seara econômica. Mas também não defendo a gestão dele com unhas e dentes. O Bolsonaro é uma figura complexa, um sujeito turrão… ”
Nas eleições de 2022, a oncologista anulou o voto. “Faz tempo que anulo. Nenhum político me representa, nenhum presta. Por mim, as eleições deveriam ser facultativas. Voto obrigatório?! Países realmente democráticos permitem que o povo escolha se vai ou não comparecer às urnas. Eu só compareço porque tenho que estar com o título de eleitor em dia para renovar meu passaporte. Frequento congressos internacionais. Não posso correr o risco de me barrarem nos aeroportos.”
A médica conta que ficou deprimida quando soube dos ataques à pintura de Jorge Eduardo. “Nada justifica aquele quebra-quebra. Foram atos insanos, sem qualquer sentido. Os governos mudam, a história se altera, mas a arte deve sempre permanecer. Não compreendo quem invade museu para arruinar um Van Gogh, um Picasso… Senti uma tristeza imensa na hora em que vi o legado do meu pai destruído. Suspeito até que havia infiltrados ali. As manifestações da direita costumavam ser pacíficas. Por que, de repente, os ânimos se acirraram tanto? Me soa estranho.”
O filho caçula do artista, Paulo Alves de Souza, um marceneiro de 54 anos, preferiu não conversar com a piauí. Em fevereiro, a revista entrevistou Rogério Carvalho, diretor-curador dos palácios presidenciais, sobre o destino das vinte obras atacadas no Planalto. Ele disse que o governo enviara a maioria das peças para a reserva técnica, mas ainda não começara a reparação de nenhuma. Somente a tela As Mulatas e uma escultura de Frans Krajcberg continuavam expostas, mesmo com avarias. Carvalho também descartou que familiares de Jorge Eduardo possam recuperar a pintura Bandeira do Brasil. “Não convém que o autor de um trabalho danificado ou seus assistentes participem do restauro. É um princípio básico da conservação artística. Restaurar implica uma série de conceitos e habilidades que pintores ou escultores geralmente não dominam.” Por fim, o curador afirmou que o governo iria abrir “um processo licitatório” para viabilizar o reparo dos bens. “Ligue outra vez em março”, sugeriu. “Devo ter novas informações.” Desde então, Carvalho não atendeu mais a piauí, nem por telefone, nem por e-mail.