Baseado nas memórias homônimas de Xico Sá, uma força estranha emana do filme Big Jato. Estranha por quê? A explicação talvez esteja, em parte, no talento de Cláudio Assis para evocar o tempo da juventude, semelhante à de Xico Sá, conforme declarou em entrevista a André Miranda.
Na primeira linha das suas memórias, Xico Sá revela apreciar “aquela falsa pista” do autor de O Tesouro de Sierra Madre, B. Traven, “que dizia mais ou menos assim: ‘De certa forma, uma história não significa nada a menos que você mesmo a tenha vivido’.” Sem desconhecer possíveis falhas e tampouco abrir mão do direito de inventar, Sá admite que a história contada no livro Big Jato “é verdadeira” e que ele esticou “ao máximo a corda da verossimilhança”. É desse enraizamento profundo no agreste nordestino, compartilhado por Assis, que emana a vitalidade do filme Big Jato.
Invertendo, porém, a célebre noção de Walter Benjamin, baseada em um dito alemão, segundo a qual “quem viaja tem o que contar”, emigrantes nordestinos algumas vezes levam consigo um repositório de experiências que lhes serve como fonte de inspiração para romances, poemas, filmes etc. Se a premissa de Big Jato é partir, o filme ao mesmo tempo é um comovente retorno ao local de origem, sem o qual não haveria o que contar.
Outro mérito de Assis, a partir do roteiro de Hilton Lacerda e Ana Carolina Francisco, assim como da fotografia de Marcelo Durst, resulta da capacidade de superar o que parece intransponível. Lendo a descrição dos dois personagens principais de Big Jato feita por Sá, à primeira vista, dificilmente Matheus Nachtergaele pareceria indicado para os papéis. São irmãos gêmeos. Um, o Velho, assim chamado no livro, motorista do caminhão limpa-fossas Big Jato; o outro, não nasceu para escravo e declara que adora “testemunhar os outros trabalhando duro”. Define-se como “um voyeur do suor alheio”. A aposta de Assis, porém, é vencedora. “Em estado de graça”, como declarou a montadora de Big Jato, Karen Harley, com desempenho notável, Nachtergaele reafirma seu notório talento e desmente céticos como este blogueiro. Ele está mesmo magnífico e é um dos principais fatores do bom resultado do filme.
Cláudio Assis, em termos brasileiros, é um diretor prolífico. Estreou 4 filmes em 14 anos, um a cada três anos e meio. É uma média razoável. Em outro país talvez tivesse feito mais filmes nesse mesmo período. Mas indica, de qualquer modo, força estranha que o leva a filmar com regularidade, resultando em aprimoramento benéfico.