Na primeira vez em que eu ouvi Joss Stone, até por uma pré-disposição que assumo aqui, eu poderia jurar de pés juntos que a dona da voz era uma super negra decidida e forte que tinha aparecido na Inglaterra. Na minha cabeça, aquela profundidade de timbre e sentimento para ter soul e ser blue só seria possível tendo aquelas notas literalmente na pele. Para piorar minha avaliação precipitada, ela tinha então tenros 16 aninhos. Mas tenho certeza de que não fui a única: a própria capa do álbum de estréia, The Soul Sessions, trazia uma cantora entre sombras, atrás do microfone, onde ficava escuro demais pra sabermos que ela era realmente clara. Uma doce armadilha de quem sabia que a dúvida estaria no ar.
Joss, apoiada num elenco de experientes músicos e backing vocals, tendo Aretha Franklin e o soul americano como sua grande influência, gravou um disco completamente black, com muita propriedade. Fez jus ao time que escolheu para fazer essa viagem. Sua voz e personalidade ganharam o mundo, venderam mais de 500 mil cópias só nos Estados Unidos e The Soul Sessions se tornou um dos álbuns mais vendidos de 2004.
Em 2006, outra explosão – dessa vez atômica. Amy Winehouse invadiu as rádios e os tabloides definitivamente, com o fascinante álbum Back to Black, seu segundo e definitivo trabalho. Sempre apoiada, alimentada e garantida pela música negra, novamente, e não é à toa que é comparada a Billie Holiday, Sarah Vaughan, entre outros ícones do blues e do jazz mundial.
Com uma história de vida dramática – e até nisso semelhante às divas de antigamente, como Billie e Dinah – Amy é também uma compositora talentosa e confessional, o que agrada ainda mais seus admiradores mais sádicos, que constatam nas notícias o que suas letras já anunciavam.
Em meio a um dilúvio impressionante, naveguei junto com uma pequena multidão até o distante HSBC (será que o nome ainda permanece?), e me deparei com uma Amy um pouco fria para o meu gosto. Ouvindo as gravações, dá pra sentir o envolvimento e a urgência das interpretações. Aquela voz invade os lugares com um timbre metálico, petulante. Ao vivo, esse som estava lá, e soou muitas vezes com o poder que lhe é peculiar – a dona da voz, porém, parecia um tanto entediada, o que não combinava com a força de sua música. Mas isso em nada invalida o impacto de ouvir Amy Winehouse e sua enorme relevância como artista no som da minha casa ou no carro.
E para fechar o trio de cantoras jovens, inglesas, contemporâneas e influenciadas pela música negra, em 2008, Adele começa a despontar. Seu álbum se chama 19, que era exatamente sua idade naquele momento. Comparada à Amy, Adele é mais que isso e suas influências são diversas e mais miscigenadas. Vai de Suzanne Vega a Jill Scott, compõe com personalidade e gravou a balada “Make You Feel My Love”, do branquelo genial Bob Dylan. Porém, sua inflexão muitas vezes ao cantar, lembra mesmo a maneira como Amy estica suas notas e se derrama suingadamente na próxima frase. Isso é facilmente detectável nas deliciosas “Crazy For You”, “Cold Shoulder” e “Right as Rain”.
É interessante observar essas três cantoras com trajetórias semelhantes, se pensarmos na precocidade e força de suas vozes e posturas. Amy é muito mais poderosa em quase todos os sentidos, inclusive no fato de ter sua vida exposta quando solar e exposta quando sombria e autodestrutiva principalmente. Todas já fizeram outros trabalhos. Joss partiu para o seu lado mais pop e gravou até com Ricky Martin outro dia. O show dela no Rio de Janeiro foi bonito e sua voz continua a mesma. Adele lançou o segundo álbum, 21, mostrando que o tempo passa até pra ela. E Amy, bem, Amy continua sendo aguardadíssima nos próximos capítulos, de preferência saudável. E que isso não afete suas qualidades de cantora!
E aqui com meus botões, não paro de pensar no que seria da música e dessas novas e ótimas cantoras de olhos azuis sem Billie, Sara, Dinah, Ella, Aretha e posteriormente, Stevie Wonder. Sim, ele mesmo. Stevie que ensinou ao mundo de todas as cores, como escorregar uma vogal dentro da garganta!
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