Neste fechamento, a Cozinha Transcendental teve o prazer de receber a visita mais alegre, que se materializou de São Paulo trazendo uma mala estufada de ingredientes e apetrechos especialmente para fazer aqui, ao vivo, o espetacular bolo de sementes de papoula que você vai aprender a seguir. Nossa convidada, que até ontem era apenas uma visita virtual, fez também uma fornada de bons bocados divinos e simplicíssimos que estrelarão aqui no blog amanhã. Já estava muito bom, mas não ficou só nisso. No melhor espírito das Questões de Forno & Fogão da piauí, entre uma mexida na massa e uma controlada no forno, Clarice ainda escreveu uma Esquina que poderá ser lida na edição que chega às bancas no começo de novembro, a 74.
A passagem da Clá por aqui foi coroada de êxito tão retumbante (fotos no final deste post), tanto na nossa Cozinha quanto na redação, que já estamos de braços abertos e sacudindo coletivamente as cabeças "Sim! Sim! SIM!", esperando a próxima aparição especial.
Vamos então ouvir a Clarice: "Este bolo de papoula é da mesma estirpe do bolo de chocolate com amêndoas,são receitas que não levam farinha de trigo ou fermento e são feitas no Pessach, a páscoa judaica, período em que os judeus não comem nada com farinha de trigo e nem fermento.
Só que esse bolo tem uma pegadinha: não dá para comprar semente de papoula no Brasil, pois a Anvisa, nossa agência de vigilância sanitária, proibiu a venda de semente de papoula no país porque o ópio vem da papoula. Não importa que a semente seja absolutamente inocente e que as substâncias alucinógenas sejam extraídas do bulbo da papoula. A semente de papoula simplesmente não pode ser vendida aqui. Fora do Brasil é comercializada normalmente; portanto, quem viaja pode comprar tranquilamente e trazer. O outro drama desta receita é moer a papoula – etapa inevitável, já que faz uma diferença desgraçada para o êxito do bolo. E como moer a semente de papoula? Uso um moedor que a minha avó mandou trazer da Áustria, se não me engano. Reza a lenda que é possível comprar o moedor na Casa Húngara, em São Paulo, mas como nunca fui lá, é questão de pesquisar. A bem da verdade, o moedor de papoulas é um moedor de carne aparelhado com um disco mais fino. Eu diria que dá para usar um moedor de carne com o disco normal, basta passar as sementes de papoula duas vezes por ele. O que também funciona é um daqueles moedores de café, com uma grande desvantagem: dá uma detonada boa no aparelho. A moagem da papoula é uma atividade inglória, a papoula gruda na mão e em todos os lugares e a cozinha fica infestada de bolinhas pretas – mas é inevitável, e o bolo fica tão maravilhoso que vale o suplício. Enfim, é fundamental também deixar a papoula de molho no leite quente por uma meia hora para inchar e depois retirar o excesso de líquido: eu coloco em um pano de cozinha, faço uma trouxa, amarro na torneira da pia e deixo pingar durante uns 15 minutos. Pronto. Uma última observação: a receita original não levava curry, pimenta, sal e outros temperos. Fui incorporando os temperos com o tempo, eu acho que combina. Quem preferir a versão ortodoxa pode fazer sem tanto perfume.
Ingredientes:
250 g de semente de papoula
Leite, uns dois copos, mais ou menos
250 g de manteiga
500 g de chocolate amargo do bão
250 g de açúcar
Um tanto de conhaque (umas 3 colheres de sopa)
Baunilha (pode ser essência, mas da original é melhor, né?)
Curry
Sal
Pimenta do reino
Modo de preparo:
Deixe as sementes de papoula de molho no leite quente por meia hora.
Coloque em um pano limpo, faça uma trouxa, pendure em uma torneira da pia e deixe entre 15 minutos a meia hora, até escorrrer todo o excesso de leite. Use um pano de prato já velhinho, fininho. Uma fralda também funciona muito bem.
Passe a papoula pelo moedor, ela vai ficar com a aparência de uma massa não muito uniforme. (pode ser um moedor de café também, vá fazendo aos poucos).
– Derreta o chocolate com a manteiga (eu faço isso no microondas) e reservar.
– Separe as gemas das claras, e bata as gemas com açúcar até o ponto de fita (Sabe quando a gente levanta a batedeira e a melequinha cai, fazendo uma fita? É meio isso, o amarelo das gemas fica claro e parece um tipo de mousse.)
– Nessa mistura de gemas e açúcar, junte o chocolate com manteiga, a papoula, o curry, uma pitada generosa de sal, bastante pimenta do reino, a baunilha, o conhaque e misture bem até ficar uma massa homogênea. (as quantidades dos temperos meio que são a gosto do freguês)
– Bata as claras em neve com uma pitada de sal até ficarem bem firmes (você vira a tigela de ponta-cabeça e elas não caem).
– Vá misturando as claras em neve delicadamente, aos poucos, na massa. Como não se usa fermento nesse bolo, as claras em neve servem para que o bolo não sole, então não pode misturar com muita força, senão as bolhinhas explodem e o bolo murcha.
– Coloque a mistura numa forma untada com manteiga e farinha (eu uso aquelas formas redondas, que abrem na lateral) e deixe no forno médio (pré-aquecido) entre 180ºC e 200ºC. O bolo está assado quando você começar a sentir um cheiro de chocolate doce pelo ar e, ao espetar um palitinho bem no meio, o palito não sai muito melado, mas fica meio úmido.
Calda para cobrir o bolo:
– 4 colheres de sopa de chocolate em pó
– 5 colheres de sopa de açúcar
– 2 colheres de sopa de manteiga
– 1/2 xícara de leite
– Baunilha
Misture tudo numa panelinha e leve ao fogo até engrossar. Espalhe esse brigadeiro um pouco mais líquido sobre o bolo e……….. coma!”
Fundo musical recomendado pela Clarice para preparar este bolo pecaminoso e cheio de chocolate: