João Doria, do que sobrou do PSDB, não pode fazer oposição a Jair Bolsonaro, do PSL, nem que queira. Dados inéditos do Ibope revelam que 92% dos votos que elegeram o novo governador de São Paulo vieram de eleitores do presidente eleito. 92%. Parece exagero, e é mais do que parece. Para comparar: onze em cada dez analistas atribuem a inesperada eleição de Romeu Zema, do Novo, para o governo de Minas Gerais a sua traição ao presidenciável de seu partido, João Amoêdo, quando deu declaração de apoio a Bolsonaro no debate da Globo. Pois Zema teve 64% de seus votos vindos do eleitorado bolsonarista. É muito mas é quase um terço a menos do que o peso que Bolsonaro teve na eleição de Doria.
A migração em massa do eleitor de Bolsonaro para o candidato do PSDB em São Paulo foi consequência de uma bem-sucedida mudança de estratégia do tucano entre o primeiro e o segundo turnos. Doria deixou de lado as propostas e se concentrou em fazer campanha negativa contra o adversário, Márcio França, do PSB, a quem procurou colar a imagem de “comunista aliado do PT”. A ideia era que o antipetismo elegeria Doria sem precisar gostar dele. Deu tão certo que dois em cada três votos de eleitores de Bolsonaro foram “Bolsodoria”: digitaram 17 para presidente e 45 para governador. Só um quarto dos bolsonaristas votou em França, a despeito do apoio explícito que ele recebeu do Major Olímpio, presidente do PSL em São Paulo. O resto anulou, votou em branco.
O mérito da mudança de estratégia de Doria é ainda maior ao se levar em conta o vexame protagonizado pelo tucano. Ele viajou ao Rio de Janeiro junto com a deputada eleita pelo PSL paulista Joice Hasselmann durante a campanha de segundo turno para conseguir uma imagem ao lado de Bolsonaro. Ficou plantado esperando um encontro que nunca aconteceu. O eleitor bolsonarista votou em Doria não porque achou que o tucano era o candidato preferido de seu messias; votou contra o PT.
Não dá nem para dizer que foi um voto de protesto contra o establishment político, contra o continuísmo ou coisa que o valha. Afinal, o PSDB venceu todas as eleições para o governo de São Paulo desde 1994. Se o quarto de século de poder tucano provocou fadiga no eleitor, ela foi dividida com França, que era vice e assumiu o governo paulista no lugar de Geraldo Alckmin quando o tucano saiu para disputar a Presidência. Não foi uma eleição para votar a favor de nada. Foi do voto contra, especialmente em São Paulo. Para presidente e para governador.
O que determinou a eleição de Bolsonaro é um fenômeno do qual a vitória de Doria foi uma extensão. A maré conservadora que vem tomando corações e mentes de mais e mais eleitores brasileiros teve sua lua cheia nesta eleição. Atingiu níveis inéditos misturando moralismo com punitivismo e canalizando tudo para o antipetismo. Assim, até os fracassos do governo Temer acabaram na conta dos candidatos do PT ou daqueles que, como Márcio França, foram associados ao petismo pelo marketing adversário.
A total superposição de votos com Bolsonaro não é o único impeditivo para Doria conseguir formar um polo alternativo de poder para a sucessão de 2022. Sua tentativa de armar uma frente de governadores esbarra na mendicância dos tesouros estaduais. Nem tomaram posse, e os eleitos para governar os estados já foram pedir dinheiro a Bolsonaro. São dependentes do caixa da União e, por consequência, da boa vontade presidencial.
Assim, o tucano Eduardo Leite, eleito governador do Rio Grande do Sul com mais votos de eleitores do petista Fernando Haddad (53%) do que de Bolsonaro (43%), faz fila no beija-mão do presidente eleito. Não depende dos votos, mas depende da grana.
Financeira ou eleitoral, a Bolsonaro-dependência desestimula a formação de frentes de oposição fortes e amplas. Isso é um problema para outros candidatos a líderes oposicionistas como Ciro Gomes. Os governadores eleitos do seu partido, o PDT, estão do lado oposto ao dele quando se trata da relação com Bolsonaro.
Nem os governadores petistas são exceção, por enquanto. Quem não foi pessoalmente, mandou preposto pedir verbas federais em Brasília. Se continuarão nessa toada, dependerá da necessidade financeira e de o PT conseguir resolver sua crise interna de comando. Haddad teve dezenas de milhões de votos na urna eletrônica mas não tem nem sequer a simpatia da burocracia que comanda as poderosas estruturas do partido pelo qual se candidatou. Enquanto o petismo não se livrar do lulismo é improvável que consiga articular frente de oposição a Bolsonaro.
Resta a imprensa, ou parte dela. Daí o presidente eleito ter elegido o jornalismo independente como inimigo a ser batido. Assédio virtual, perseguição econômica e judicialização são as armas que se avistam no arsenal bolsonarista para o que os operadores do presidente já começaram a chamar de 3º turno.
Enquanto a imprensa faz o seu papel, a oposição vai posar de construtiva e esperar os erros do governo desgastarem a popularidade presidencial. Fará isso sentada e no ar condicionado. Sem muita pressa e disfarçando a torcida contra. Por enquanto, Bolsonaro é seu próprio e único inimigo.