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Bolsonaro não aceita imitação

Presidente sofre assédio de veteranos da velha política que prometem salvá-lo de si próprio

José Roberto de Toledo | 15 set 2021_12h49
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Parecia flashback. Na cena, Michel Temer está ladeado, à esquerda de quem olha, pelo anfitrião Naji Nahas, e à direita, pelo jornalista Antonio Carlos “Tonico” Pereira. Se o convidado de honra é ex-presidente, o dono da casa é ex-megaespeculador, e o terceiro, ex-editorialista-chefe do Estadão. Os afrescos nas paredes evocam o restaurante paulistano Massimo, onde o trio poderia estar dividindo um prato de comida numa tarde de 1991. Mas é pós-Sete de Setembro de 2021 e eles se divertem – ou simulam diversão. Nahas ri até os molares, Tonico mal entreabre os lábios, Temer sorri com os braços cruzados, em posição de defesa. O incômodo advém do motivo das risadas.

Na ponta da mesa, longe dos convidados mais importantes, um candidato a comediante destoa dos demais por ter quarenta anos a menos do que eles, no mínimo. É filho de Paulo Marinho, empresário carioca que ajudou a viabilizar a eleição de Flávio Bolsonaro como senador em 2018 e tornou-se seu suplente. Hoje rompido com o bolsonarismo, Marinho carregou para o jantar o filho notório por macaquear Jair Bolsonaro. Imitando cacoetes verbais do presidente, André Marinho ridicularizou a “carta à nação” que Bolsonaro assinou, Temer escreveu e na qual o atual presidente recuava das ameaças golpistas que fizera no Sete de Setembro. André misturou tortura e ministros do Supremo com molho branco e leite condensado para fazer piada. Foi aplaudido pelos empresários, caciques partidários, médicos, donos de tevê e comunicadores ao seu redor.

Nem todos acharam graça, porém.

A cena evocativa dos almoços no restaurante que alimentava os poderosos do Brasil nos anos 1990 poderia ter sido apenas isso, o saudosismo de um passado que não volta mais; de um tempo em que nomeavam ministros, redigiam decretos, influenciavam as cotações da Bolsa. Mas não foi. Era um ato de campanha. Na tentativa de lançar Temer de volta ao cenário eleitoral, seu marqueteiro, Elsinho Mouco, gravou tudo no celular e distribuiu as gravações pelas redes sociais. A ideia era mostrar Temer como um operador atuante, cercado de “kingmakers”, um sábio experiente a ser ouvido em momentos de calamidade. A completar a campanha eleitoral imaginária, apareceram filmetes do ex-presidente convidando as pessoas para conversar na internet, e cartazes de “Volta Temer” no ato fracassado de 12 de setembro. Deu ruim. Temer foi obrigado a gastar o seu latim se explicando para Bolsonaro.

Se riu da imitação, como disse ao antecessor, Bolsonaro não riu de Temer e seus amigos terem rido dele. Segundo o Drive Poder360, o presidente encerrou a conversa com Temer dizendo ao ex para ele não se preocupar. Outros ex de Bolsonaro ouviram a mesma recomendação.

Enquanto Temer frequentava o Massimo e presidia a Câmara, no finalzinho dos 1990, Bolsonaro assistia-o comandar os trabalhos parlamentares desde o fundo do plenário. Na época, o então deputado do baixo clero sentava ao lado de um de seus poucos amigos no Congresso, Alberto Fraga. Policial militar de formação, Fraga compartilhava com Bolsonaro ideias e comportamentos. Eram da mesma bancada da bala. Trocavam telefonemas de madrugada, quando deputados civis ainda não acordaram. O hábito madrugador vem desde quando os dois foram colegas na Escola de Educação Física do Exército, nos anos 1980. 

Convidado para o governo Bolsonaro, Fraga não podia aceitar cargo federal – e o presidente sabia – enquanto estava condenado por cobrança de propina quando exerceu o cargo de secretário de Transportes do Governo do Distrito Federal. Em março de 2020, Fraga ganhou um recurso no Tribunal de Justiça do DF, foi absolvido e avisou Bolsonaro: “Estou livre.” Ele sonhava ser ministro da Segurança do amigo de quarenta anos. Os convites, segundo Fraga contou ao repórter Vinícius Valfré, desapareceram. A amizade enfraqueceu ainda mais quando o ex-PM viu a esposa ficar internada 73 dias com Covid e morrer. Bolsonaro não foi ao enterro. Fraga e o presidente não trocam mais mensagens no WhatsApp.

Afogado em derrotas sucessivas no Congresso, Bolsonaro viu aparecerem nos dias seguintes ao Sete de Setembro candidatos a salva-vidas de seu governo, todos eles tubarões. Há cardumes do MDB, o partido de Temer, e do DEM, que planeja fundir-se ao PSL e tornar-se o maior partido do Congresso. O único que conseguiu nadar para perto de Bolsonaro foi Temer. Mas, depois do vídeo-imitação, é improvável que um jato da FAB volte a levar o ex-presidente para matar saudades de Brasília.

Melhor para o Arenão, a aliança de partidos fisiológicos que arrematou os contratos de locação do Palácio do Planalto e de concessão do Orçamento da União. A eles (PP e PL à frente), Bolsonaro terá, mais uma vez, que recorrer quando precisar apagar os incêndios periódicos que provoca na Praça dos Três Poderes. Para disfarçar o golpe com que sonha, Bolsonaro dificilmente voltará a recorrer a antigos frequentadores do Massimo. Pelo menos não àqueles que publicam vídeos no Instagram.

O Massimo era um dos raríssimos lugares onde um repórter de política corria o risco de esbarrar com seu patrão enquanto lavava as mãos no banheiro do restaurante. O encontro acidental deixava o jornalista preocupado com o que o dono do jornal deveria estar se perguntando: “Será que estou pagando a conta dele?”, ou “Ele ganha um salário que lhe permite comer aqui?”. A resposta à primeira pergunta era “sim”, já que à segunda era “não”.

Instalado no andar térreo de um flat na Alameda Santos, junto aos escritórios de multinacionais da Avenida Paulista e não longe das mansões do Jardim Europa, o Massimo foi, durante boa parte dos 37 anos de sua existência, o ponto de encontro de quem mandava. Quando ainda ditava o preço da prata no mundo, Naji Nahas tinha mesa fixa, junto à vidraça lateral, bem no meio do salão espaçoso e de pé-direito duplo. Delfim Netto costumava sentar-se mais ao fundo, na mesa 12, cuja visão desde a entrada era obstruída pelas floreiras que dividiam o ambiente e davam privacidade aos clientes mais discretos. Esses clientes podiam ser presidentes como Fernando Henrique Cardoso e José Sarney, ou eminências pardas como Antonio Carlos Magalhães e Ulysses Guimarães. 

No cardápio, massas e carnes. Nas paredes, trompe-l’oeils que simulavam uma vila italiana. No serviço, mais de um garçom por mesa, cada um deles treinado para adivinhar os desejos dos clientes e, não raro, se adiantar a eles. Na hora de pagar, nada de cartão de crédito. Os habitués assinavam a conta e acertavam a fatura no final do mês. 

Se o senador Flávio Bolsonaro tivesse frequentado o Massimo, por certo teria preferido pagar em dinheiro vivo. Mas isso nunca aconteceu. Fiéis à fama de outsiders, os Bolsonaros jamais foram vistos por lá. O Massimo fechou em 2013. Com ele, aposentou-se um jeito de fazer política, mesmo que nem todos os aposentados tenham se dado conta da aposentadoria.

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