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    ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO

questões eleitorais

Bolsonaro não queria sair da Santa Casa

A história de como a família do presidenciável dispensou o Sírio-Libanês, contrariou a vontade do candidato de ficar em Juiz de Fora e aceitou a proposta do tesoureiro do PSL de levá-lo para o Einstein

Consuelo Dieguez | 15 set 2018_17h10
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Se dependesse do candidato Jair Bolsonaro, ele teria ficado por mais tempo internado na Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Ao fim da bem-sucedida cirurgia para reparar os estragos da facada que perfurou seu intestino, o presidenciável do PSL disse aos familiares que desejava permanecer ali. Mas, a 470 quilômetros, em São Paulo, integrantes do seu partido pensavam diferente. Antes mesmo do fim do procedimento para conter a hemorragia no abdômen, aliados, políticos e médicos se mobilizavam para removê-lo do hospital mineiro. Não confiavam nos colegas do interior que haviam salvado a vida de Bolsonaro. Em vez da instituição filantrópica que também atende pelo Sistema Único de Saúde, o SUS, queriam levá-lo para um hospital de grife. Era uma visão desinformada e que logo se provaria equivocada.

Bolsonaro chegou à emergência da Santa Casa às 15h40 da quinta-feira, 6 de setembro, alternando momentos de consciência e inconsciência, exangue, com a pressão em 7 por 4 e correndo risco de morte. Entrou empurrado por um séquito de correligionários, políticos, auxiliares, além dos quatro policiais federais que o escoltavam. As reações beiravam a histeria. Enquanto os médicos tentavam estabilizá-lo antes de submetê-lo a uma ultrassonografia, parte do grupo tentou invadir a sala para acompanhar o procedimento. Foram contidos por funcionários do hospital.

Com as lesões confirmadas pelo ultrassom, o candidato foi levado às pressas para o centro cirúrgico, no 14º andar, onde uma equipe de médicos formada pelo cirurgião do aparelho digestivo Luiz Henrique Borsato e os cirurgiões-gerais José Otávio Junqueira e Gláucio Souza se preparava para operá-lo. Os policiais federais insistiram em seguir o paciente no elevador até o centro cirúrgico. Enquanto acompanhavam a maca, gritavam, aos prantos, pelos corredores: “Mataram meu capitão”, “Mataram meu presidente”.

A direção da Santa Casa chamou a Polícia Militar para colocar ordem no hospital. Cerca de trinta PMs, comandados pelo coronel Oterson Nocelli, se postaram nas entradas da emergência e dos elevadores com o objetivo de barrar invasores. Ainda assim, o movimento às portas do centro cirúrgico era grande. Gustavo Bebianno, presidente interino do PSL e um dos mais próximos auxiliares de Bolsonaro, não desgrudou do deputado até que fosse para a mesa de cirurgia. Bebianno teve um pico de pressão, passou mal e também precisou ser atendido.

Na entrada do centro cirúrgico, apoiadores do candidato bateram boca com funcionários da Santa Casa que, seguindo regras internas, pediam que entregassem os celulares à segurança, para evitar vazamento de imagens do paciente. A equipe da Santa Casa atendeu ao pedido, mas a de Bolsonaro não. Ainda com a cirurgia em curso, fotos do candidato na mesa de operação chegaram às redes sociais. A cirurgia foi narrada em tempo real pelo WhatsApp.

A guarda do presidenciável continuava inquieta. Dois policiais federais exigiram permanecer no centro cirúrgico. Já os que ficaram do lado de fora, ao saber que o autor do atentado, Adélio Bispo de Oliveira, havia sido levado à sede da PF na cidade, berravam no centro médico, como se estivessem numa delegacia, que era preciso descobrir “os mandantes do atentado”.

Por volta das 16 horas, o cirurgião vascular Paulo Gonçalves Junior foi chamado para ajudar na cirurgia. Ele suturou a veia mesentérica e uma tributária, que haviam sido atingidas, o que provocara uma hemorragia abundante. Havia também risco de contaminação pelo vazamento do conteúdo do intestino para a cavidade abdominal. O quadro era grave e “muito tenso”, como descreveria depois um dos cirurgiões em mensagem de WhatsApp para amigos. Alheios à confusão no hospital e em todo o país, os médicos da Santa Casa operavam o paciente.

Dezenas de jornalistas se amontoavam na porta do hospital e compartilhavam informações desencontradas. As primeiras notícias eram de que o deputado fora submetido a uma laparoscopia, um procedimento cirúrgico pouco invasivo mas que não é recomendado para casos como o de Bolsonaro. Na verdade, ele passava por uma laparotomia, cirurgia de alta complexidade que exige a abertura de todo o abdômen.

 

Quando saiu a notícia do atentado, por volta das 15h30, o advogado Victor Metta, do escritório Rosenthal Sarfatis Metta Advogados, participava de uma reunião com empresários no bairro dos Jardins, em São Paulo. Discutiam o plano de governo de Bolsonaro. Desde o ano passado, Metta é o tesoureiro do PSL em São Paulo. “Conheci Bolsonaro e seus filhos em 2016 e logo gostei deles”, contou-me o advogado, numa conversa por telefone. A afinidade com as ideias do candidato e de seus filhos foi imediata. Metta brincou: “Como dizem os umbandistas, nosso santo bateu.” Ao saber do atentado, o advogado acreditou ser algo de menor gravidade, já que falava-se em laparoscopia.

Por volta das 18 horas, Metta recebeu um telefonema da secretária do partido em São Paulo, Letícia Catel, sugerindo que eles fossem de carro até Juiz de Fora. A notícia de que o quadro do candidato era grave agora espalhava-se rapidamente. A partir daí, o celular de Metta não parou mais de tocar – eram amigos e correligionários, cada vez mais assustados. Preocupado, o advogado ligou para Antônio Luiz Macedo, cirurgião do aparelho digestivo do Hospital Israelita Albert Einstein. Metta pediu que viajasse com ele a Juiz de Fora. Sua preocupação, disse, era com o atendimento que Bolsonaro poderia receber de médicos de uma cidade do interior, operando em um hospital que ele imaginava ter poucos recursos. Ele temia que os cirurgiões “não estivessem capacitados” para atender um quadro grave como aquele. Um dos mais afamados especialistas do país em cirurgias no abdômen, Macedo concordou em acompanhá-lo.

A cirurgia de Bolsonaro terminou às 19h40. Em uma entrevista coletiva, os médicos da Santa Casa informaram que a intervenção tinha sido bem-sucedida e que o quadro de Bolsonaro era estável. Pouco depois, o diretor da Santa Casa, o médico Renato Villela Loures, recebeu uma ligação do colega Roberto Kalil, diretor-geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, que disputa com o Einstein o lugar de hospital mais renomado de São Paulo. Kalil comunicou a Loures que três médicos de sua equipe, entre eles a clínica Ludhmila Hajjar, que coordena a UTI do hospital paulistano, voariam num jatinho para Juiz de Fora. A essa altura o advogado Victor Metta e o médico Antônio Macedo seguiam para Jundiaí, a cerca de 60 quilômetros de São Paulo. Lá eles embarcariam no monomotor de propriedade da RSM Gestão, empresa que Metta possui em sociedade com Paulo Rosenthal, seu sócio também no escritório de advocacia. O destino era Juiz de Fora.

O diretor da Santa Casa disse desconhecer quem chamou os médicos do Sírio-Libanês. “O Roberto Kalil me disse que a família Bolsonaro se tratava no Sírio e, por isso, havia pedido que o hospital enviasse os médicos”, contou Loures. “Mas ninguém da família disse nada.” Já no caso do cirurgião Antônio Macedo, do Einstein, a informação que Loures recebeu era de que o médico viajaria a pedido de pacientes amigos, que “insistiram” que ele atendesse o candidato.

Àquela altura, Bolsonaro já se recuperava no Centro de Terapia Intensiva da Santa Casa. Lá, ele recebeu a visita do senador Magno Malta (PR-ES), apoiador de sua campanha. Do CTI, Malta gravou um vídeo em que o deputado, com voz fraca, agradece por estar vivo e diz nunca ter feito mal a ninguém. A mulher de Bolsonaro, Michelle, e Flávio Bolsonaro, filho do primeiro casamento do deputado, o acompanhavam no hospital. Os outros filhos ainda não tinham conseguido chegar.

O avião levando a equipe do Sírio-Libanês pousou em Juiz de Fora por volta das 23 horas. Os médicos examinaram Bolsonaro e, pouco depois, a Santa Casa divulgou uma nota à imprensa em que afirmava que os médicos do hospital paulista atestavam o sucesso da cirurgia. Passava da meia-noite quando o monomotor com o advogado Victor Metta e o médico Antônio Macedo pousou no aeroporto de Juiz de Fora. Eles seguiram de táxi até a Santa Casa. Lá, o cirurgião do Einstein examinou o paciente e concluiu o mesmo que os colegas do Sírio: a cirurgia havia sido bem-sucedida.

No começo da madrugada, houve uma conversa entre os médicos e a família do deputado sobre a transferência de Bolsonaro. O candidato, ainda bastante debilitado, argumentou que preferia ficar na Santa Casa – ele sentia-se bem e recebia bom atendimento. Seu filho Flávio, contudo, insistia na transferência. Sem condições de argumentar, a única exigência de Bolsonaro foi de que só iria se fosse para o Einstein. De acordo com testemunhas, ele disse não querer a internação no Sírio, por considerá-lo um hospital “dos políticos do PT”, pelo fato de Dilma Rousseff e de Luiz Inácio Lula da Silva terem sido tratados lá (os tucanos José Serra e Geraldo Alckmin também foram pacientes do hospital). Feita a opção pelo Einstein, a equipe do Sírio voltou para São Paulo.

A médica Ludhmila Hajjar, que chefiava a equipe do Sírio, me disse que não houve desentendimento entre ela e o médico Antônio Macedo, como foi noticiado. “Isso é mentira”, afirmou. “A família nos comunicou que, por motivos pessoais, ele preferia ir para o Einstein e nós entendemos. Não estávamos ali para pegar o paciente, e sim para examiná-lo.” Hajjar contou que ela e sua equipe deixavam o hospital justamente no momento em que o médico do Einstein chegava. “Eu e o Macedo nos cumprimentamos com dois beijos e nos despedimos. Não houve discussão.”

Durante a madrugada, os médicos da Santa Casa, junto com Macedo, avaliaram o quadro de Bolsonaro e concluíram que o paciente tinha condições de ser transferido para São Paulo, como sua família queria.

Apesar do desejo inicial de Bolsonaro de ficar onde estava, o diretor da Santa Casa me disse que, nessas horas, quando o paciente se encontra muito debilitado, a família decide o que fazer. Loures queixou-se, porém, que médicos da capital tendem a achar que hospitais do interior não têm estrutura, o que é um equívoco. “Somos um hospital moderno, de ponta, temos ISO 9001 e certificação de hospital-escola do Ministério da Educação.” O diretor disse que a estrutura do hospital é a mesma para qualquer paciente, seja famoso ou não. “A equipe que atendeu Bolsonaro era a equipe que estava de plantão naquele dia”, afirmou. “Não fizemos nada diferente da nossa conduta por ele ser candidato à Presidência. Não nos envolvemos com política.”

Às 8h20 de sexta-feira, 7 de setembro, Bolsonaro deixou a Santa Casa rumo ao aeroporto de Juiz de Fora. Ele foi embarcado em um jato da Líder Táxi Aéreo, contratado por Metta para levá-lo para São Paulo. O advogado estima que para fazer esta transferência a Líder tenha cobrado cerca de 20 mil reais. As despesas, tanto do médico, quanto do hospital e do transporte aéreo seriam cobertas pelo plano de saúde da Câmara dos Deputados a que o deputado tem direito, e que funciona pelo sistema de reembolso. Isso significa que Bolsonaro teria que pagar pelo deslocamento e pelo tratamento no Einstein, apresentar a conta para a mesa diretora da Câmara que decide pelo reembolso. Metta afirmou, contudo, que, como a companhia de táxi aéreo está segura de que o pedido de reembolso é aceito, não cobrou antecipadamente para fazer o deslocamento do candidato para São Paulo.

Já a despesa de Metta para transportar o médico do Einstein em seu monomotor até Juiz de Fora será paga por ele próprio. Metta estima ter gasto 4 mil reais em combustível pelo trajeto. Seu sócio, Paulo Rosenthal, me disse ter apreciado a atitude de Metta. “Não foi um gesto político, foi um gesto humanitário”, afirmou. “Um gesto para o único candidato capaz de tirar o país desse horror em que nos encontramos.” Rosenthal diz que parte da comunidade judaica apoia Bolsonaro, mas ele não é uma unanimidade. “A comunidade tem posições muito variadas.”

 

Durante toda a tarde do dia 6, ainda enquanto Bolsonaro era operado, várias companhias aéreas ligaram para o hospital se oferecendo para buscá-lo. “Nunca vi disso”, disse uma funcionária do hospital. “Era muita gente querendo se aproveitar da situação. Do que o ser humano é capaz.” Bolsonaro chegou à capital paulista às 10 horas de 7 de setembro, e deu entrada no Einstein 40 minutos depois.

Nos dias seguintes, Bolsonaro e familiares experimentariam mudanças tanto no quadro clínico do candidato quanto na precaução demonstrada pelos textos dos boletins médicos antes e depois da segunda cirurgia de emergência pela qual ele passaria.

O candidato foi internado na Unidade de Terapia Intensiva do Einstein, onde permaneceu durante quatro dias. Os primeiros boletins médicos falavam nas “boas condições clínicas” do paciente. Logo no dia seguinte à entrada no hospital, Bolsonaro passou um período fora da cama, sentado na poltrona e caminhando pelo quarto, auxiliado pela equipe médica. “O tempo será gradualmente aumentado nos próximos dias, conforme a tolerância do paciente”, informava o boletim das 18h10 de 8 de setembro. O objetivo era reduzir riscos de trombose, de complicações de pulmão e, conforme a nota, “acelerar a recuperação do funcionamento do intestino”.

Na tarde do domingo, 9 de setembro, dois dias depois da chegada, os médicos falaram em “regressão” do trauma e que, nos dias seguintes, seria “possível que o paciente passe a ingerir alimentos por via oral”. Dois dias mais tarde, na manhã de terça-feira, 11 de setembro, a alimentação oral foi de fato reintroduzida. Nesse mesmo dia, Bolsonaro recebeu alta da UTI e passou para uma unidade de terapia semi-intensiva, conforme o boletim das 20 horas daquela terça-feira. A nota do hospital falava do início de uma “dieta leve”, com “boa tolerância do paciente, sem apresentar náuseas ou vômitos”.

Logo na manhã seguinte, porém, o prognóstico já não tinha o mesmo tom positivo. O boletim das 11 horas da quarta-feira, dia 12, informava que a alimentação oral havia sido suspensa, por causa de uma distensão abdominal, e Bolsonaro voltara a receber alimentação endovenosa. Às 20 horas daquela mesma quarta-feira, o inchaço da barriga persistia e, mais tarde, o quadro evoluiu para “distensão abdominal progressiva e náuseas”. Bolsonaro foi submetido a uma tomografia de abdômen. Os médicos constataram uma aderência obstruindo o intestino delgado, segundo o boletim das 23 horas desse mesmo dia 12. O quadro do candidato voltara a ficar grave.

Nessa mesma noite, Bolsonaro teve de passar por uma nova cirurgia, de urgência, para desfazer as aderências no intestino e liberar a obstrução. Houve “extravasamento de secreção intestinal (…) em uma das suturas realizadas anteriormente para correção dos ferimentos intestinais”, conforme apontou o boletim das 9h30 do dia seguinte à cirurgia, quinta-feira, dia 13. A cirurgia de duas horas, segundo o Einstein, foi bem-sucedida. Pouco mais de 24 horas depois de receber alta da UTI, Bolsonaro voltou à unidade de terapia intensiva – onde permanece até este sábado.

Em “grandes traumas abdominais” como o do candidato, prossegue o boletim que trata da cirurgia de urgência, a complicação “é mais frequente do que em cirurgias programadas”. Ao dizerem que esse tipo de aderência é mais comum em traumas do que nas intervenções planejadas, os médicos se referem à cirurgia na Santa Casa, na qual os cirurgiões tiveram que se defrontar com uma poça de sangue e fezes dentro da cavidade abdominal de Bolsonaro.

Depois da segunda cirurgia de emergência, pôde-se observar mudanças: embora o tom otimista dos boletins médicos continue, o hospital restringiu as visitas de políticos, Bolsonaro foi desaconselhado a gravar vídeos de campanha, e os prognósticos de alta se tornaram vagos. O que era pressa para tirá-lo da Santa Casa virou precaução em mantê-lo o tempo que for necessário no Einstein.

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