Exibido pela primeira vez na televisão brasileira nessa terça-feira (7/8, 0h15min, no Canal Brasil), está disponível há mais de um ano na internet e pode ser comprado há algum tempo, em DVD. Sem deixar de ser um marco, ainda que de alcance restrito em função do horário e da audiência, essa exibição não foi, portanto, a primeira oportunidade de assistir o documentário dirigido por Haskell Wexler e Saul Landau.
É verdade, por outro lado, que é pouco conhecido, mesmo estando acessível há algum tempo. Como explicar que findo o regime militar, e mais ainda a partir das facilidades surgidas com o DVD e a internet, na década de 1990, não tenha sido visto e debatido em âmbito maior?
Haverá muitas explicações, entre as quais talvez se destaque a rejeição ao tema. A tendência dominante, no Brasil, de confundir anistia com esquecimento, responsável pela resistência à criação da Comissão da Verdade, não deve ser desconsiderada.
Outra hipótese é que tenha em si mesmo algo que iniba sua exibição e o tenha mantido obscuro por mais de 40 anos. O que seria?
Não cabe questionar Wexler e Landau por terem aproveitado a oportunidade de filmar, em janeiro de 1971, no Chile, depoimentos de valor jornalístico e documental indiscutível. Muito menos, o direito legítimo dos recém-chegados militantes brasileiros de darem seu testemunho sobre as torturas a que haviam sido submetidos na prisão, e que continuavam sendo praticadas em seus companheiros nas prisões brasileiras.
É possível supor, inclusive, que entre os integrantes do grupo houvesse quem tenha visto na filmagem a possibilidade de expiar sua culpa por estar em liberdade. Afinal, Eduardo Leite, o Bacuri, militante da luta armada, foi assassinado na prisão, por militares, no dia seguinte ao sequestro do embaixador suiço, para evitar que fosse libertado. O governo brasileiro se recusara, além do mais, a soltar treze integrantes da lista inicial apresentada, justamente os considerados mais importantes. E dezoito presos se recusaram a sair do Brasil. Os que chegaram ao Chile eram, portanto, sobreviventes, condição propícia ao sentimento de culpa.
Passadas quatro décadas, o impacto dos relatos incluídos em perdeu parte da força que certamente tiveram na época, especialmente para seus poucos espectadores de então, em particular os desinformados ou incrédulos sobre o que ocorria no Brasil. Vistos hoje, depois de tudo que já foi relatado, publicado e exibido sobre a prática da tortura naquele período, é difícil imaginar que haja alguma novidade no que é dito no documentário de Wexler e Landau.
Ainda assim, o valor documental do registro permanece. Questionável é o fato dos realizadores filmarem encenações de torturas, com um chileno da equipe e dois outros “atores” – uma moça e um rapaz não identificados, mas que parecem ser integrantes do grupo de militantes brasileiros – no papel de torturados, e alguns inclusive no papel de torturadores. Wexler e Landau revelam total falta de comedimento, decoro e pudor, ao transformar o sofrimento alheio em espetáculo – procedimento para o qual só há uma palavra – obsceno.
A filmagem começou no dia 20 de janeiro, apenas uma semana depois do chamado Grupo dos 70 chegar a Santiago, após um mês de negociações com o governo brasileiro, iniciadas com a captura do embaixador suiço pela Vanguarda Popular Revolucionária. É possível imaginar o estado de espírito do grupo, apenas sete dias depois de estar em liberdade, e entender que os militantes que concordaram em participar do filme sentissem o dever de denunciar a repressão e o regime ditatorial, divulgando as atrocidades que cometia. Menos compreensível, em retrospecto, é terem concordado em atuar como torturados e torturadores, como se participassem de uma brincadeira no jardim.
Essas constrangedoras sequências, resultantes da falta de discernimento dos participantes e da obscenidade de Wexler e Landau, talvez expliquem por que ficou tantos anos na obscuridade.