A partir de meados do século XIX, artistas de maior ou menor talento cultivaram o costume de escrever ocasionalmente cartas ilustradas com desenhos e aquarelas. O desenho podia justificar-se quando pretendia explicar mais precisamente algo que a carta descrevia (como quando Van Gogh esboçava para seu irmão o quadro que estava pintando) ou, às vezes, a ilustração tinha função apenas decorativa, para agradar o destinatário da carta: uma moça que o pintor desejava conquistar, um mecenas que o artista queria manter ou simplesmente um amigo a quem mostrar um pouco de seu talento.
Há hoje importantes coleções institucionais de cartas ilustradas em museus e bibliotecas de todo o mundo. Também um certo número de colecionadores particulares procuram ativamente as mais belas peças, muitas vezes com o intuito de formar coleções que terão como destino final fundações e instituições. Recentemente, uma coleção que permaneceu por mais de 60 anos nas mãos de um casal de Nova Iorque foi dispersada em leilão e atingiu preços recordes. Era formada por cartas com aquarelas de grandes pintores como Manet, Picasso, Gauguin e Toulouse Lautrec e a disputa foi muito acirrada.
A carta reproduzida nesta página é de um dos nomes destacados da arte brasileira da primeira metade do século XX, Cícero Dias. Autor, entre 20 e 30 anos, de centenas de aquarelas inspiradíssimas, executadas em estilo algo surrealista, ou mesmo chagalliano, durante a década de 1920, Cícero deve sua fama sobretudo a sua obra de juventude, ainda que tenha produzido até os 90 anos.
Nesta carta, dos anos 1960, dirigida por ele a um casal de amigos, o artista recorre a um pequeno desenho em caneta esferográfica para reforçar a mensagem que passa de Paris, onde vivia, aos conterrâneos.
Antecipando uma próxima vinda ao Brasil, Cícero escreve: “Estamos com planos nacionais: cajus, canjica e praia”. Desenha então um caju com castanha sobrepondo-se a uma praia, vista de uma janela e corrige o desenho com o texto abaixo: “Apenas o caju deveria estar com a cabeça para baixo”…
A carta continua com um recado aos amigos e um parágrafo carinhoso de sua mulher francesa, Raymonde.