Antes do jogo com o Chile, pelas oitavas de final da Copa do Mundo, Carlos Alberto Parreira declarou que a partir dali valia menos a parte técnica ou tática, e o que decidiria as partidas seriam “a atitude e o caráter dos jogadores”.
De acordo com a lógica de Parreira, os jogadores da seleção brasileira se mostraram mais ou menos honrados contra o Chile – demos uma sorte danada –, tiveram caráter contra a Colômbia e foram uns salafrários diante da Alemanha.
Na entrevista coletiva após a derrota por cinco a zero para a Chapecoense, Abel Braga disse que agora o Internacional jogaria “pela dignidade”.
Assim, e tendo a dignidade como mote, tomemos os cinco últimos jogos do Inter. Apesar da derrota por dois a um, o time fez um bom segundo tempo contra o Cruzeiro, no Mineirão. Dignidade padrão médio. Foi pusilânime em Chapecó, recuperou a honra na vitória sobre o Fluminense – com direito a derramadas emoções no gramado – e, na derrota em casa para o Corinthians, mereceu outra explicação curiosa: nas palavras de Abel, “jogamos feito adultos e levamos dois gols feito crianças”. Ontem, em mais uma derrota e dessa vez para o Flamengo, não foi possível avaliar caráter ou dignidade, pois um clube que cogita ser campeão não pode terminar o jogo com Rafael Moura e Wellington Paulista no ataque.
Concordo que treinador de futebol precisa se ocupar de fatores extracampo, ser sábios para perceber quais decisões podem afetar o time para o bem ou para o mal, gerenciar egos etc., e talvez seja por isso que recebam salários de matar de inveja até presidentes de poderosas multinacionais. Entretanto, algumas das suas declarações servem para tirar dos próprios ombros a responsabilidade de montar times bem preparados, técnica epsicologicamente, para encarar as mais variadas situações que podem acontecer numa partida.
É comum ouvir esse tipo de argumento, tantodos comentaristas especializados quanto nas conversas de botequim: o técnico arruma o time, traça a estratégia, treina a semana inteira, aí os caras tomam um gol com dois minutos e vai tudo por água abaixo. Ora, que técnico é esse?
Qualquer time está sujeito a levar gol a partir do momento em que a bola rola, e por isso tem que estar treinado para reagir. Diz a lenda que na final da Copa de 58, quando a Suécia abriu o placar, Didi pôs a bola embaixo do braço e, enquanto a carregava até o centro do campo para a nova saída, dizia aos companheiros algo como “agora vamos encher esses gringos.” Encheram.
Outra dessas boas histórias envolve o excelentíssimo senhor senador da República Romário de Souza Faria. Na final da Copa Mercosul de 2000, contra o Palmeiras no estádio Palestra Itália, o Vasco desceu para o intervalo perdendo por três a zero. O Baixinho estava uma arara quando entrou no vestiário, e perguntou em voz alta: “É isso mesmo? A gente vai perder pra esse time horroroso deles?” O Vasco voltou, virou o jogo para quatro a três e levou a taça.
Admitir que seu time tomou gols que nem criança revela sinceridade, mas o que Abel precisa fazer é mais do que ser franco: ele tem é que montar um sistema defensivo eficiente, que impeça o Inter de levar gols pueris. O fato de ser reconhecido como um sujeito correto e dedicado dá a Abel o benefício da dúvida, mas uma pergunta se faz inevitável: se o cara treina direito, explica direito e escala direito, chega na hora e os caras dentro de campo fazem errado, será que o treinador é mesmo tão importante como acreditam 95% dos jornalistas esportivos e nós, torcedores?
Já no caso de Parreira, ajudar Felipão a deixar o time bem armado, sabendo o que precisava ser feito para produzir um bom jogo e tendo confiança para sofrer um gol e seguir em frente – em vez de virar um bando e levar mais quatro em seis minutos –, teria sido muito mais útil do que essa conversa mole de caráter. Que, diga-se, não é coisa que muda assim tão fácil de quarta-feira para domingo.