“Eu me sinto como uma intensivista da UTI no período da pandemia, só que a minha pandemia é a da desinformação”, afirmou a ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ao diretor de redação André Petry e à repórter Consuelo Dieguez durante a mesa de abertura dos Encontros piauí, evento promovido pela revista em parceria com o YouTube que acontece neste sábado (10), no Instituto Moreira Salles – IMS Paulista.
No evento, Cármen Lúcia comentou o acordo firmado com plataformas digitais na última semana: Google, LinkedIn, X (antigo Twitter), Kwai, TikTok, Telegram, Facebook, WhatsApp e Instagram. Pelo documento assinado pelas empresas, a Justiça eleitoral determinará prazos de 24 horas (às vezes, bem menos) para a remoção de conteúdos identificados como falsos, como já acontecia na última eleição.
A novidade é que, em casos de fake news repetida, sobre a qual já houve decisão judicial anterior, a retirada deve ser imediata. A ministra explicou aos convidados que criou um repositório de jurisprudência de fake news, para o qual estão credenciados juízes eleitorais e as próprias plataformas. “Se um conteúdo do repositório já foi removido [das redes] por um juiz porque foi considerado desinformação, a retirada será de imediato”, afirmou a ministra. Como a mesma fake news pode ser replicada nos 5.568 municípios brasileiros, nos casos em que já tem uma ordem judicial de remoção do conteúdo, não é necessário expedir a mesma decisão novamente, explicou a ministra.
“Quando se mente, deprecia, desinforma, descontextualiza e contamina, é preciso ter uma resposta judicial coerente e nas mesmas condições e tempo do foi gerado – e das consequências que isso pode acarretar”, enfatizou Cármen Lúcia. Ela afirmou ter que lidar com quatro principais desafios na propaganda eleitoral e nas eleições em geral, que chama de 4 Vs: o volume de dados, a velocidade, a viralização e a verossimilhança – esta última devido aos conteúdos com deep fake, que cria vídeos que parecem reais.
A ministra preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde junho e conduzirá as eleições municipais deste ano, nas quais haverá mais de 513 mil candidatos a prefeito e vereador. Ela foi a primeira mulher a ocupar a presidência da corte, entre 2012 e 2013, e está na posição pela segunda vez.
Mineira de Montes Claros, Cármen Lúcia é ministra do STF desde 2006, quando foi indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para substituir Nelson Jobim. Neste ano, ela completou dezoito anos como ministra do Supremo. Apesar dos posicionamentos firmes, ela tem um perfil mais apaziguador e conciliador do que Alexandre de Moraes, antecessor na presidência do TSE. Quando indagada por André Petry sobre a diferença de gestão entre os dois, Cármen Lúcia afirmou que “o ministro teve importantíssima atuação na eleição passada. Não foi duro, mas rigoroso em relação aos termos da lei, como tinha e tem que ser”.
Cada eleição é uma eleição diferente, em especial quando as disputas acontecem na dimensão das cidades — e a proximidade dos candidatos com o eleitores é maior (“é meu vizinho, é meu cunhado, cuida da minha filha…”). “Nos pleitos municipais, há polarização, mas não se compara com o que aconteceu na eleição de 2022.”
O nível de confiança dos brasileiros nas urnas eletrônicas voltou a aumentar, o que é motivo de comemoração para a presidente do TSE. “Temos dois anos de trabalho intenso até chegar no dia do pleito. O elo de confiança da Justiça Eleitoral com a população – e que já tentou ser quebrado – faz com que o elo de democracia seja mais sólido”, disse.
Quando perguntada sobre a relação do governo brasileiro com o venezuelano, no contexto do imbróglio da eleição presidencial com o país vizinho, Cármen Lúcia tirou gargalhadas da plateia ao esquivar elegantemente em sua resposta: “a Justiça é cega, então política é política e direito é direito.”
Na última terça-feira, dia 6, entrou em funcionamento um canal de denúncias telefônico no número 1491, no qual o cidadão poderá relatar à Justiça Eleitoral a propagação de notícias falsas. A ligação é gratuita.
Os Encontros piauí acontecem neste sábado (10), no auditório do Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo. O evento reúne jornalistas e personalidades da política brasileira para conversas sobre as eleições deste ano e como elas serão base para a corrida presidencial de 2026.
Também houve um painel sobre confiança no processo eleitoral, mediado pelo editor da piauí Guilherme Henrique, com participação de Alana Rizzo, líder de políticas públicas do YouTube no Brasil, e João Brant, secretário de políticas digitais da governo; outro sobre jornalistas mulheres na cobertura política, mediada por Catarina Alencastro, gerente de parcerias estratégicas do YouTube, com a participação de Marina Dias (The Washington Post), Camila Mattoso (Folha de S.Paulo) e Basília Rodrigues (CNN Brasil); e o cientista político André Singer avaliou o momento eleitoral em um painel mediado pelos jornalistas Luigi Mazza, editor da piauí, e Flavia Lima, secretária assistente de Redação e editora de diversidade no jornal Folha de S.Paulo.
O evento também terá uma edição especial ao vivo do Foro de Teresina.