No ano passado, a CBF gastou 113,5 mil reais com o pagamento do IPVA dos carros que não está usando Foto: Reprodução
Os carros de luxo esnobados pela CBF
Em 2023, a Fiat entregou à entidade dez veículos no valor total de 2,9 milhões de reais, para quitar um contrato de patrocínio. Até hoje eles não foram buscados na concessionária
O Jeep Commander Overland é um dos veículos mais caros produzidos pelo grupo Fiat no Brasil. Tem câmbio automático, tração dianteira, motor 2.0 turbodiesel, rodas de liga leve, teto solar e acabamento interno em couro e suede. Em novembro de 2023, a montadora italiana disponibilizou oito desses SUVs, além de um Jeep Compass e um Fiat Mobi, todos zero quilômetro, para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Os dez automóveis, juntos, custavam 2,9 milhões de reais e foram oferecidos pela Fiat como forma de pagamento por um contrato de patrocínio firmado com a entidade. Passado um ano e meio, no entanto, nenhum dos veículos foi retirado pela CBF. Eles acumulam poeira em pátios de concessionárias do grupo Fiat no Rio de Janeiro.
O contrato de patrocínio foi assinado em fevereiro de 2019 pelo então presidente da CBF, o coronel Antonio Carlos Nunes de Lima, e valeu por quatro anos. A Fiat patrocinou as seleções masculina e feminina de futebol, além das seleções olímpicas e de base. Acertou-se, na época, que o pagamento por esse espaço de divulgação seria feito com carros zero quilômetro, das marcas Fiat ou Jeep (ambas de propriedade do grupo Fiat), no valor de 6 milhões de reais por ano. A parceria foi anunciada em um evento na sede da CBF, no Rio, com direito à presença de Tite, técnico da Seleção masculina na época.
A piauí apurou que a Fiat repassou, ao todo, 124 veículos à CBF nesses quatro anos. Os automóveis, em sua maioria modelos populares como o Fiat Cronos, tiveram destinos variados. Alguns foram entregues a federações estaduais de futebol e a clubes; outros foram sorteados entre torcedores em intervalos de jogos; e parte deles foi dada a árbitros e jogadores como uma forma de premiação. Em 2023, por exemplo, a goleira Luciana, da Ferroviária, de Araraquara (SP), foi sorteada e ganhou um Fiat Pulse depois que a Seleção feminina, pela qual ela atuou, venceu a Copa América.
Outra parte dos automóveis foi destinada à cúpula da CBF. Ednaldo Rodrigues, que assumiu a entidade em 2021 e se reelegeu este ano, foi contemplado com três Jeep Commander para uso pessoal seu e de sua família (os três foram blindados a um custo total de 210 mil reais, pagos pela CBF), além de outros três Jeep Compass, normalmente utilizados pelos seguranças que escoltam o presidente. (Rodrigues é afeito a carros luxuosos: além dos SUVs disponibilizados no contrato com a Fiat, ele costuma se deslocar em um Jeep Cherokee importado e em uma Mercedes Benz E250, ambos blindados e registrados em nome da CBF.)
Embora o contrato de patrocínio tenha se encerrado em fevereiro de 2023, restou um saldo de pouco menos de 3 milhões de reais a serem pagos pela Fiat. Foi por isso que, em novembro daquele ano, a montadora disponibilizou à CBF os oito Jeep Commanders (quatro na cor cinza, três prata e um preto), o Jeep Compass (preto) e o Mobi (prata), liquidando de vez o valor que devia à entidade. Os dez veículos poderiam ser destinados a alguma federação ou até mesmo revendidos, mas estão inutilizados. Para piorar, ainda custam dinheiro: no ano passado, a CBF gastou 113,5 mil reais com o pagamento do IPVA desses carros.
O descaso com o patrimônio se soma a outros problemas (seja por má gestão, seja por desvio de verbas) sob a chefia de Ednaldo Rodrigues Gomes, conforme revelado em reportagem da piauí no começo do mês. Enquanto ignora os dez carros novos em folha, a CBF gasta dinheiro terceirizando o transporte de seus funcionários e cartolas. Hoje, o serviço é prestado por uma empresa do motorista particular de Rodrigues, Anderson Castro de Souza. Em um único dia de março de 2022, ele transportou 36 cartolas dos aeroportos – uns do Galeão, outros do Santos Dumont – até a sede da CBF, na Barra da Tijuca. Cobrou 158 mil reais. (Se, no trajeto mais longo, do Galeão à Barra, a CBF tivesse colocado cada cartola num Uber Black individual, o modelo mais caro, teria desembolsado 11 mil reais, ida e volta.)
A CBF registrou uma receita líquida de 1 bilhão de reais em 2023. Ainda assim, segundo relatam funcionários e ex-funcionários ouvidos pela piauí, a área financeira já teve dificuldades para fazer pagamentos comezinhos, como o conserto do controle remoto da tevê em que o ex-técnico Dorival Júnior assistia a partidas de futebol. Em 2024, o pessoal do financeiro atrasou o pagamento desse serviço por quase duas semanas até receber autorização de Rodrigues (o melhor controle do mercado não custa 150 reais).
Uma ex-funcionária, contratada na gestão de Rodrigues, conta que se deparava com uma baderna administrativa: contratos espalhados pelas gavetas de várias diretorias e ordens de pagamento sem registros formais. “Fiquei com a impressão de que a desorganização era proposital”, disse. A CBF responde hoje a 43 protestos em cartório por dívidas que somam 2,6 milhões de reais – quase o mesmo valor dos carros da Fiat que não foram buscados.
Procurada, a assessoria da CBF não respondeu a piauí até o fechamento desta reportagem (a entidade realiza nesta terça-feira, no Rio de Janeiro, uma assembleia geral ordinária com a presença de todos os presidentes de federações). A Fiat, que não renovou o contrato de patrocínio com a CBF, também foi procurada pela piauí, mas não respondeu aos contatos.
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