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    No ano passado, a CBF gastou 113,5 mil reais com o pagamento do IPVA dos carros que não está usando Foto: Reprodução

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Os carros de luxo esnobados pela CBF

Em 2023, a Fiat entregou à entidade dez veículos no valor total de 2,9 milhões de reais, para quitar um contrato de patrocínio. Até hoje eles não foram buscados na concessionária

Allan de Abreu, do Rio de Janeiro | 29 abr 2025_17h28
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O Jeep Commander Overland é um dos veículos mais caros produzidos pelo grupo Fiat no Brasil. Tem câmbio automático, tração dianteira, motor 2.0 turbodiesel, rodas de liga leve, teto solar e acabamento interno em couro e suede. Em novembro de 2023, a montadora italiana disponibilizou oito desses SUVs, além de um Jeep Compass e um Fiat Mobi, todos zero quilômetro, para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Os dez automóveis, juntos, custavam 2,9 milhões de reais e foram oferecidos pela Fiat como forma de pagamento por um contrato de patrocínio firmado com a entidade. Passado um ano e meio, no entanto, nenhum dos veículos foi retirado pela CBF. Eles acumulam poeira em pátios de concessionárias do grupo Fiat no Rio de Janeiro.

O contrato de patrocínio foi assinado em fevereiro de 2019 pelo então presidente da CBF, o coronel Antonio Carlos Nunes de Lima, e valeu por quatro anos. A Fiat patrocinou as seleções masculina e feminina de futebol, além das seleções olímpicas e de base. Acertou-se, na época, que o pagamento por esse espaço de divulgação seria feito com carros zero quilômetro, das marcas Fiat ou Jeep (ambas de propriedade do grupo Fiat), no valor de 6 milhões de reais por ano. A parceria foi anunciada em um evento na sede da CBF, no Rio, com direito à presença de Tite, técnico da Seleção masculina na época.

A piauí apurou que a Fiat repassou, ao todo, 124 veículos à CBF nesses quatro anos. Os automóveis, em sua maioria modelos populares como o Fiat Cronos, tiveram destinos variados. Alguns foram entregues a federações estaduais de futebol e a clubes; outros foram sorteados entre torcedores em intervalos de jogos; e parte deles foi dada a árbitros e jogadores como uma forma de premiação. Em 2023, por exemplo, a goleira Luciana, da Ferroviária, de Araraquara (SP), foi sorteada e ganhou um Fiat Pulse depois que a Seleção feminina, pela qual ela atuou, venceu a Copa América.

Outra parte dos automóveis foi destinada à cúpula da CBF. Ednaldo Rodrigues, que assumiu a entidade em 2021 e se reelegeu este ano, foi contemplado com três Jeep Commander para uso pessoal seu e de sua família (os três foram blindados a um custo total de 210 mil reais, pagos pela CBF), além de outros três Jeep Compass, normalmente utilizados pelos seguranças que escoltam o presidente. (Rodrigues é afeito a carros luxuosos: além dos SUVs disponibilizados no contrato com a Fiat, ele costuma se deslocar em um Jeep Cherokee importado e em uma Mercedes Benz E250, ambos blindados e registrados em nome da CBF.)

Embora o contrato de patrocínio tenha se encerrado em fevereiro de 2023, restou um saldo de pouco menos de 3 milhões de reais a serem pagos pela Fiat. Foi por isso que, em novembro daquele ano, a montadora disponibilizou à CBF os oito Jeep Commanders (quatro na cor cinza, três prata e um preto), o Jeep Compass (preto) e o Mobi (prata), liquidando de vez o valor que devia à entidade. Os dez veículos poderiam ser destinados a alguma federação ou até mesmo revendidos, mas estão inutilizados. Para piorar, ainda custam dinheiro: no ano passado, a CBF gastou 113,5 mil reais com o pagamento do IPVA desses carros.

O descaso com o patrimônio se soma a outros problemas (seja por má gestão, seja por desvio de verbas) sob a chefia de Ednaldo Rodrigues Gomes, conforme revelado em reportagem da piauí no começo do mês. Enquanto ignora os dez carros novos em folha, a CBF gasta dinheiro terceirizando o transporte de seus funcionários e cartolas. Hoje, o serviço é prestado por uma empresa do motorista particular de Rodrigues, Anderson Castro de Souza. Em um único dia de março de 2022, ele transportou 36 cartolas dos aeroportos – uns do Galeão, outros do Santos Dumont – até a sede da CBF, na Barra da Tijuca. Cobrou 158 mil reais. (Se, no trajeto mais longo, do Galeão à Barra, a CBF tivesse colocado cada cartola num Uber Black individual, o modelo mais caro, teria desembolsado 11 mil reais, ida e volta.)

A CBF registrou uma receita líquida de 1 bilhão de reais em 2023. Ainda assim, segundo relatam funcionários e ex-funcionários ouvidos pela piauí, a área financeira já teve dificuldades para fazer pagamentos comezinhos, como o conserto do controle remoto da tevê em que o ex-técnico Dorival Júnior assistia a partidas de futebol. Em 2024, o pessoal do financeiro atrasou o pagamento desse serviço por quase duas semanas até receber autorização de Rodrigues (o melhor controle do mercado não custa 150 reais).

Uma ex-funcionária, contratada na gestão de Rodrigues, conta que se deparava com uma baderna administrativa: contratos espalhados pelas gavetas de várias diretorias e ordens de pagamento sem registros formais. “Fiquei com a impressão de que a desorganização era proposital”, disse. A CBF responde hoje a 43 protestos em cartório por dívidas que somam 2,6 milhões de reais – quase o mesmo valor dos carros da Fiat que não foram buscados.

Procurada, a assessoria da CBF não respondeu a piauí até o fechamento desta reportagem (a entidade realiza nesta terça-feira, no Rio de Janeiro, uma assembleia geral ordinária com a presença de todos os presidentes de federações). A Fiat, que não renovou o contrato de patrocínio com a CBF, também foi procurada pela piauí, mas não respondeu aos contatos.

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