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    General Villas Bôas, em audiência na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, em 2017 FOTO: MARCELO CAMARGO/EBC/FOTOS PÚBLICAS

anais da República

A caserna como última instância

Poder militar cresce, Temer ruma para a irrelevância, e Lula fica mais perto da cadeia

José Roberto de Toledo | 04 abr 2018_21h33
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De 1994 a 2014, a última instância decisória no Brasil foi a urna, onde cabiam até 142 milhões de votos. Em 2016, o quórum foi reduzido a 513 eleitores, com a transferência da palavra final, na prática, para a Câmara dos Deputados. Mas não por muito tempo. Impedida Dilma Rousseff, logo o Supremo tratou de mandar para a cadeia o deputado comandante do impeachment. Os magistrados mostraram quem manda. A novidade da semana foi que o comandante do Exército tentou constranger esses onze votos. Parecia querer subjugá-los ao seu. Quase conseguiu.

Não de fato, mas, nas aparências. Ao dar o voto que faltava contra a concessão do habeas corpus ao ex-presidente Lula, Rosa Weber fez questão de dizer que leria o mesmo arrazoado que havia preparado para a sessão de duas semanas atrás. Quis dizer com isso que não havia sido influenciada por pressões externas, fossem as do comandante do Exército, fossem a dos manifestantes nas ruas. Por que se deu a esse trabalho?

Em 435 caracteres distribuídos por dois tuítes publicados em tempo de ganharem o Jornal Nacional de terça-feira, o general Villas Bôas advertiu que o Exército “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade”. Ao ser feita às vésperas de o Supremo votar o habeas corpus que poderia manter Lula fora da cadeia, a declaração não deixava dúvida sobre a qual impunidade ele se referia.

A despeito do imediato apoio tuitado por cinco generais, o comandante do Exército esqueceu de combinar com o da Aeronáutica. Faltou-lhe apoio aéreo. Horas depois dos tuítes, o tenente-brigadeiro Rossato divulgou nota em nome da Força Aérea, que ele comanda: “é muito importante que todos nós, militares da ativa ou da reserva, integrantes das Forças Armadas, sigamos fielmente à Constituição, sem nos empolgarmos a ponto de colocar nossas convicções pessoais acima daquelas das instituições”.

O puxão de orelhas prosseguiu: “Tentar impor nossa vontade ou de outrem é o que menos precisamos neste momento. Seremos sempre um extremo recurso não apenas para a guarda da nossa soberania, como também para mantermos a paz entre irmãos que somos.”

Tudo isso aconteceu sem que os superiores de ambos dissessem palavra publicamente sobre a discordância. Ministro interino da Defesa, o general Joaquim Silva e Luna tentou minimizar a fala do colega e só. Já o presidente da República fez de conta que não era com ele. Ao não exercer o poder de comandante das Forças Armadas, Michel Temer desarmou-se para enfrentar crises militares presentes e futuras. Pecou por omissão.

Como diria o governador Geraldo Alckmin, Temer colhe o que plantou. Ao tirar as tropas da caserna para ajudá-lo a requentar o café que lhe servem no palácio, o presidente abriu uma porta que demonstrou não conseguir mais fechar. Os militares relutaram para comandar a intervenção federal no Rio de Janeiro. Mas acabaram cedendo em troca de algumas importantes concessões.

Uma das principais foi assumirem o Ministério da Defesa e seu orçamento. Ao nomear um general para um cargo civil, Temer inutilizou a função. O papel do ministro da Defesa é ser anteparo entre os militares e o presidente. Ouve as demandas, filtra, negocia, absorve os desgastes e preserva o chefe. Se ele é um general, o fusível vira ligação direta e aumenta o risco de curto-circuito. Como no caso dos tuítes de Villas Bôas.

Na falta de ponte formal com a caserna, Temer armou uma pinguela. Segundo a repórter Marina Dias, da Folha, o presidente escalou um assessor informal, Denis Rosenfield, para fazer essa interlocução. Se confirmado na Defesa, o filósofo gaúcho engrossará a tropa do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sergio Etchegoyen, gaúcho como ele.

Ao fim do dia, Lula ficou mais perto da cadeia, Temer ruma à irrelevância e os militares estão mais longe do quartel. Como opção eleitoral, mas não apenas, o militarismo cresceu em força, influência e relevância. Desde a intervenção no Rio, as fardas vêm ocupando o vácuo deixado pelos civis – até por convite de alguns deles. Ironicamente, a crise de representatividade que emergiu em 2013 vai se encaminhando para um desfecho em que o voto de cada vez menos pessoas pesa cada vez mais.

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