De todos os documentos originais relativos à nossa música popular, aqueles assinados por Noel Rosa estão sem dúvida entre os mais raros. Noel foi famoso nos últimos anos de sua vida, mas somente num círculo restrito, e morreu com apenas vinte e seis anos. Com isso, escreveu pouco e muito pouca gente guardou suas cartas.
Nesse contexto, é especialmente comovente o bilhete aqui reproduzido, mandado por Noel Rosa ao seu editor no final de 1936, poucos meses antes de sua morte, ocorrida em 4 de maio de 1937. Noel estava já tuberculoso e debatia-se com constantes problemas financeiros.
Foi no entanto um período bastante criativo em que conseguiu ainda compôr sambas belíssimos, como se soubesse que tinha pressa e a vida lhe escapava.
O cartão tem aparência profissional: leva impressos seu nome, o endereço comercial e o residencial, na rua Teodoro da Silva, 392, em Vila Isabel, o bairro onde nasceu e que Noel cantou e imortalizou em suas composições:
“Amigo editor Mangione
Saudações,
Continuo doente, sem poder trabalhar. Preciso de 100 mil réis, embora eu saiba que estou devendo.
Desde já agradeço sua boa vontade, pois sei que você não deixará de atender este seu amigo e criado.
Noel Rosa”
Mangione atendeu ao compositor, como todas as vezes em que lhe pediu dinheiro antes e depois desta, e o acompanhou até a sua morte. Continuou detentor dos direitos autorais de Noel Rosa, disputados mais tarde por suas sobrinhas.
Este singelo bilhete é um dos poucos autógrafos de Noel Rosa a ter chegado até nós. Seu atual detentor, que procurou escritos de Rosa por quase quarenta anos, o adquiriu de descendentes do editor.
No mesmo ano, Noel gravava o samba "Cem mil réis".
Cem Mil Réis
Noel Rosa
Você me pediu cem mil réis,
Pra comprar um soirée,
E um tamborim,
O organdi anda barato pra cachorro,
E um gato lá no morro,
Não é tão caro assim.
Não custa nada,
Preencher formalidade,
Tamborim pra batucada,
Soirée pra sociedade,
Sou bem sensato,
Seu pedido atendi,
Já tenho a pele do gato,
Falta o metro de organdi.
Sei que você,
Num dia faz um tamborim,
Mas ninguém faz um soirée,
Com meio metro de cetim,
De soirée,
Você num baile se destaca,
Mas não quero mais você,
Porque não sei vestir casaca.