Apesar da música retórica e de uma pequena tolice no final, há bons motivos para assistir a , dirigido pelos irmãos Paolo e Vittorio Taviani.
Outra razão para ver o filme é a oportunidade de ver a inusitada transposição de Júlio César, peça escrita há mais de quatrocentos anos, na qual Shakespeare busca um novo tipo de herói que, ainda hoje, é raro encontrar no teatro ou no cinema – o próprio Shakespeare não consegue entender a tragédia de Brutus, escreve Harley Granville-Barker em seu famoso prefácio, “homem que, não por ódio, ciúme nem fraqueza, mas apenas ‘por um pensamento geral honesto e para o bem comum a todos’ se uniu aos conspiradores e assassinou seu amigo.” Para Shakespeare, segundo Granville-Barker, “o problema espitirual do assassino virtuoso é o mais interessante da história. É Brutus quem melhor interpreta o tema da peça: faça o mal para que resulte o bem, e veja o que de fato acontece.” Tema cuja atualidade dispensa comentários e é, por si só, outra razão para assistir a .
Em depoimento dado ao Jornal da Tarde, em 1977, publicado no mesmo ano pela Editora Nova Fronteira, Lacerda diz que, no final de agosto de 1954, havia um “falso ar de tranquilidade, de normalidade, que não tinha nada que ver com a realidade, que era na verdade – para quem tivesse o mínimo de sensibilidade – assustadora, por que o que tinha acontecido no Brasil [a virada da opinião pública em seguida ao suicídio de Vargas] era o que aconteceu no drama de Shakespeare, […] A mesma multidão que aclamava Brutus e os que mataram César, quando Marco Antônio fez seu discurso com o cadáver nos braços, começou a pedir a morte dos que tinham assassinado César.” E Lacerda conclui: “Foi assim que passei de vítima a assasssino de Vargas. […] Vargas […] passou a ser o Júlio César de Shakespeare.”
Granville-Barker define Júlio César como tragédia da “integridade intelectual” e “da excessiva firmeza de princípios”. E considera que Shakespeare está à procura do herói no qual pensamento e emoção se conciliam e confrontam de forma mais equilibrada. Se Brutus ainda o desconcerta, “Hamlet, como se diz, está esperando para começar.”
Contando com o suporte de Fabio Cavalli, diretor do grupo de teatro de Rebibbia, os Taviani se beneficiaram do trabalho dele, que começou em 2006 e já teve 30.000 espectadores. Cavalli também atua no filme fazendo o papel de diretor da encenação.
Essa experiência teatral é difundida, na Itália, através de 110 grupos atuando em prisões. E Matteo Garrone, diretor de Gomorra, também fez uso dela ao escolher um ex-assassino de aluguel de Nápoles, cumprindo pena perpétua numa prisão toscana, para fazer o papel principal de Realidade (2012).
Os presos de Rebibbia, segundo Cavalli declarou ao Los Angeles Times (10/2/2013), “são inteligentes, têm algo a dizer e têm excelente memória, liderança e poder de sedução.” Uma compensação pelas excelentes atuações que obtém estaria, para ele, na redução da reincidência. “Em média, 65% dos presos italianos voltam a cometer crimes depois de soltos, mas para os que fizeram teatro na prisão, não há quase nenhum caso”, disse Cavalli.
Ainda assim, sem poder apagar de todo seu passado, há casos como o de um figurante de que foi morto a tiros depois de ter sido solto.
Um dos integrantes do grupo de Rebibbia considera que o fato de serem bons atores é “uma coisa napolitana. Fazer um papel é natural para napolitanos”, declarou. “Somos bons”, segundo outro, "por que alguns de nós vêm atuando na prisão há anos”. Origem sem privilégios e muito tempo de prisão são mencionados como fonte de inspiração. “As pessoas perguntaram de tornamos o assassinato de Júlio César convincente por que nós mesmos cometemos assassinatos, mas a razão é mais relacionada ao nosso sofrimento.”
O tropeço dos Taviani no final é difícil de entender. Quando um dos presos diz “a cela se tornou uma prisão desde que descobri a arte”, a redundância banaliza tudo que a precede. A pequena tolice sugere a hipótese, em princípio absurda, dos Taviani não terem a dimensão exata do filme que fizeram. Mas só assim se explicaria terem sido capazes de minar a base de .