Próximo às oito horas da manhã desta terça-feira (14), Mayara Horta saiu de casa, em Santa Teresa, com um amontoado de papéis e um tubo de cola na mochila. A ativista de 30 anos caminhou até o Largo dos Guimarães, na região central do bairro carioca, onde havia um grupo de mulheres filiadas ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Quando se encontraram, elas trocaram abraços silenciosos, de afago mútuo, e seguiram para o que seria o trabalho do dia: fazer com que vários bairros do Rio de Janeiro acordassem lembrando o assassinato da vereadora Marielle Franco, que hoje completa 5 anos sem que os mandantes do crime tenham sido apontados.
O Amanhecer por Marielle, uma ação organizada pelo PSOL, se espalhou pelo centro da cidade. Faixas e cartazes pedindo a resolução do inquérito e lembrando o legado de Marielle também foram erguidos nas escadarias da Câmara Municipal, em uma passarela próxima ao edifício sede da Petrobras, e numa ocupação no bairro do Santo Cristo, região central do Rio de Janeiro. Ainda houve cobrança por justiça no Distrito Federal, no Sergipe e em São Paulo.
Horta, uma mulher baixa e magra, vestia uma camisa lilás estampada com a frase “Pela vida das mulheres”. Na véspera, ela e as colegas imprimiram cartazes com o rosto de Marielle e dizeres como “5 anos sem respostas. Manifeste sua indignação”. Os papéis foram colados em muros e postes de Santa Teresa. “Há muitas maneiras de lutar por justiça. E espalhar o rosto da nossa companheira pela cidade é uma forma de impedir que a história dela seja esquecida”, disse a ativista. Perto das dez horas da manhã, o grupo saiu em caminhada rumo ao Centro do Rio de Janeiro, onde seria celebrada uma missa em memória de Marielle.
A Igreja Nossa Senhora do Parto, em atividade desde 1649, fica numa rua estreita da região do Largo da Carioca. A fachada discreta se camufla entre gigantescos prédios empresariais. Na manhã desta terça, os repórteres se amontoavam dentro e fora do templo para fotografar as pessoas que choravam a morte precoce da vereadora. Estavam ali os pais, Marinete da Silva e Antônio Francisco da Silva Neto, a filha, Luyara, e a ex-companheira de Marielle, Monica Benício, hoje vereadora pelo PSOL. Eles se sentaram ao lado de Agatha Arnaus, viúva do motorista Anderson Gomes, também assassinado na noite de 14 de março de 2018.
Anielle Franco, irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial no governo Lula, não compareceu à missa porque está em Brasília. Seu nome foi citado algumas vezes durante o sermão do padre Luciano Borges Basílio, que vê como um sinal de esperança a criação a chegada de Anielle à instância de poder. Dirigindo-se a Marinete da Silva, o sacerdote pediu que a família da vereadora siga lutando por justiça social no Rio de Janeiro.
A deputada estadual Renata Souza se sentou próximo a um grupo de parlamentares do PSOL e do Partido dos Trabalhadores. Na avaliação dela, este 14 de março é diferente dos anteriores porque agora há vontade política de encontrar o mandante da execução de Marielle — que ela prefere chamar de feminicídio político. “Cinco delegados já passaram pela investigação do caso. Isso demonstra uma falta de emergência do governo passado para solucionar o inquérito”, disse Souza. “Não havia esforço político para encontrar quem mandou matar Marielle. Agora, podemos nos permitir sentir esperança.”
A diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, acompanhou a missa. “Espero não ter que voltar aqui em 2024 para reclamar justiça outra vez”, disse. “Temos expectativa de que as autoridades brasileiras cumpram o dever de acabar com a impunidade. O Brasil é o quarto país do mundo em número de mortes de defensores e defensoras dos direitos humanos. Lidar com isso é obrigação do governo federal, dos governos estaduais e do sistema de justiça como um todo.”
No fim da manhã, quando a missa terminou, as pessoas se espalharam pela calçada. Era notável a presença de jovens negros, sobretudo mulheres, com adesivos e botóns que exigiam respostas sobre quem mandou matar Marielle Franco. A estudante de Direito Milena Francisco, de 27 anos e moradora do Morro do Borel, estava com uma camisa em que se lia Fight like Marielle Franco. “A Marielle me conheceu quando eu era novinha porque a minha mãe foi assessora dela”, ela comentou. Sua mãe é a ex-deputada estadual Mônica Francisco. “Desde o assassinato, todos os anos eu venho à missa.”
A cerca de 30 metros da igreja Nossa Senhora do Parto, na Praça Mario Lago, uma estátua de Marielle Franco foi instalada em julho do ano passado. Na escultura, a vereadora aparece sorridente, com o punho esquerdo erguido. A placa de identificação abaixo dos seus pés, instalada pela prefeitura do Rio, diz: “Mulher, negra, favelada, LGBTQIA+ e defensora dos direitos humanos. Vereadora do Rio de Janeiro, eleita com 46.502 votos, brutalmente assassinada em 14 de março de 2018 por lutar por uma sociedade mais justa.”
A base da estátua foi decorada nesta terça-feira. Não pela prefeitura ou pelo governo do Rio, mas por Alda Cotta, uma carioca radicada na Holanda que veio ao Brasil pedir justiça pelos cinco anos da execução de Marielle — “e para compartilhar a dor com outros ativistas”, ela disse. Sobre os pés da escultura, Cotta espalhou girassóis e um cartaz com o seguinte texto escrito à mão: “Cinco anos sem respostas. Justiça para Marielle e Anderson.”