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Cinema brasileiro: desejado ou rejeitado?

Pandemia trouxe oportunidade para reinventar produção audiovisual brasileira

Eduardo Escorel | 08 dez 2021_09h06
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Supondo que a resposta à pergunta feita no título seja a primeira alternativa, vale a pena refletir, em especial neste momento tão difícil, sobre o cinema brasileiro que se almeja.

É provável que a safra de filmes da era a.P. chegue ao fim em breve. Concebidos antes da pandemia, esses títulos vêm sendo lançados com grande atraso, a maioria com resultados de bilheteria sofríveis e apenas uns poucos tendo algum mérito artístico reconhecido. Enquanto isso, o número diário de mortos e contaminados, vítimas da Covid-19, mantém-se em patamar inaceitável, as restrições sanitárias de acesso às salas de exibição parecem insuficientes e há incerteza quanto aos efeitos da recente variante Ômicron do coronavírus. Continuamos envoltos, portanto, na grave crise acarretada pela disseminação em escala mundial do Sars-CoV-2, à qual entre nós se agrega a estagflação.

Sem menosprezar essas circunstâncias de fato perturbadoras, o dado novo a ser considerado na área do cinema é a recente decisão tomada pelo Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) de fazer investimento adicional de 178 milhões aos 473,2 milhões de reais aprovados há três meses. Os cerca de 651 milhões de reais resultantes deverão ser aplicados através de editais a serem lançados ainda este ano, como informa Ana Paula Sousa no portal Filme B (“Novos editais do FSA retomam processo seletivo”, 01 de dezembro).

Desse total, 340 milhões são destinados à produção de filmes para exibição em cinemas e para coproduções internacionais. Outros 165 milhões são dirigidos a produções para TV e VOD. Flagrante nesse plano é a ausência de recursos destinados à preservação de filmes e registros audiovisuais em geral, sendo conhecida a situação precária em que se encontram nossas cinematecas e arquivos.

Entre lançar editais, assinar contratos e liberar recursos para produzir filmes, o prazo necessário para cumprir essas etapas é incerto. Isso apesar de estar assegurada, conforme é informado, a disponibilidade efetiva do montante aprovado pelo Comitê Gestor do FSA. A expectativa mais otimista recomendável é que contratos possam ser assinados no primeiro semestre do ano que vem e algumas produções iniciadas a partir de julho de 2022. Nessa hipótese, terão transcorrido quatro anos desde o lançamento anterior de editais pelo FSA. Daí a quase paralisia do setor produtivo, agravada pela pandemia, e a possibilidade de haver um hiato sem presença expressiva de novos filmes brasileiros nos cinemas.

Fora outras considerações, além da provável demora em passar das fanfarras anunciando os novos investimentos à efetiva retomada da atividade produtiva, preocupação adicional é o critério de seleção dos novos projetos. As comissões de seleção a serem formadas por três representantes da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e três do setor profissional não chegam a sanar as falhas do sistema anterior, composto por pareceristas vinculados à Ancine e externos. A perspectiva de que gestores da cultura do governo federal venham a influir no processo decisório das comissões não deve ser menosprezada e, em ocorrendo, comprometerá o processo seletivo como um todo.

Ressalvas à parte, quaisquer que sejam o prazo e as condições, a primeira safra de filmes brasileiros da era d.P. (depois da pandemia) resultará em grande parte do investimento que vem de ser anunciado. Difícil prever qual será o perfil desse novo conjunto de produções. Diante da disponibilidade de recursos significativos, os novos filmes correm o risco de reincidir no erro, tantas vezes cometido, de retomar a produção como se na era a.P. estivéssemos no melhor dos mundos possíveis.

Será preciso confirmar ainda a impressão de que a pandemia beneficiou o grande espetáculo de massa – a cargo dos chamados blockbusters –, em detrimento dos filmes brasileiros, em particular os de menor apelo comercial. 

Encobrir o mal crônico do nosso cinema, e presumir que a pandemia não tenha sido uma experiência transformadora para a sociedade brasileira, nos levará a perder a oportunidade que a crise propicia de reinventar a produção audiovisual brasileira. Dessa forma será frustrada qualquer tentativa de redefinir os parâmetros que regem a atividade cinematográfica no Brasil. Continuará difícil criar novos filmes que deixem de ser anomalias no mercado exibidor interno e tenham acesso a mídias alternativas que permitam estabelecer vínculos efetivos com segmentos amplos e diversificados de público.

Mesmo sem faltarem razões para repensar a função e o papel da Ancine, seus vinte anos de existência, completados este ano, sugerem por si só que esta pode ser uma boa oportunidade para fazer um balanço de sua atuação.

Decisivo, de fato, porém, será haver condições econômicas e políticas que permitam o surgimento de um conjunto expressivo de filmes com identidade própria, que não tentem mimetizar a produção estrangeira nem a dramaturgia televisiva, e sejam capazes de abordar questões relevantes de forma original, sem deixar de estabelecer, ao mesmo tempo, elos sólidos com os espectadores. Para isso, é preciso não só querer o cinema brasileiro como também que a cultura, criação artística e inteligência voltem a ser valorizadas neste país.

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O 23º Festival do Rio começa amanhã (9/12) e segue até dia 19. Com sessões presenciais no Cinépolis Lagoon, Estação NET Gávea, Estação NET Botafogo e Estação NET Rio, além do Cinema Reserva Cultural, em Niterói, o Festival, que oferece programação ampla e diversificada, será a prova dos nove da maior ou menor disponibilidade do cinéfilo carioca e de Niterói para ir ao cinema. Ninguém pode reclamar da qualidade da oferta que inclui, entre mais de cem títulos de longas e curtas-metragens, filmes inéditos, no Brasil, de Pedro Almodóvar, Woody Allen e Nanni Moretti, além de Apichatpong Weerasethakul e Asghar Farhadi, para citar apenas alguns dos mais célebres. Impressiona a grande quantidade de filmes brasileiros. O único a que já assisti e recomendo vivamente é Segredos do Putumayo, de Aurélio Michiles.

A Febre (2019), de Maya Da-Rin, melhor longa-metragem no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2021 – Foto: Divulgação

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