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Ciro, a vela e o dane-se

Só ele impede segundo turno antecipado entre Bolsonaro e Haddad

José Roberto de Toledo | 20 set 2018_10h07
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Salvo acidentes e facadas, sobrarão Bolsonaro e Haddad na dança das cadeiras presidencial. Só não dá para dizer que já ficaram sozinhos porque Ciro não abre mão de segurar vela para a dupla. Sem sua insistência, o segundo turno seria já em 7 de outubro.

A candidatura Alckmin foi velada por seus correligionários na terça à tarde. Anteciparam-se à notícia da morte, divulgada naquela mesma noite durante a divulgação do Ibope pelo Jornal Nacional. O enterro deu-se sem pompa, no telejornal local do dia seguinte, quando soube-se que, em São Paulo, terra que governou por quase uma década, Alckmin não só havia sido largado para trás por Bolsonaro, como tinha sido alcançado por Haddad.

Antes, Marina se juntara ao clube do eterno dígito solitário fundado por Alvaro Dias, Meirelles e Amoêdo. O resto é isso.

Os órfãos de Alckmin e Marina pularam a segunda fase do luto. Da negação, foram direto para a negociação. Não experimentaram a raiva porque seus candidatos nunca foram de despertar paixão. Sem poder reviver o que já era, contemplam a perspectiva da depressão, materializada como voto em branco, nulo ou abstenção. A alternativa é votar no remanescente menos pior. Em qualquer caso, a democracia está longe de lhes parecer uma festa.

Não se trata de decisão óbvia nem automática para a maioria daqueles deixados antecipadamente na orfandade eleitoral. Por natureza, resistem à rotulação como petistas ou antipetistas. Para alguns deles, mas não muitos, Ciro surge como um muro a separar dois abismos. Para outros, o aeroporto ou a rodoviária parecem bem mais tentadores do que a zona de votação.

Se as fugas superarem o “voto útil” em Ciro, a hipótese do segundo turno antecipado ganha força. Sem a participação dos órfãos na urna, o peso relativo dos eleitores de Bolsonaro e Haddad aumenta, e um dos lados pode chegar à maioria dos votos válidos em 7 de outubro. Mas é improvável que isso aconteça sem que haja, simultaneamente, uma espécie de dane-se coletivo. Há um sinônimo mais preciso – e chulo – que define essa atitude.

“Dane-se” foi o que disse o paulistano na eleição de prefeito dois anos atrás, quando, pela primeira vez desde que começaram os dois turnos na cidade, um candidato foi eleito logo na primeira votação. João Doria cresceu vertiginosamente na reta final. O fenômeno teve menos a ver com entusiasmo e euforia pelo eleito do que com desencanto e preguiça do eleitor.

Naquele primeiro turno, três vezes mais petistas históricos, que se concentram na periferia paulistana, deixaram de ir votar do que os antipetistas que moram nas regiões centrais da cidade. No auge da Lava Jato, estavam desiludidos com o próprio partido.

Ao mesmo tempo, um contingente inesperado de eleitores que não reelegeriam Haddad de jeito nenhum mas tampouco se consideram tucanos acabou se perguntando: “Para que esperar até o segundo turno para votar em um candidato que não é o meu preferido? Se não posso ser feliz, por que não acabar logo com o sofrimento?”

A quinta fase do luto, a aceitação, se precipitou. Deu Doria.

Por mais que procurasse, não achei uma chance alta de Bolsonaro ou Haddad encarnarem esse papel daqui a 17 dias. Projetei os resultados do Ibope e do Datafolha usando diferentes tipos de linha de tendência. Em nenhum cenário a conta fechou. A questão é que nenhum dos dois primeiro colocados pode manter as atuais taxas de crescimento por muito mais tempo. Não há indecisos suficientes para alimentá-las. Precisam roubar de alguém.

É indispensável que Bolsonaro e/ou Haddad virem o voto de quem pretende eleger seus adversários para um dos dois ganhar no primeiro turno. Isso já está acontecendo com eleitores de Marina e dos nanicos. É possível e até provável que aconteça com os de Alckmin. Mas ainda não acontece com os de Ciro. Por que não?

Não é que o eleitorado de Ciro esteja imune a mudar de ideia. Ao contrário, a maioria disse ao Ibope e ao Datafolha que está propenso a isso. É bem possível que uma parte já tenha migrado de Ciro para Haddad. Só não provocou queda na intenção de voto no candidato do PDT porque o que ele perdeu foi compensado pelo que ganhou de novos eleitores que saíram de Marina e Alckmin. Ciro virou um voto de passagem para eleitores não-petistas que relutam em aderir à expressão mais radical do antipetismo.

Se esses eleitores vão completar sua trajetória rumo a Bolsonaro ou Haddad, ou se permanecerão votando em Ciro, vai depender fundamentalmente do tamanho de sua paciência. Impossível medi-la, porém. Nenhum dos destemperos de Ciro nesta campanha custou-lhe a eleição, como em pleitos anteriores. Talvez porque Bolsonaro tenha normalizado esse tipo de comportamento. Mas nunca se sabe se o próximo será a proverbial gota d’água.

Quando muita tensão se acumula, como é o caso desta campanha eleitoral, um acontecimento aparentemente irrelevante tem o poder de provocar consequências desproporcionalmente grandes. Um gesto simbólico, uma palavra fora de hora, uma expressão mal encarada pode ligar o dane-se no eleitor. Enquanto isso não acontece, Ciro segue segurando vela para os dois primeiros colocados e provocando o segundo turno entre Bolsonaro e Haddad.

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