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    O presidente colombiano Juan Manuel Santos e Rodrigo Londoño, chefe das Farc, acompanhados pelo Presidente de Cuba, Raúl Castro, exibem o acordo de cessar-fogo FOTO: JUAN DAVID TENA_SIG (SISTEMA INFORMATIVO DEL GOBIERNO)

questões da política

Colômbia a um passo da paz imperfeita

O anúncio do fim do conflito entre o governo colombiano e as Farc , histórico para a América Latina, interessa muito ao Brasil

Carol Pires | 24 jun 2016_11h35
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O Brasil não enviou representantes para a cerimônia de ontem, em Havana, que anunciou o fim do conflito entre o governo colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O motivo da ausência é o fato de o país não ter participado diretamente das negociações, ao contrário de México, Chile, Venezuela, El Salvador e Cuba, que atuaram como fiadores políticos do processo iniciado em setembro de 2012. Mas o acordo, histórico para a América Latina, interessa muito ao Brasil, que ainda mantém relações financeiras aquém do seu potencial com o país fronteiriço. A Colômbia é a terceira economia da América do Sul e estudos apontam que, se não estivesse em guerra, o PIB colombiano poderia ter crescido até 8% em 2014, e não 4.4%.

Segundo levantamento do Centro de Recursos para Análisis de Conflictos (Cerac), uma vez que acabem os confrontos armados, o país será beneficiado com um maior investimento estrangeiro e o remanejamento dos gastos em segurança para áreas estratégicas, além de uma reforma agrária e a consequente diminuição da pobreza. “Não vamos apenas crescer mais. Também vamos ter um nível superior de desenvolvimento social e econômico”, aponta Jorge Restrepo, coordenador do estudo.

Tanto o ministro das Relações Exteriores, José Serra, quanto o chanceler do governo Lula, Celso Amorim, disseram à piauí concordar com a avaliação de que a perspectiva de paz na Colômbia ajuda na estabilidade da região, especialmente neste momento, em que a Venezuela passa por uma hecatombe econômica. “A notícia tem de ser festejada não só pelo povo colombiano, mas por todos aqueles que acreditam numa America do Sul pacífica, próspera e unida”, escreveu Amorim, por e-mail. O Itamaraty também soltou nota quarta-feira à noite, em que chama o cessar-fogo de “júbilo para a região”.

O cessar-fogo bilateral e definitivo anunciado nesta quinta – “o último dia da guerra”, como disse o líder das Farc, Timoleón Jiménez, o Timochenko –, só se concretizou depois que governo e guerrilha negociaram uma agenda de cinco pontos, que passa por reforma agrária, medidas para combater o narcotráfico, reparação às vitimas do conflito e transformação das Farc num movimento político legal. A negociação de paz foi tema de uma reportagem publicada por piauí em 2014.

Em Havana, os negociadores afirmaram que, para reintegrar os guerrilheiros à vida civil, serão criadas zonas transitórias, onde os rebeldes entregarão suas armas e receberão proteção contra grupos rivais. O maior medo das Farc é repetir a experiência da União Patriótica – partido criado pela guerrilha em 1985. A legenda acabou extinta tempos depois, porque seus integrantes foram assassinados por paramilitares e traficantes. Ainda que a maioria do país seja favorável ao fim do conflito, a inclusão das Farc na política oficial continua sendo o ponto do acordo mais rejeitado pelos colombianos.

O cessar-fogo bilateral pretende encerrar uma luta armada de 52 anos. “Já não temos lembranças, nem sequer referências, do que é viver em paz. Nós nos acostumamos ao horror da guerra”, disse o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, durante o anúncio em Havana. O Centro Nacional de Memória Histórica contabiliza 220 mil mortes, 176 mil delas de civis, nessas cinco décadas de guerra.

As Farc são a guerrilha mais antiga em atuação no continente. Fundadas em 1964 pelo Partido Comunista, almejavam promover mudanças sociais que acabassem com a “dominação da oligarquia” e o “imperialismo ianque” na Colômbia, mas tiveram sua ideologia corroída e perderam apoio popular por causa dos métodos de financiamento ilegais, como sequestros e a relação direta ou indireta com o tráfico de drogas. Hoje, a guerrilha está fragilizada, mas ainda coopta novos guerrilheiros com facilidade entre a população negligenciada, o que faz da tentativa do governo de exterminá-la à força “uma utopia que nos tomaria outros 50 anos”, como afirmou Santos na sua campanha à reeleição, em 2014.

Algumas costuras ainda devem ser feitas até o fim de julho, quando o cessar-fogo será assinado. Os desafios para implementá-lo se mostram grandiosos. Dependem tanto de investimentos público e privado quanto do parlamento, onde o ex-presidente Álvaro Uribe lidera a oposição ao acordo. Dependem ainda de um plebiscito popular, que poderá referendá-lo ou não. Segundo Santos, a consulta à população ocorrerá três meses após a assinatura do documento final. Os colombianos dirão, então, se preferem ter uma paz imperfeita ou seguir numa guerra interminável.

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