Um estudo de soroprevalência realizado pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em parceria com a secretaria de Saúde do estado mostrou que 40% da população do estado já foi infectada pelo novo coronavírus – a maior prevalência do país. O resultado surpreendeu os pesquisadores, tanto pela proporção de casos positivos quanto pela rapidez com que o Sars-CoV-2 se espalhou pela região. Foram pouco mais de quatro meses desde a confirmação do primeiro caso, em março, até dia 8 de agosto, quando o estudo foi concluído. Nesse período, segundo o inquérito, mais de 2,8 milhões de maranhenses contraíram o vírus – quase 22 vezes o registrado oficialmente pela secretaria de Saúde até então, dado que também assustou os pesquisadores. Das pessoas que tiveram o resultado positivo no exame sorológico, apenas 4% haviam realizado o teste RT-PCR.
O índice de subnotificação encontrado no Maranhão é maior que o estimado pelo projeto EpiCovid-19, que calculou, para todo o país, um número de infectados sete vezes maior que o dos registros oficiais. Para Antônio Augusto Moura da Silva, epidemiologista do departamento de Saúde Pública da UFMA e coordenador do estudo, a diferença pode ser explicada pelo tipo de teste aplicado. “A maioria dos outros estudos estão sendo feitos com testes rápidos. Nós coletamos o sangue e analisamos a presença de anticorpos em laboratório, através do método de eletroquimioluminescência, que é muito mais preciso”, explica. Ao todo, 3.156 pessoas foram sorteadas para participar do estudo, entre 27 de julho e 8 de agosto.
“A prevalência aqui é a maior encontrada no mundo em um estudo de base populacional”, diz Silva. “Já vimos valores maiores, mas não para uma área do tamanho do estado do Maranhão, equivalente à da Itália.” Apesar do alto número de infecções, não é possível afirmar que o estado atingiu a imunidade de rebanho. Isso porque pesquisadores ainda não chegaram a uma conclusão sobre qual proporção garantiria o declínio da taxa de transmissão do Sars-CoV-2. Um estudo publicado em julho sugeriu que a imunidade de grupo poderia ocorrer com 20% da população infectada – o que não foi verificado no Maranhão. “Se tivéssemos imunidade de rebanho com 20%, o Maranhão não atingiria a prevalência de 40%”, explica Silva. “E a transmissão aqui continua, a doença não parou.” Em agosto, a secretaria de Saúde registrou, em média, mil novos casos da doença por dia. A única certeza que os pesquisadores maranhenses têm é que existe um risco menor de uma segunda onda acontecer em curto prazo.
Diferente do que os pesquisadores esperavam, a maior prevalência – 47,6% da população infectada – está nos municípios de médio porte, que têm de 20 a 100 mil habitantes, e não nas grandes cidades. Para Silva, isso pode indicar uma dificuldade política e econômica das prefeituras em estabelecer regras rígidas de isolamento social. “Essas medidas de proteção podem desgastar a popularidade dos governantes”, explica. Outra surpresa foi a taxa de letalidade, calculada levando em conta o número total de infectados. Os pesquisadores estimaram, já considerando a subnotificação, uma taxa de 1,7 mortes a cada mil infectados – uma das menores do mundo. “Observamos que o Sars-CoV-2 no Maranhão foi muito transmissível e menos virulento”, explica Silva.“Estamos nos preparando agora para fazer uma análise genética desse vírus. Nossa hipótese inicial é que talvez tenha predominado no Maranhão uma cepa diferente, menos letal do que em outras regiões”.
Mas o vírus não se espalhou de forma silenciosa no Maranhão. Já no fim de abril, o sistema de saúde colapsou na capital, e a taxa de ocupação de leitos de UTI na rede estadual chegou a quase 100%. Nesta segunda-feira (31), a ocupação era de 74% em Imperatriz, segunda maior cidade do estado. Os pesquisadores da UFMA estimaram 5.026 mortes por Covid-19 até dia 8 de agosto, levando em conta a subnotificação – até esta segunda-feira (31), contudo, a Secretaria de Saúde do estado havia registrado apenas 3.446 mortes.
No início deste mês, escolas privadas do Maranhão voltaram a oferecer aulas presenciais. Para Silva, entretanto, esse tema ainda precisa ser discutido com mais cuidado. O inquérito sorológico mostrou que crianças de 1 a 9 anos têm a mesma chance de se infectar que adultos. Nessa faixa etária, a prevalência foi de 42,6%, parecido com o encontrado entre jovens de 20 a 29 anos – 49,2%. “Pessoas nessas faixas etárias se expõem mais e não têm qualquer garantia de proteção da doença.” Mesmo que não desenvolvam um quadro clínico grave, qualquer criança ou jovem infectados podem transmitir o vírus.
“Nós, cientistas, não gostamos de usar nossa percepção pessoal quando analisamos um estudo”, conta Silva. “Mas dessa vez o resultado de alta prevalência acabou confirmando a sensação que eu já tinha.” Nos últimos meses, o pesquisador recebeu diariamente relatos de pessoas contaminadas que pediam algum tipo de orientação. Para lidar com uma população ansiosa por informações, Antônio da Silva começou a fazer, uma vez por semana, lives em seu Instagram pessoal. O tema é sempre o mesmo: o novo coronavírus. E foi lá, em um espaço aberto a todos, que o pesquisador divulgou os dados do inquérito sorológico que coordenou e a interpretação de cada um deles. O vídeo, que trata de um tema relevante para os moradores do Maranhão, já teve mais de mil visualizações. “É impressionante o número de pessoas que perguntam, que se interessam e trazem questionamentos”, conta. “A verdade é que não faz sentido produzir conhecimento sem disseminá-lo.”