Ao completar 250 posts publicados neste blog desde 2009, peço a indulgência de eventuais leitores para mais alguns excertos de Clément Rosset incluídos em [Comentários sobre o cinema], sem edição em português.
Tentarei retomar questões cinematográficas mais candentes a partir do próximo post.
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Meu gosto pelo cinema burlesco americano diz respeito essencialmente a filmes considerados arcaicos: os filmes de Mack Sennet, de Harry Langdon, de Max Linder. Esses filmes destilam uma comicidade em estado puro, destituída de qualquer mensagem e sem fazer pensar em nada, que desencadeia o riso de maneira automática e quase física. Vêm a seguir os filmes de Buster Keaton, com algumas reservas, e os filmes de Charlie Chaplin, com reservas ainda maiores. Os que vêm depois, no cinema americano, não me interessam e não me alegram nada (salvo os filmes de W.C.Fields). Sou completamente impermeável ao cômico dos filmes dos Irmãos Marx ou de Laurel e Hardy, por que os filmes deles me parecem afirmar (mesmo por oposição) um sentido que os filmes que os precedem tinham justamente feito eliminar. Há por exemplo um filme de Laurel e Hardy [‘Battle of the Century’, de 1927] que todo mundo elogia […] e que acho, de meu lado, aborrecido por causa do seu peso demonstrativo. […] A história é contrária ao espírito burlesco: em vez de sugerir um ‘nonsense’ [falta de sentido] fundamental, ela mostra um sentido e dá uma lição sobre o que é a estupidez das guerras e a agressividade humana. Lição, a meu ver, otimista, superficial e imbecil, no sentido originário do termo (‘imbecillus: fraco), semelhante às dadas infelizmente por Chaplin no final de O Grande Ditador ou Giraudoux na sua peça A Guerra de Tróia não ocorrerá. A maior parte das pessoas ficam indignadas com os maus mas se satisfazem com explicações simplistas que lhes são dadas cotidianamente para digerir.
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Não suporto filmes que recendem otimismo, nem os que recendem indignação e revolta: convencido que os primeiros proveem de uma credulidade beata e, se não criminosa em si mesma, ao menos encontrada na raíz de muitos crimes de massa; os segundos, vêm em grande medida do ódio e do ressentimento. Entre os dois, a margem é estreita. É, no entanto, por essa porta estreita, para retomar um título de Gide, que passaram quase todas as obras que a posteridade reconhece como geniais. Tenho o sentimento de meu lado – e é aqui que faço uma confidência – de ter sempre evoluído em águas pouco frequentadas, sendo alheio a toda noção de bem ou de mal, não me considerando nem gentil, nem mau (para retomar dessa vez um título de Diderot, o qual me parece deve ser classificado na categoria dos ‘gentis’). Não sei se está aí minha felicidade ou minha desgraça, mas é certamente uma das razões da minha solidão (intelectual), ou daquilo que sinto como solidão. Sempre me surpreendi, e fiquei perturbando, que houvesse mais de uma centena de pessoas que comprassem meus livros e tivessem prazer em lê-los. Isso é provavelmente efeito da timidez mas também da vaidade, consistindo em supor confusamente que ninguém saberia pensar como eu penso.
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Monsieur Verdoux [1947] é, a meu ver, a obra-prima de Charlie Chaplin. É também, pelo cinismo e misoginia que tem livre curso, um filme inteiramente inesperado de parte do seu autor, cujos filmes mais admiráveis são frequentemente estragados por um moralismo repugnante e um sentimentalismo convencional. Nada parecido em Monsieur Verdoux, salvo algumas considerações humanitárias no fim do filme, onde triunfa um imoralismo rigoroso que no entanto preserva todos os segredos do burlesco próprio a Chaplin. Um pessimismo estrito reencontra aí seus direitos, como assinala de fato a presença do Mundo como vontade e como representação, de Schopenhauer, na mesa à qual Verdoux recebe essa ‘jovem tola’ com a finalidade de testar nela sua técnica de envenenamento. […] O gosto de Chaplin por Schopenhauer explica sem dúvida a inacreditável misoginia de Monsieur Verdoux, misoginia que deixa muito para trás a de Landru [1963], de Claude Chabrol, que é inspirado no mesmo tema: a diferença entre gênio e talento.[…] Quanto ao cinismo de Monsieur Verdoux, ele sugere que o moralismo da maioria dos longa metragens de Chaplin talvez seja mais superficial que tenderíamos a considerar.
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O cinema possui efetivamente um poder lacrimogêneo de eficácia imediata e irresistível; poder que não têm as outras formas de arte. Aí ainda, a razão desse poder me parece ter a ver com a excepcional proximidade do cinema da vida real. De minha parte, sou muito vulnerável e derramei lágrimas abundantes em certos episódios de filmes sobre os quais acontecia, ao sair da sala, concluir que eram completamente idiotas.
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