Phnom Penh, capital do Camboja, está a menos de uma hora de vôo de Bangcoc, mas em estilo a distância é imensa. A cidade é pequena (6 mil habitantes por quilômetro quadrado) e lembra uma cidade do interior do Brasil, com vida de rua animada e tão barulhenta que dá a impressão de que é sempre feriado, uma comemoração coletiva. Quem sabe estão mesmo festejando o simples fato de estarem vivos, o que para quem tem só duas gerações de distância do infame Khmer Rouge, não é pouco e nem simples. Entre 1975 e 1978, durante o Ano Zero, o partido assassinou mais de 2 milhões de compatriotas em nome de uma sociedade agrária mais justa, numa fúria genocida que o mundo ocidental assistiu sem se incomodar e que coube aos vizinhos vietnamitas resolver em 1979. No rastro do Khmer Rouge ficaram cidades destruídas, famílias arrebentadas, minas espalhadas por todos os lugares, inclusive nas ruas e um país na miséria.
Nos anos 20, Phnom Penh era chamada de "A pérola da Ásia" e considerada uma das cidades mais bonitas do mundo. Hoje a cidade é pobre e está em reconstrução, mas dá para ver sem muito esforço que foi um primor. A graça e a elegância que teve no passado estão lá, e sua localização, bem no lugar onde se encontram os rios Mekong, Tonlé Sap e Bassac, é muito especial.
Nos cambojanos, tão cordatos e delicados, é impossível distinguir a crueldade do Khmer Rouge (quem tem mais de 50 anos viveu os anos negros e se está vivo é porque teve muita sorte ou fez parte da loucura), mas dá para ver perfeitamente muitas apsaras de carne e osso (as bailarinas reais eternizadas em pedra nos relevos de Angkor Wat) e muitos reis Jayavarman circulando pela cidade. O povo é lindo, abençoado com uma estrutura óssea e proporções de fazer chorar de inveja. Em comparação, nós, ocidentais, parecemos hipopótamos.
Desde 2004 o rei do Camboja é Norodom Sihamoni, que herdou o trono do pai, Sihanouk. O rei é um grande bailarino, certamente puxou da avó paterna, outra grande bailarina e coreógrafa, e quem tiver interesse em saber sobre o balé real cambojano encontra explicações e exemplos aqui:
Aqui, você pode ver as apsaras, o grande rei Jayavarman II (fundador do império Khmer, que durou 600 anos e englobava a maior parte do sudeste asiático) e Sihamoni, o rei atual, com seus pais:
Agora, ao fogão. Muitos acham que a culinária khmer é igualzinha à tailandesa – engano que os cambojanos se apressam a corrigir. O império Khmer é dos mais antigos do sudeste asiático e incluía o que hoje é o Laos, o Vietnam e a Tailândia. Se a tradição culinária vem de algum lugar, evidentemente vem deles e não o contrário. A cozinha khmer é mais perfumada e menos apimentada do que a tailandesa. A pimenta veio com os portugueses no século XVI; evidentemente os tailandeses se entusiasmaram com a novidade e nos pratos tailandeses o sabor picante é essencial e definitivo. Os cambojanos mantiveram a tradição culinária e usam a pimenta como detalhe, um sabor a mais que pode ser dispensado sem descaracterizar as receitas. A receita a seguir é tradicional, e seria uma espécie de PF cambojano, prato que se encontra tanto no cardápio dos restaurantes chiques quanto nas cozinhas de rua. É simplicíssima, muito saborosa e muito rápida quando chega ao fogão. A carne é marinada, o que ajuda a enfrentar o calor extremo sem estragar.
Carne Lok Lak – Carne com molho Khmer
Comece uns 45 minutos antes de servir para dar tempo da carne pegar gosto.
Ingredientes:
400 gramas de filé mignon em pedaços finos (corte cada bifinho fino em 4 partes)
Temperos para marinar durante pelo menos uma meia hora, ou 45 minutos:
1/2 colher de chá de molho de soja (generosa)
1/2 colher de chá de caldo de peixe (generosa)
1/2 colher de chá de açúcar (destemida)
1/4 de colher de chá de sal (comedida)
1/4 de colher de chá de pimenta do reino moída na hora (generosa)
Para cozinhar:
3 colheres de sopa de óleo
4 dentes de alho esmagados e picados
1/2 cebola média em fatias finas
Molho (1):
1/4 de copo de água
1 boa colher de sopa de vinagre branco (vinagre de arroz)
1 boa colher de sopa de açúcar
1/2 colher de chá de maizena
1 pitada de sal
Molho para servir (2):
Combinar as proporções a gosto: suco de limão, molho de soja, pimenta moída na hora e sal.
Para forrar o fundo do prato formando uma cama para a carne, e servir:
Folhas de alface crespa ou americana
1 pepino em rodelas
2 tomates em fatias finas
1/2 cebola média em fatias finas
MODO DE FAZER:
Faça uma mistura de nam-pla (caldo fermentado de peixe, ver no blog a receita do arroz com carne de siri), molho de soja, açúcar, sal e pimenta do reino e tempere a carne misturando muito bem. Reserve, e de preferência deixe marinando por uma boa horinha.
Em uma tigela pequena, misture os ingredientes do molho (1) e reserve.
Arrume o prato em que vai servir e deixe preparado ao lado do fogão. Agora a coisa é rápidíssima.
Leve ao fogo alto uma frigideira grande ou uma wok e aqueça até ficar estalando de tão quente (precisa ser uma frigideira fina e que fique realmente quente para que, conforme for sendo revirada, a carne sele rapidamente de todos os lados e continue macia e suculenta). Acrescente o óleo e imediatamente depois acrescente o alho, a carne marinada e o restante da cebola. Revire no fogo alto até que a carne perca o tom vermelho. Jogue os ingredientes do molho (1) e continue em fogo alto, remexendo vigorosamente até que a mistura engrosse. Jogue a carne quente e todo o molho sobre o prato previamente preparado e sirva com arroz branco e o molho (2) que cada um espalha a gosto sobre a carne ou sobre o arroz. Alguns gostam de reforçar este prato com um ovo frito.
Música recomendada para um Lok Lak animado:
http://cambodianrock.com/music/#
faixa 2, Ros Serey Sothea, "I’m sixteen"