Entre as variáveis que explicam a vitória do tucano João Doria Jr. em São Paulo, uma teve peso determinante: a fortuna do prefeito eleito. Doria era, disparado, o candidato mais abonado na capital paulista, com patrimônio declarado de quase 180 milhões de reais. Não se trata apenas de uma curiosidade, mas de uma vantagem competitiva enorme. Os cifrões de Doria fizeram dele o concorrente com maior capacidade de autofinanciamento. E isso não é pouco numa eleição em que os recursos estavam minguados desde a proibição das doações empresariais.
A legislação beneficia os candidatos ricos ao permitir que eles doem o quanto quiserem para a campanha de si mesmos, tendo como limite a declaração do Imposto de Renda e o teto de gastos informado à Justiça Eleitoral. O próprio prefeito eleito chegou a comentar, quando ainda disputava a vaga, que a regra eleitoral era “injusta” e o “beneficiava”, ao não impor limites de autodoação. Adversários de Doria sempre temeram a capacidade de autofinanciamento do tucano, sugerindo que ele poderia receber aportes de empresas camuflados por meio do Lide (Grupo de Líderes Empresariais), associação de empresários fundada por ele: as empresas doariam para a associação, e Doria retiraria um pró-labore robusto, destinando parte da cifra para a candidatura. Não há indicativos de que ele tenha feito isso, mas caberá à Justiça Eleitoral investigar sua prestação de contas.
Com a lei a seu lado, Doria abriu o cofre, num pleito em que os candidatos passaram o pires. Quando seu nome começou a ser gestado no PSDB, esse foi um dos pontos que o favoreceram. O partido estava com as contas no vermelho, e Doria era visto como alguém que não dependeria apenas dos recursos do fundo partidário. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, achou bom.
O prefeito eleito acabou doando para a sua campanha 2,9 milhões de reais, quase 40% dos 7,3 milhões que arrecadou (a maior arrecadação entre os candidatos). Já os adversários Fernando Haddad (PT) e Marta Suplicy (PMDB) não doaram um centavo sequer. Celso Russomanno (PRB) doou somente 4 mil reais. Ironicamente, a campanha do gestor Doria registrou nesta segunda-feira um déficit de cerca de 6 milhões de reais. Tudo indica que o tucano terá de ser um pouco mais generoso com a própria contabilidade e abrir novamente o cofre para quitar dívidas.
Campanha não se faz só com proposta ou carisma, mas principalmente com dinheiro e tempo de tevê. O tempo de exposição foi garantido a Doria pelo padrinho, Alckmin, que chamou ao Palácio dos Bandeirantes cada uma das legendas aliadas e, com a ajuda de seu secretário da Casa Civil, Samuel Moreira, amarrou-as à candidatura do pupilo em troca de espaço no governo (a articulação palaciana rendeu até investigação do Ministério Público Eleitoral). O resultado foi uma aliança do PSDB com 12 partidos, que proporcionaram a Doria, até então um desconhecido do eleitor, a maior exposição entre os candidatos no horário eleitoral em rádio e televisão.
Apresentador com facilidade em se comunicar com o público em geral, o tucano se vendeu como um “não político”, numa eleição em que a categoria estava para lá de mal vista. Martelou na cabeça do eleitor o conceito dia e noite, por meio de um programa bem feito, mérito não só de seus marqueteiros, mas das possibilidades técnicas que o dinheiro propicia.
A fartura pecuniária contribuiu não só para a excelência do palanque eletrônico, mas também para o corpo a corpo nas ruas. A eleição na periferia de centros urbanos ainda é influenciada pela atuação dos cabos eleitorais – eles atuam nas franjas da cidade e conseguem cooptar votos. Quanto mais cabos eleitorais, maior o potencial de retorno nas urnas. Durante as prévias do PSDB, Doria chegou a ser acusado de recorrer a esse tipo de serviço mediante pagamento.
Claro que outros elementos se juntaram ao financeiro para criar o ineditismo na eleição em São Paulo, que desde 1988 não tinha uma disputa resolvida num único turno. Há o enorme desgaste do PT, impulsionado pela prisão de alguns de seus líderes, pelas denúncias da Lava Jato, pelo impeachment de Dilma Rousseff e pela crise econômica. Em São Paulo, o antipetismo é ainda maior que no resto do país. Mais de 70% do eleitorado paulistano não votaria num candidato endossado por Lula. Não à toa, Fernando Haddad não pôs o ex-presidente na campanha da tevê, embora Lula tenha gravado uma mensagem de apoio. Também atrapalhou a vida do candidato à reeleição a ausência de uma marca na periferia, onde o partido teve um desempenho pior que nas últimas eleições (o prefeito guarda certa mágoa de Dilma Rousseff que, enquanto presidente, não o ajudou com verbas federais para tirar do papel um conjunto de obras previstas para a cidade).
Doria contou com um bom padrinho, Alckmin, numa eleição em que o desgaste dos políticos levou os candidatos a esconder os apoios. Tradicionalmente, a avaliação de Alckmin não vai tão bem na capital quanto no interior, mas ainda assim sua imagem entre o eleitor paulistano é, no geral, a de um homem não envolvido com corrupção, apesar dos escândalos dos trens e da merenda. É um ativo importante num momento em que o noticiário eleitoral se mistura com o policial.
Mas talvez mais determinante do que o suporte pessoal de Alckmin tenha sido a visão do governador sobre o que seria a campanha municipal deste ano. Segundo ele, essa disputa se daria entre “políticos profissionais” e “políticos não profissionais”, com grande vantagem para os segundos. Pelo menos em São Paulo, a tese fez sentido. Ainda mais porque o “não profissional” em questão é muito rico.