Pior do que assistir a filmes em voo Lisboa-Rio é enfrentar o desconforto da viagem a seco, sem filmes e espaço para as pernas, com um dorminhoco desconhecido caindo por cima e aturando a falta de educação da comissária. Para quem não desmaia ao embarcar e desperta dez horas depois, cinema é uma benção. Ainda por cima quando os filmes duram mais de duas horas, como se tornou regra das grandes produções, e são vistos em programa duplo, consumindo um bom tempo da reclusão compulsória.
A oferta de títulos é vasta, mas medíocre, o que torna a escolha demorada, outra boa maneira de passar o tempo. A tela é pequena, o colorido monocromático, o sistema de som precário. Se a tomada do fone não estiver bem plugada no braço da cadeira, pode-se ouvir apenas a música e os ruídos, sem os diálogos. Para completar as condições adversas, a projeção pode ser interrompida a qualquer momento pelo comandante ou chefe da cabine para avisar que deve-se ficar sentado e afivelar os cintos de segurança por que o avião está “passando por uma zona de turbulência”.
Mesmo assim, os insones devem agradecer a possibilidade de assistir a filmes. Acender a luz para ler seria uma indelicadeza, atrapalharia o sono do desconhecido dorminhoco. De bermuda e sandálias, não deu sinal de sentir frio, ao contrário da maioria dos passageiros protegidos com um cobertor. Sem dizer um ai, não comeu nada, nem levantou da cadeira durante todo o voo.
Os títulos eleitos para serem assistidos foram Perdido em Marte e Ponte dos espiões, resultantes de investimento conjunto de 150 milhões de dólares. Pode parecer muito, mas desde suas estreias em outubro do ano passado, até 25 de janeiro, os dois filmes renderam no mercado mundial de salas de cinema 750 milhões de dólares. Diante desses números, o melhor que um comentarista tropical tem a fazer é ficar calado. Trata-se de galáxia distante da que ele habita. O máximo que ele arriscaria é observar que os diretores dos dois filmes poderiam ter dirigido um o filme do outro, e obtido, dessa forma, resultados mais satisfatórios para o frequentador bissexto de voos internacionais.
A verdade, porém, é que Spielberg persegue reconhecimento intelectual fazendo filmes como A lista de Schindler e Ponte de espiões. Não se conforma em ser o realizador de Contatos imediatos do terceiro grau e E.T. – O extraterrestre. Scott, do seu lado, abandonou o cinema de Duelistas, Blade Runner e Thelma e Louise para se especializar em mega produções que exigem do diretor mais resistência física e talento logístico do que artístico.