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    ILUSTRAÇÃO: JOÃO BRIZZI

anais do crime

Como o PCC superou a polícia para matar um dos seus

Reportagem da piauí reconstitui os últimos dias de “Gegê do Mangue”

Allan de Abreu | 21 fev 2018_10h41
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Em ação que parece inspirada nos clichês de filmes sobre a Máfia, o PCC conseguiu o que as polícias e o Ministério Público tentavam havia praticamente um ano: descobrir o paradeiro de Rogério Jeremias de Simone, o “Gegê do Mangue”, maior liderança da facção fora dos presídios. Gegê e o colega da organização criminosa Fabiano Alves de Souza, o “Paca”, não foram apenas encontrados pelo PCC. Eles foram capturados, torturados e mortos a mando da facção – segundo a polícia. A ação envolveu um helicóptero, a simulação de uma pane e o uso dos próprios seguranças de Gegê como executores. Tudo ocorreu no Ceará, em uma área indígena, na quinta-feira seguinte ao Carnaval.

Gegê havia deixado a prisão em 2 de fevereiro de 2017, beneficiado por um habeas corpus concedido pela 3ª Vara de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo. Dali a dezoito dias, ele deveria ser julgado por um duplo homicídio. Nunca apareceu na corte, porém. A prisão de Gegê foi decretada um dia depois de ele deixar os magistrados e promotores falando sozinhos, mas o foragido nunca mais seria alcançado pelo longo braço da lei. Mãos do PCC o pegaram antes.

Após deixar o Presídio de Presidente Venceslau, Gegê​ fugiu para Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Lá, uniu-se a Paca para comandar o envio de cocaína para os integrantes da facção criminosa no Brasil.

O que nem a polícia nem a Promotoria desconfiavam é que a dupla costumava passar férias com a família no litoral cearense. A primeira vez foi em julho do ano passado, com direito a mergulhos no Beach Park, um parque aquático localizado numa praia a 26 quilômetros de Fortaleza. As férias familiares deram tão certo que Gegê e Paca resolveram investir parte dos lucros com o narcotráfico em casas na região. Paca adquiriu uma no condomínio Alphaville, em Aquiraz. Pagou 1 milhão de reais e gastou quantia igual na reforma. Em janeiro de 2018, com as obras terminadas, decidiram repetir a dose. Nem desconfiavam como as férias acabariam.

A família de Gegê fretou um ônibus para levá-los de São Paulo até o Ceará. No meio da viagem, apanharam os familiares de Paca em um condomínio na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Enquanto isso, a dupla do PCC percorria os mais de 3 mil quilômetros que separam a cidade boliviana da Região Metropolitana de Fortaleza em um helicóptero vermelho e preto pertencente à facção paulista, num trajeto permeado de paradas para abastecimento.

O inconveniente se justificava. Esse tipo de aeronave pode voar em altitude mais baixa, o que a torna mais difícil de ser rastreada do que um avião. Como o helicóptero tem também autonomia menor, a dupla foi obrigada a fazer pelo menos dez paradas no caminho entre Santa Cruz e Aquiraz, para repor o combustível. No comando da aeronave havia um piloto e um copiloto cujos nomes ainda não são públicos mas que viriam a ter papel-chave no desfecho da história.

A viagem de ida ocorreu sem sobressaltos. Os líderes do PCC não foram incomodados pelas autoridades e acabaram por se reunir com suas famílias no Ceará. Desfrutaram do helicóptero em mais de um passeio pela região. Na Quarta-feira de Cinzas, Gegê e Paca se despediram de suas mulheres e filhos e embarcaram novamente com destino à Bolívia. Era a última vez que os familiares os veriam vivos.

Com apenas alguns minutos de voo, pousaram inesperadamente. A polícia levanta a hipótese de piloto e copiloto terem dito aos passageiros que o helicóptero tinha problemas mecânicos. O pouso foi em uma clareira no meio da mata, numa reserva indígena, ainda em Aquiraz. Em terra, piloto e copiloto subjugaram Gegê e Paca apontando pistolas calibre 9 milímetros que viriam a ser identificadas pelos peritos policiais, dias depois. Não dispararam de pronto. Antes, torturaram os colegas de facção. Os olhos de Gegê e Paca foram perfurados a faca; seus corpos, parcialmente queimados e escondidos na vegetação.

Piloto e copiloto voltaram para o helicóptero e fugiram, possivelmente de volta à Bolívia. A Polícia Federal identificou o piloto e a matrícula da aeronave. Os corpos foram encontrados na sexta-feira por um rapaz que andava pela mata.

A participação de facções criminosas rivais do PCC na execução foi descartada pelos investigadores, por exclusão: não houve rebeliões nos presídios, como costuma haver após mortes decorrentes de disputas entre organizações criminosas. A Polícia Federal e o Gaeco, braço do Ministério Público que investiga o crime organizado, acreditam que os crimes tenham sido cometidos pelo próprio PCC a mando de seu líder máximo, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, atualmente preso na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, interior paulista.

Para os promotores do Gaeco, o motivo mais provável é que Gegê teria ordenado a execução de Edilson Borges Nogueira, o “Biroska”, em dezembro passado, sem obter antes o aval de Marcola. Na ocasião, o líder estava em regime de isolamento na penitenciária de segurança máxima de Presidente Bernardes, também no interior de São Paulo – e, portanto, sem comunicação com os demais. Embora expulso da facção meses antes de ser assassinado, Biroska era amigo de Marcola.

A polícia também suspeita de outros dois motivos para a sentença de morte: Gegê e Paca terem, supostamente, ordenado por conta própria outros homicídios de integrantes da facção na Bolívia; e a suspeita de que estariam desviando dinheiro do grupo. Daí os “olhos gordos” perfurados a faca durante a execução. Mas, entre os promotores e policiais que acompanham os passos do PCC, há quem avente a possibilidade de Marcola ter ordenado as execuções para evitar o aumento do poder de outras lideranças que pudessem colocar em risco o seu comando.

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