Divulgado em janeiro passado, o relatório anual do Instituto Fogo Cruzado, entidade que monitora tiroteios em centros urbanos, mostrou que a polícia da Bahia continua sendo a mais mortífera do país. A violência no estado ganhou visibilidade estarrecedora em meados de 2023: entre 28 de julho e 1º de agosto, dezenove pessoas morreram em operações policiais em Salvador e outras duas cidades da Região Metropolitana. O pior veio ao longo de setembro: 56 mortos por forças de segurança da Bahia, média de quase dois homicídios por dia.
Os números chocam e conduzem a um paradoxo. A população, assustada com a violência e o crime, recorre à Polícia Militar como fiadora da ordem. Pressionados pelos eleitores, que a cada pesquisa de opinião demonstram preocupação crescente com a segurança pública, os políticos optam pela saída rápida: mais e mais operações policiais. Cria-se um círculo vicioso: a cada crise, os governadores tentam adequar suas políticas à sofisticação operacional do crime organizado.
Com a explosão da crise da segurança pública na Bahia no ano passado, o governo Jerônimo Rodrigues (PT) montou um grupo de trabalho com o objetivo de formular propostas para mitigar a letalidade, informa Marcelo Canellas, na edição deste mês da piauí. As propostas preveem verificar as estatísticas dos casos e fazer a revisão técnica dos procedimentos dos policiais na rua. Mas os analistas são céticos sobre a eficácia das medidas.
“Na segurança pública a esquerda simplesmente não conseguiu formular um projeto nacional”, diz o advogado Wagner Moreira, fundador e coordenador-geral do Ideas Assessoria Popular, ONG que acompanha e denuncia casos de violação de direitos no bairro da Gamboa, em Salvador. Para a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, organização da sociedade civil que desde 2015 propõe uma reforma na política de drogas a partir da perspectiva racial, os governos de esquerda, na prática, não conseguem apresentar alternativas à truculência repressora das PMs.
Na guerra do Estado contra o crime organizado, os negros e pobres são as principais vítimas. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), conduzido pelo pesquisador Alexandre dos Santos Cunha, analisou mais de 5 mil processos de tráfico de drogas nos tribunais estaduais no primeiro semestre de 2019 e montou o perfil dos encarcerados: jovem (73,6%), negro (68,7%), baixa escolaridade (68,4%), preso com pequena quantidade de drogas, após ações criminais rápidas baseadas em “atitude suspeita”. Apenas 16% dos processos criminais são sustentados por investigações prévias. “A lógica militarista, baseada na ideia de um inimigo interno, é o que sustenta as ações de um Estado antinegro que vem sendo construído e consolidado através dos séculos”, diz o historiador Eduardo Ribeiro dos Santos, dirigente da Iniciativa Negra.
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