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    Militar utiliza EPI produzida por grupo de voluntários Intervenção de Paula Cardoso sobre foto cedida pelo Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas

questões de saúde

Conta que a matemática não resolve

Projeto voluntário criado por cientistas alagoanos mapeia casos de covid-19 e distribui máscaras, mas esbarra na falta de recursos

Luiza Ferraz | 13 abr 2020_16h02
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O despertador tocava todos os dias pontualmente às quatro da manhã, e logo depois o matemático alagoano e triatleta Krerley Irraciel Martins Oliveira, de 40 anos, já estava a postos para começar o treino, que só terminaria por volta das 7h ou 8h. A próxima competição de triatlo seria no fim de maio, e o professor queria se preparar. Desde que a epidemia de covid-19 chegou ao Brasil, porém, a competição foi adiada, e os horários de treino foram reconfigurados para comportar uma maratona diferente. Com receio do que poderia acontecer em Alagoas quando os casos do novo coronavírus começassem a disparar, o matemático se reuniu com outros doze especialistas para criar um grupo que auxiliasse no combate à doença no estado. O Dashboard Covid-19 Alagoas, composto por profissionais dos institutos de Física, Matemática e Computação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) junto com outros especialistas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e da Fundação Getulio Vargas (FGV) usa a tecnologia e a matemática como aliadas em duas frentes: coleta de dados para simular cenários que a epidemia poderá trazer a Alagoas, criando também um software para gestão hospitalar; e impressão de peças em 3D para a confecção de equipamentos de proteção destinados a quem está na linha de frente contra a doença, como profissionais de saúde.

As projeções feitas até agora pelo grupo, com base nas estimativas internacionais da doença, apontam que, só em Alagoas, o número de mortos pela covid-19 pode chegar a mais de 9 mil mesmo com estratégias de contenção da doença – considerando os casos registrados até agora, a evolução da epidemia e o total de leitos de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) existentes no Estado. Esse valor, portanto, é dinâmico. Para chegar a ele, os especialistas aplicaram as estimativas feitas pelo Imperial College London para o Brasil com distanciamento da população em geral de 42%. Esse cenário é semelhante ao que já existe no estado. Dados de geolocalização de dispositivos móveis disponibilizados pela Inloco indicam que, em 11 de abril, havia uma redução de cerca de 50% da circulação normal de pessoas em Alagoas. Num cenário sem qualquer medida de distanciamento social, o número de óbitos poderia chegar a 17 mil. 

O objetivo do software criado pela equipe de cientistas é condensar e organizar as informações de todo o sistema de saúde alagoano. Isso permitiria que elas fossem acessadas de modo simples e rápido pelos funcionários da Secretaria de Saúde – desde os atendentes das unidades de saúde até o secretário, com níveis diferentes de acesso. É possível monitorar o número de casos através de um mapa de calor de bairros e municípios, que coloca tonalidades mais escuras para lugares com mais casos e mais claras, com menos casos. Também dá para ver o registro de cada paciente cadastrado no sistema com uma ficha médica e dados pessoais. É possível administrar os pedidos feitos pelos gestores das unidades de saúde para troca ou reposição de material – como respiradores, máscaras, luvas e outros. Outra função do software é mostrar a ocupação de leitos e UTIs no sistema público de saúde. Ele ainda faz uma previsão a curto prazo das necessidades da estrutura hospitalar com base nos dados mais atualizados. A ideia é que ele unifique tanto os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto dos hospitais particulares.

Como é comum entre pesquisadores de alto desempenho, Oliveira inverteu alguns degraus na carreira acadêmica. Terminou o mestrado aos 19 anos, no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), formou-se em Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2001, aos 22 anos, e, aos 23, também no Impa, finalizou o doutorado. Na UFAL, é professor do Instituto de Matemática e coordenador do Laboratório de Estatística e Ciência dos Dados da universidade. Criou, em 2003, a Olimpíada Alagoana de Matemática e também é, desde então, coordenador da Olimpíada Brasileira de Matemática em Alagoas. Cuida da formação de cerca de quatrocentos jovens de 10 a 18 anos no Núcleo de Treinamento Intensivo, que se reúne aos sábados em Maceió, Arapiraca e Santana do Ipanema – cujas aulas precisaram ser interrompidas momentaneamente por causa da epidemia. A iniciativa é voluntária e conta com professores e alunos do Instituto de Matemática.

Apesar de todos os esforços, a equipe responsável pelo software foi desmobilizada na última terça-feira (7). O projeto já foi finalizado, testado e está pronto para ser utilizado, mas o grupo ainda não recebeu o aval da Secretaria Estadual de Saúde para implementá-lo nos hospitais. Isso significa que o sistema não está em operação. Eles já se reuniram com a pasta para apresentá-lo bem como os relatórios com cenários de contágio e mortes da doença para o estado. “Não sei mais a quem recorrer. Informação não falta, o que falta é credibilidade”, diz Oliveira. Alagoas ainda conta com poucos casos confirmados da doença. Até domingo (12), eram 48 pessoas diagnosticadas com covid-19 e três mortes pela doença. Destas, 37 estão em Maceió, cidade que também abarca todos os óbitos. Procurada, a Secretaria de Saúde não retornou a pedidos de esclarecimentos feitos via e-mail e telefone.

 

A segunda frente de atuação do grupo de cientistas é a impressão em 3D. Das impressoras saem protetores do tipo face shields, utilizados como Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) por profissionais que atuam na linha de frente de combate ao novo coronavírus, principalmente médicos e integrantes do Corpo de Bombeiros. Os face shields são montados com um arco de plástico também produzido na impressora onde, depois, uma folha de plástico resistente é encaixada. A máscara protege todo o rosto e parte do pescoço. Para fazer isso, Oliveira mobilizou alunos do ensino médio de uma escola particular de Maceió e da UFAL. O processo é caseiro e eles estavam utilizando duas impressoras; uma delas Oliveira já tinha, e a outra, conseguiu para o projeto. No início da semana passada, no entanto, o grupo obteve a autorização da Secretaria Estadual de Educação para utilizar outras seis impressoras, o que aumenta o número de EPIs que eles conseguem fabricar. Mas a produção precisou ser paralisada temporariamente por falta de filamento – que seria o correspondente da tinta nas impressoras comuns. 

Até o momento, o grupo de voluntários conseguiu fazer cerca de 100 equipamentos. “Todos que recebem começam a usar na mesma hora. Eles estão desesperados, indo para uma guerra sem armas”, diz Oliveira, mostrando mensagens de profissionais pedindo mais informações de como conseguir os equipamentos.

No final da semana passada, outro braço desse grupo de voluntários começou a se formar. Com a nova recomendação do Ministério da Saúde de que máscaras caseiras podem contribuir para diminuir a disseminação do vírus, Oliveira decidiu mobilizar mais pessoas para que pudessem confeccionar proteções de pano e distribuir para a população. O objetivo dele é deixar aberto o espaço para a realização da troca de uma máscara caseira por outra descartável que a pessoa tenha em casa. A ideia é reunir as máscaras descartáveis e distribuir nos hospitais da região.

Todo o trabalho tem sido feito com doações ou recursos financeiros dos próprios voluntários. Para a confecção das máscaras de pano, Oliveira mobilizou cerca de quinze costureiros, que trabalham de casa. Até agora, a equipe conseguiu finalizar cerca de setecentas proteções, mas há material suficiente para chegar a seis mil unidades. O aporte financeiro, no entanto, não é uma dor de cabeça para Oliveira. “O problema hoje não é dinheiro, até porque é tudo voluntário. O problema é a agilidade nas coisas, porque o vírus não espera. A gente tem até o fim do mês para o caos chegar”, diz ele.

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