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    Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

questões ambientais

Copinhos de plástico na mira

Lei paulistana que proíbe o utensílio em bares e restaurantes já está em vigor, mas ainda não pune os infratores

Lia Hama | 02 fev 2021_10h45
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Leve, flexível e barato, o plástico está presente em quase tudo que traz comodidade à vida moderna: das embalagens de alimentos aos utensílios domésticos, dos cartões de banco aos aparelhos celulares, dos aviões às válvulas cardíacas. No entanto, uma de suas principais virtudes, a durabilidade, é também seu maior defeito: o insumo leva cerca de quatrocentos anos para se decompor na natureza e figura como um dos grandes vilões do meio ambiente, poluindo oceanos e asfixiando animais marinhos.

A cada ano, estima-se que sejam despejados no mar 11 milhões de toneladas do material, o bastante para lotar setenta Emma Maersk, o maior navio cargueiro do mundo. Se nada for feito, o número deve triplicar em duas décadas. Para enfrentar o dilema, governos de mais de sessenta países vêm banindo ou taxando os plásticos considerados mais problemáticos: aqueles que são usados uma única vez e descartados. Por isso, o ano de 2021 começou com a cidade de São Paulo proibindo os estabelecimentos comerciais de fornecer cinco desses produtos descartáveis e de uso único: copos, pratos, talheres, agitadores para bebidas e varas para balões de gás.

De autoria do vereador Xexéu Tripoli (PSDB), a lei determina que os utensílios sejam substituídos por similares de material biodegradável (como pratos de papelão), compostável (como copos de mandioca) ou reutilizável (como agitadores de vidro ou metal). Bares, restaurantes, hotéis, padarias e clubes noturnos estão entre os alvos da legislação sancionada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB). “Isso é uma tendência no mundo inteiro. É um caminho sem volta. Toda a União Europeia se engajou nessa questão”, afirma Tripoli, autor também da lei que proibiu os canudos plásticos na capital paulista em 2019.

Embora a nova legislação já esteja valendo, as punições aos infratores – advertências, multas e até fechamento dos pontos comerciais – só terão início depois de a prefeitura regulamentá-la, o que foi adiado por tempo indeterminado a pedido dos empresários. “Havia o prazo de um ano, a partir da sanção da lei, para a gente se adequar. Mas infelizmente não vai dar. Com a pandemia, o delivery se intensificou. Não temos condições de substituir nossos estoques de utensílios plásticos neste momento”, explica Percival Maricato, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em São Paulo. Ele destaca a fragilização do setor devido às restrições impostas pela crise sanitária e lembra que 30% dos estabelecimentos fecharam as portas no país desde março passado. “A gente apoia o desenvolvimento sustentável, claro. Só que, agora, a questão mais urgente é preservar empregos.”

 

Em 1907, o químico e empresário belga Leo Baekeland inventou a baquelite, primeira forma comercial de plástico totalmente sintético. O produto resultava da combinação entre o fenol e o formol. Mas foi só a partir dos anos 1950, com o crescimento populacional, a urbanização acelerada e as mudanças nos padrões de consumo, que o plástico passou a ser usado em escala industrial nos mais diferentes setores.

No caso da alimentação, as embalagens fabricadas com o material permitiram prolongar a vida útil de frutas, verduras e carnes, já que estas se mostraram menos propensas à contaminação. Também facilitaram o transporte dos produtos e se tornaram a base dos serviços para consumo rápido, como as entregas domiciliares de comidas e bebidas.

A regulamentação da lei paulistana, por ora adiada, é vista pela indústria do plástico como a última chance de flexibilizar um pouco o veto àqueles utensílios. “Somos legalistas. Queremos seguir a lei. Mas, se não há um debate amplo na sociedade sobre o assunto, as coisas acabam não andando”, diz Paulo Teixeira, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Ele cita o caso da lei carioca de 2018, “que não pegou”. Desde aquele ano, o Rio de Janeiro proíbe canudos feitos com o material. “Só que, no comércio de água de coco, você continua encontrando canudos plásticos ou de polipapel, uma mistura de plástico com papel.”

O diretor da Abiplast argumenta que materiais alternativos são mais caros e que, se seu uso aumentasse, a produção nacional não seria capaz de atender à demanda. Teixeira ressalta, ainda, que o país não tem estrutura de compostagem industrial para tratar os copos de mandioca, por exemplo. Na opinião do diretor, em vez de aprovar leis que banem o plástico e geram perdas econômicas às empresas, é preciso promover a eficiência na coleta e na reciclagem do produto, além de conscientizar a população no sentido de reduzir o consumo do material e descartar corretamente os resíduos.

 

“Realmente, não existe hoje no Brasil uma solução em larga escala para o problema. Mas uma política pública como a de São Paulo provoca o surgimento de um novo mercado e estimula a criação de alternativas”, defende Thais Vojvodic, gerente da rede de Pactos do Plástico na Fundação Ellen MacArthur. A instituição, sediada no Reino Unido e financiada por entidades filantrópicas, procura ajudar na transição de uma economia linear, que usa recursos naturais e os joga fora, para uma economia circular, que é regenerativa e reutiliza materiais a fim de evitar o descarte.

Em parceria com a ONU Meio Ambiente, a fundação lidera o Compromisso Global por uma Nova Economia do Plástico. O pacto reúne mais de quinhentos governos, empresas e organizações do terceiro setor em torno justamente do objetivo de criar uma economia circular para o insumo. Os participantes, incluindo gigantes como Unilever, Danone e Coca-Cola, respondem juntos por 20% das embalagens plásticas produzidas no planeta. Entre as providências necessárias para otimizá-las está o redesign.

Tome-se o caso da garrafa de Coca-Cola. Ela foi redesenhada em 2018 com um pet mais grosso, que imita os antigos modelos de vidro. O consumidor, agora, pode retornar a garrafa ao supermercado e ganhar desconto na próxima compra. “Queremos que a indústria reutilize esse plástico até 25 vezes para só então reciclá-lo”, diz Vojvodic.

A Fundação Ellen MacArthur também lidera um manifesto que propõe a implantação de um tratado global apelidado de “Acordo de Paris dos Plásticos”. A ideia é fazer com que os países signatários estabeleçam planos de ação, metas e prazos para combater a poluição causada pelo produto. O assunto deve ser debatido em fevereiro numa assembleia da ONU. Publicado em 2018, um relatório da ONU Meio Ambiente sobre o tema resume bem a questão: “O plástico não é o problema. O problema é o que fazemos com ele.”

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