A comunidade científica fluminense obteve esta semana uma conquista importante na luta por mais recursos para pesquisas. Após intensa mobilização dos cientistas e da sociedade, foi retirada da pauta da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro a proposta de emenda constitucional que restringiria significativamente a verba para a ciência no estado. Mas a guerra está longe de estar ganha: a proposta ainda pode voltar a ser discutida no ano que vem, e de outras esferas do poder público chegam sinais de que a ciência não é uma prioridade de governo.
A proposta, de autoria do deputado estadual Edson Albertassi, do PMDB, líder do governo de Luiz Fernando Pezão na Assembleia Legislativa, previa reduzir pela metade a cota de 2% da receita arrecadada com impostos estaduais destinada à fundação fluminense de amparo à pesquisa, a Faperj. A emenda propunha ainda diminuir de 35% para 25% a parcela da receita destinada à educação, além de abrir a possibilidade de limitar os repasses à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Uerj, atualmente de 6% da receita.
O corte de recursos proposto motivou reação acalorada da comunidade científica e muitos protestos nas redes sociais. Cartas abertas de repúdio à proposta de emenda constitucional foram divulgadas pela Academia Brasileira de Ciências e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, pela Academia Nacional de Medicina e pela associação de docentes da Uerj; um abaixo-assinado eletrônico contra o projeto criado em 18 de dezembro registrava mais de 4.200 signatários na tarde do dia 22.
A mobilização surtiu efeito: o próprio deputado Albertassi ligou ontem, dia 21, para o presidente da Academia Nacional de Medicina comunicando a decisão de retirar a apreciação da proposta da pauta da Assembleia Legislativa – a intenção era que ela fosse votada ainda este ano. Mas o projeto não foi sepultado de vez: ouvida pelo Estado de S. Paulo, a assessoria do líder do governo afirmou que a proposta de emenda constitucional deve ser objeto de uma audiência pública no ano que vem para discussão com a sociedade.
Cientistas consultados pelo questões da ciência antes da divulgação da retirada da emenda da pauta foram unânimes ao avaliar as possíveis consequências de um eventual corte de recursos para a ciência fluminense. Para o paleontólogo Alexander Kellner, do Museu Nacional da UFRJ, a aprovação seria “uma tragédia”. “Todo avanço conquistado em cerca de uma década corre o risco de se perder”, afirmou. Para o físico Luiz Davidovich, da UFRJ, “a aprovação dessa emenda seria como uma bomba atômica que atingiria em cheio a pesquisa realizada no estado, desmantelando grupos de excelência que levaram muitos anos para serem constituídos”.
O físico Ronald Shellard, diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, notou que eventuais cortes diminuiriam o potencial de receitas para o futuro. “Os investimentos em ciência e tecnologia têm um período de maturação de 3 ou 4 anos e impacto direto na indústria”, afirmou numa conversa por Skype, citando o exemplo de empresas que se estabeleceram no campus da UFRJ graças ao financiamento de instituições como a Faperj. “Isso é investimento, não é gasto.”
A derrubada da proposta de emenda foi festejada pela comunidade científica, mas o cenário está longe de ser animador. A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, que já escreveu para a piauí um artigo sobre como fazer ciência de ponta com poucos recursos no Brasil, lembrou que o quadro do financiamento da pesquisa fluminense já era desalentador antes dos possíveis cortes. “Mesmo ainda oficialmente com 2% da arrecadação de impostos do Rio de Janeiro (mas sem receber), até hoje não foram pagos os auxílios que foram aprovados no começo do ano, ou mesmo no ano passado (e olha que aprovados com 50% de corte em relação ao montante orçado e solicitado)”, escreveu num e-mail ao blog.
A derrubada da emenda não deve fazer perder de vista o lugar de segundo plano que a política de ciência e tecnologia ocupa nas várias esferas de governo no Brasil. No município do Rio de Janeiro, o deputado federal Alexandre Serfiotis, do PSD, foi recentemente nomeado secretário da Ciência e Tecnologia numa articulação do PMDB fluminense para obter a liderança do partido na Câmara dos Deputados. Em outra escolha que teve como pano de fundo uma articulação política em busca da governabilidade, a presidente Dilma Rousseff escolheu em outubro Celso Pansera, deputado federal pelo PMDB do Rio e aliado de Eduardo Cunha, para ocupar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Pansera continua no cargo, apesar da ruptura de Cunha com o governo; na semana passada, recebeu a Polícia Federal, que cumpriu um mandado de busca e apreensão em sua residência no âmbito das investigações da Operação Lava Jato.