Quatrocentos metros de tapete vermelho se espraiavam no Congresso para receber Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em sua terceira posse como presidente da República neste domingo, 1º de janeiro de 2023. Da descida do Rolls-Royce até a chegada do plenário, Lula foi acompanhado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que havia ensaiado disputar a presidência da República como concorrente, e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que foi um aliado ferrenho do agora ex-presidente Jair Bolsonaro, antagonista do líder petista.
O retorno de Lula ao Congresso, 12 anos após deixar a presidência, carregou alguns elementos de simbolismo que dizem respeito ao relacionamento entre os poderes. Os deputados e senadores demonstraram otimismo e externavam a expectativa de retomada da institucionalidade.
Antes mesmo de assumir, Lula já teve uma vitória no Legislativo, a aprovação de um aval para despesas de custeio e investimento por fora do teto de gastos graças à aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Também foi beneficiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional o chamado orçamento secreto, o mecanismo de repasse de verbas públicas por meio das emendas de relator-geral, reafirmando a autoridade do Executivo sobre o orçamento público. Entre outras bombas desarmadas, Lula também já chegou com um ambiente mais amigável do que se poderia supor diante da enorme quantidade de parlamentares eleitos pelo Centrão, até então fiéis a Bolsonaro. Com uma distribuição de ministérios entre partidos da centro-direita, contemplou o PSD, o MDB, o União Brasil, partidos que lhe darão um respiro na negociação com o Congresso.
“Estamos tendo, pela primeira vez nos últimos tempos, uma coalizão de governo. A nossa expectativa é que tudo dará certo”, disse o senador Renan Calheiros (MDB-AL), ex-presidente do Senado.
No Salão Negro, meia hora antes da chegada de Lula, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou à piauí que o principal desafio do novo governo será remontar a máquina administrativa federal, que, segundo ele, “foi desmontada, completamente aparelhada”. “É preciso devolver a ela a capacidade operacional, a capacidade executiva”. O principal trunfo do presidente, segundo ele, é iniciar o governo “com uma base composta por vários partidos, de forma ampla, que permite diálogo direto com os partidos com o maior número de parlamentares”.
Carvalho acredita que, com a distribuição dos ministérios para aliados, Lula preparou o terreno para uma base no Senado com “mais de 55 votos com regularidade” – o que ultrapassa os três quintos da Casa (49), número necessário para aprovação de emendas à Constituição. “Na Câmara, acredito que a gente atinja o quórum para a votação de emendas constitucionais, que são 308 (três quintos de 513)”.
A realidade é que ainda há pontas soltas, pois o apoio no Congresso não é construído no atacado nem é estanque. As negociações costumam ser feitas e refeitas diante de fatos novos e novas necessidades, tanto do Executivo quanto do Legislativo.
O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) – que não se reelegeu deputado – lembra que a formação ministerial ainda deixou o que pode ser uma “cicatriz”. Ele citou um suposto veto à indicação do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) ao posto de ministro do governo Lula. O nome dele foi especulado para as pastas de Integração Nacional e também Minas e Energia. Agostinho disse ter ouvido, nos bastidores, que esse caso poderia causar problemas com o União Brasil ou mesmo com o presidente da Câmara, Arthur Lira, que é do Progressistas.
O deputado Delegado Waldir (União Brasil-GO) disse à piauí não acreditar que, ao longo deste primeiro ano, o governo terá tanta facilidade quanto encontrou para aprovar a PEC da Transição. Para o deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), “a maior dificuldade será a relação com o Centrão e o mau costume de uma distribuição exagerada de emendas parlamentares para os principais líderes”. “O trunfo é a sabedoria de amarrar ministérios a votos”, comentou.
No ato da posse, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, fez um discurso condizente com os quatrocentos metros de tapete vermelho. “Há sentimentos de renovada confiança por estarmos diante de dois homens públicos experientes, capazes e habilidosos. Vossa Excelência, presidente Lula, volta ao Palácio do Planalto com experiência de oito anos de mandato que se destacaram pela inclusão social, crescimento econômico e respeito às instituições. E volta ao lado de Geraldo Alckmin, ex-governador do estado de São Paulo, antigo adversário (de Lula) nas eleições presidenciais de 2006 e agora seu vice, em um sinal claro de que o interesse do país está além e acima e de questões partidárias, em um sinal de que é preciso unir forças pelo país”, disse.
Pacheco também disse que, nas eleições de 2022, a democracia brasileira foi testada e saiu vitoriosa. “É possível que tenha sido a eleição mais importante depois da redemocratização”, disse, destacando também o “reconhecimento deste Congresso Nacional à Justiça Eleitoral do país na figura do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral”. Mas acrescentou que é necessário, agora, “reconciliar os brasileiros que discordaram sobre rumos do país” e “desencorajar o revanchismo”.
Após os discursos e o encerramento do ato no Congresso, enquanto o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin se dirigiam para o Palácio do Planalto, a senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS), candidata derrotada nas eleições presidenciais deste ano, posicionou-se nos limites do estacionamento do Senado e de lá acompanhou a hora em que Lula subiu a rampa. Eleita em 2018 apoiando Bolsonaro, a senadora disse à piauí que tem apreço por Alckmin e que o novo governo já começa demonstrando capacidade de articulação superior ao anterior. “Querendo ou não, é inegável a abertura que foi dada para União Brasil, com três ministérios, mesmo com o nosso presidente tendo declarado que não seremos base do governo. Isso já mostra uma abertura, algo inimaginável até mesmo com o presidente que foi eleito pelo nosso partido”, disse Soraya, comparando com Bolsonaro, eleito em 2018 pelo PSL, que se fundiu com o DEM para formar o União Brasil.
“As pessoas me perguntaram hoje: mas você lulou? Eu falei que não. Mas é celebrar a democracia que me preocupou tanto. Eu estou aqui celebrando um momento de paz. Você viu que até o céu se abriu em Brasília. Então eu, mesmo não tendo sido o resultado que eu gostaria, respeito a vontade do povo brasileiro”, comentou.
O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), crítico do orçamento secreto, disse que há uma “expectativa de uma relação menos turbulenta entre o Executivo e o Congresso, com algum espaço para a construção colaborativa de soluções para o Brasil”. Mas advertiu: “O risco é cair na tentação dos velhos mecanismos para formação de maioria parlamentar.” Sobre o orçamento secreto, disse acreditar que ele não volta no modelo antigo. “O mais provável é uma retomada das negociações regadas a RP2 (que são as verbas discricionárias do Executivo, de responsabilidade dos ministérios)”, afirmou ele. E disse acreditar que o papel da ministra Simone Tebet, no Planejamento, será fundamental. “Nós precisamos de um novo sistema orçamentário, com total transparência.”