O futebol brasileiro é abarrotado de coisas que a gente não consegue compreender, e essa é apenas mais uma: o conto da Libertadores.
Ano passado, quando o Flamengo ganhou a Copa do Brasil, metade da alegria da torcida foi pela conquista do título e a outra metade pela vaga na Libertadores. O Botafogo só faltou erguer uma estátua de Seedorf ao lado do Manequinho mijão, por ele ter liderado o time que beliscou, 18 anos depois, uma vaga na Libertadores. O Atlético Paranaense comemorou merecidamente o terceiro lugar no Campeonato Brasileiro, pois isso lhe garantia uma vaga na Libertadores.
Aí vem a Libertadores, e Flamengo, Botafogo e Atlético Paranaense se apresentam com times infinitamente inferiores aos do ano passado. Pra que, então, aquela festa toda?
O que o Flamengo teve de melhor em 2013 – o Elias –, deixou de ter em 2014. Por um lado, o clube acertou em não se dispor a pagar por ele um valor muito acima de seu real valor de mercado. Mas, por outro, talvez fosse possível negociar com mais poder de fogo se tivesse no bolso os 3 milhões de euros que, ao final do contrato, terá gasto com Carlos Eduardo.
Se pegarmos o melhor momento do Botafogo no Brasileirão, quando o clube formou a gordura de pontos que lhe permitiu chegar no final do campeonato em quarto lugar, e compararmos com o time que entrou em campo anteontem contra o San Lorenzo, sentiremos falta de Seedorf, Vitinho, Rafael Marques e Andrezinho. Nenhum deles substituído por alguém que tivesse condições sequer de amarrar-lhe as chuteiras.
Para comemorar à altura o suado terceiro lugar, o Atlético Paranaense presenteou sua torcida com a perda de metade do time: Léo, Luiz Alberto, Pedro Botelho, Paulo Baier e Everton.
Claro que boa parte disso se explica pelo formato suicida adotado pelo futebol brasileiro, em que os grandes clubes se tornam reféns da realização de lucros dos empresários que os usam feito barriga de aluguel. Até aí, creio, concordamos todos. Mas o que me espanta é essa transformação da Libertadores da América em algo meio místico, um tanto religioso, espécie de profissão de fé. Ungidos e alçados aos céus, é como se alguns dos nossos clubes dissessem: a nossa parte a gente fez, obtendo a classificação; quanto ao título, Deus dará.
Dos torcedores não falo, porque somos todos um bando de trouxas, mas será possível que, em sã consciência, diretorias e comissões técnicas do Flamengo, do Botafogo e do Atlético Paranaense achavam que era possível ganhar a Libertadores com times mais fracos do que os três tinham no ano passado? Por que acreditar nesse milagre?
É fato que a Libertadores já foi vencida pelo Olimpia (três vezes!), pela LDU e pelo Once Caldas, e não se tem notícia de que, em algum momento de suas histórias, esses clubes contassem com esquadrões. Mas eles lá, nós cá, e aqui no Brasil a banda toca em outro tom. Se pegarmos os times brasileiros que já ganharam a Libertadores, veremos que todos eram muito bons ou tinham muitas coisas boas – o que nem sempre são sinônimos.
Montar bons times não representa a garantia de título, como aconteceu com Cruzeiro em 2011 e Fluminense em 2012. Mas é o mínimo para se projetar, se não a conquista, pelo menos uma campanha decente. Ainda acredito que um clube brasileiro ganhe a competição desse ano, e os dois que dançarem não poderão ser acusados de ter se preparado mal ou enganado suas torcidas. Atlético Mineiro, Cruzeiro e Grêmio entraram, sim, para vencer. Flamengo, Botafogo e Atlético Paranaense acreditaram em coisas duvidosas, como camisas capazes de jogar sozinhas, a força de suas torcidas – existe torcida que não torça? – ou, desconfio, desígnios divinos.