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    Ilustração: Carvall

questões de segurança pública

Crime organizado deixa pistas no Google

Pesquisa inédita mostra como as buscas na internet refletem – e por vezes antecipam – a expansão de facções criminosas no Brasil

João Batista Jr. | 05 jan 2022_11h36
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As pesquisas sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC) feitas no Google acontecem proporcionalmente mais em Roraima do que em São Paulo, onde o PCC nasceu. Ainda que especialistas em segurança pública considerem que a sanguinária Família do Norte tenha surgido apenas em 2006, o Google aponta que esse nome já estava sendo pesquisado em 2004 no Ceará, quando um dos fundadores da facção estava preso numa cela da Superintendência da Polícia Federal de Fortaleza. Esses e outros dados fazem parte da pesquisa de doutorado intitulada The dark side of competition: organized crime and violence in Brazil (O lado escuro da competição: crime organizado e violência no Brasil), apresentado em outubro pela paulistana Stephanie Gimenez Stahlberg, pesquisadora associada do Laboratório de Estudos sobre Pobreza, Governança e Violência da Universidade de Stanford e consultora para o Banco Mundial.

A pesquisadora se debruçou sobre os dados do Google Trends, ferramenta que quantifica pesquisas realizadas no Google em período e local específicos. Os registros permitem observar um maior ou menor interesse sobre determinado assunto ao longo do tempo. Stahlberg levantou o número de buscas sobre as principais facções do país de 2004 até 2019, mês a mês, em todos os estados do Brasil. Os dados refletem os períodos de ascensão e decadência das organizações criminosas em cada região do país.

Eventos de grande repercussão causam impacto nas tendências de busca, como a onda de ataques do PCC em 2006, em São Paulo. Naquele ano, o Google apontou um resultado de 21,6 nas pesquisas – o maior até hoje. O número é calculado pelo Trends a partir da proporção de uma busca específica sobre o total de buscas, e serve para comparar as variações de determinada pesquisa ao longo do tempo. Nos anos seguintes, mesmo sem que houvesse eventos da mesma magnitude e com os índices de homicídios em queda no estado, o interesse pelo PCC seguiu em alta em São Paulo: foi registrado um resultado de 3,6 em 2011, 4,9 em 2016 e 7,5 em 2017, de acordo com o Google Trends. O interesse, portanto, passou a crescer ano a ano.

Até 2010, o PCC não apareceu nos resultados do Google Trends em Roraima. Isso não quer dizer que não tenham sido feitas pesquisas com o nome da facção nesse período, mas que elas não aconteceram em volume suficiente para constar como uma “tendência de busca”. Isso mudou em 2011, quando a facção apareceu no Trends pela primeira vez, com relevância de 0,4 em Roraima. Nos anos seguintes, as pesquisas aumentaram gradativamente, do mesmo modo como aumentou a presença real do PCC no estado. Em 2019, o resultado das buscas pelo nome da facção foi de 6,8 (para efeito de comparação, no mesmo ano o balanço das buscas do PCC em São Paulo foi de 6,9).

“Em alguns anos, o valor do Google Trends é mais alto em Roraima do que em São Paulo, o que reflete o fato de que, proporcionalmente ao tamanho da população de cada estado, a presença do PCC chega a ser mais alta em Roraima do que em São Paulo”, explica Stephanie Gimenez Stahlberg. De acordo com dados do Centro de Segurança Institucional e Inteligência do Ministério Público de São Paulo, em 2016 São Paulo tinha 7 mil integrantes do PCC ante 782 em Roraima. Fazendo o cálculo proporcional à população, isso significa que havia 16 integrantes da facção a cada 100 mil paulistas, enquanto em Roraima a proporção era bem maior – de 156 membros do PCC a cada 100 mil habitantes.

 

A pesquisa também revela uma informação inédita sobre a facção Família do Norte. De acordo com a Polícia Federal e pesquisadores especializados no assunto, a facção teria sido criada entre 2006 e 2007, quando José Fernandes Barbosa, conhecido como Zé Roberto da Compensa, Gelson Carnaúba, o G, e João Pinto Carioca, o João Branco, na época presos em penitenciárias federais, decidiram formar um grupo para fazer frente ao PCC e ao Comando Vermelho. Nascia, então, a Família do Norte, que logo se expandiu pelo Amazonas e estados fronteiriços.

A origem do nome da facção é mais antiga, no entanto, e pode ter sido obra de G. “O termo ‘Família do Norte’ consta em buscas do Google desde 2004, no estado do Ceará”, explica Stahlberg. Essa descoberta coincide com o fato de que Gelson Carnaúba estava preso em Fortaleza naquele ano por ter cometido crimes de sequestro, chacina e tráfico de drogas. “Naquele mesmo ano, o nome ‘Família do Norte’ não foi tendência de busca em nenhum outro estado do país”, conta a pesquisadora. Os registros do Google Trends, nesse caso, podem dar pistas que esclareçam a origem da facção criminosa.

PCC, Comando Vermelho (CV) e Família do Norte são as facções mais procuradas no Google em todo o Brasil. Essa última, mais nova, sempre foi menor em abrangência do que as outras duas facções, tendo apresentado picos de busca no ano de 2017, quando líderes da quadrilha degolaram rivais do PCC dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus (AM). “Especialistas acreditam que a Família do Norte está em declínio, após uma ruptura dentro da facção, quando parte dos integrantes se aliaram ao PCC e outra parte ao Comando Vermelho”, explica a pesquisadora.

Os mapas abaixo mostram a intensidade de buscas captadas pelo Google Trends sobre cada facção, por estado, nos anos de 2004, 2010 e 2019. Enquanto a Família do Norte permanece circunscrita ao Amazonas, Comando Vermelho e PCC aparecem cada vez mais em buscas fora do eixo Rio-São Paulo com o passar dos anos, expandindo-se pelas regiões Norte e Nordeste.

Intensidade de buscas no Google sobre cada facção, por estado

O estudo feito por Stahlberg demonstra ainda como a convivência entre as diferentes facções num mesmo estado tende a aumentar consideravelmente os índices de violência. Segundo a pesquisa, no período entre 2004 e 2019, os estados onde não havia qualquer uma das três facções registraram uma média de 28 homicídios a cada 100 mil habitantes. Nos estados onde havia uma facção, a taxa oscila para uma média de 27,5 homicídios por 100 mil habitantes. Quando havia duas organizações criminosas, o número sobe para 33; onde havia três facções disputando espaço, a média no período foi de 41 assassinatos a cada 100 mil habitantes.

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