Goleador de arrancadas inesperadas, dribles necessários e finalizações precisas, George Weah foi um dos raros craques nascidos na África a dispensar o complemento “africano” para descrevê-lo. Assim como Cristiano Ronaldo e Messi dispensam os gentílicos “europeu” ou “latino-americano”, Weah foi simplesmente craque. Melhor do mundo pela Fifa e ganhador da Bola de Ouro em 1995, foi apontado por Pelé como um dos 100 maiores futebolistas vivos. O sucesso global como centroavante lançou sua carreira política na Libéria, onde acaba de ser empossado presidente. O armador que lhe faltou para que conseguisse levar a seleção liberiana a uma Copa do Mundo apareceu nesta eleição presidencial na forma de crise econômica. Recessão, desemprego e acusações de corrupção solaparam a popularidade do governo da prêmio Nobel da Paz Ellen Johnson-Sirleaf, e deram o passe para o oposicionista Weah se consagrar nas urnas. Na origem da jogada, a epidemia de ebola que matou milhares de pessoas em 2014 e freou abruptamente a economia do país.
Para que se tenha uma ligeira noção do que é a Libéria, se tomássemos o Brasil como referência seria preciso imaginar o cenário de uma guerra civil que deixou entre 12 e 13 milhões de brasileiros mortos. Ao final dessa carnificina, imagine-se Ronaldinho Gaúcho (ou Ronaldo Fenômeno, ou Romário, ou Kaká, ou Rivaldo) aliando-se ao partido do principal líder da matança e vencendo a eleição para a Presidência do país.
Pois o craque Weah ganhou a eleição no fim de 2017 tendo como vice-presidente em sua chapa a senadora Jewel Howard-Taylor, ex-mulher do ex-presidente e guerrilheiro liberiano Charles Taylor – a terceira celebridade mundial desta história, mas dono de uma notoriedade negativa. Taylor foi condenado e sentenciado em 2013 por um tribunal internacional avalizado pela ONU a cinquenta anos por tráfico de armas, diamantes e pelo papel desempenhado na guerra civil da vizinha Serra Leoa. O ex-senhor da guerra cumpre pena na Grã-Bretanha, e a eleição de Weah fez crescer a desconfiança internacional de que o novo presidente esteja disposto a articular um movimento pela libertação dele.
A Libéria tem uma área pouco maior do que a de Pernambuco e uma população de 4 milhões de habitantes (segundo o último censo, de 2010), quase tão grande quanto a do Espírito Santo, e uma população paupérrima, que sobrevive com pouco mais de um dólar por dia. A cascata de euros que recaiu sobre Weah principalmente em razão de seu sucesso como craque do Milan – defendeu também Monaco, Paris Saint-Germain, Chelsea, Manchester City e Olympique Marseille ao longo da carreira – alimentou sua imagem de “pai dos pobres”, aquela do populista sempre presente em nações menos favorecidas do Terceiro Mundo. Em 1996, ainda destaque do Milan, Weah chegou a bancar sozinho os custos da participação do país na Copa das Nações Africanas, mas nunca conseguiu realizar o sonho de levar a Libéria para um Mundial.
O sucesso no campo esportivo converteu Weah em herói e símbolo de uma nação que se tornou conhecida pelos “diamantes de sangue” – recursos que financiavam milícias em constante luta pelo poder na própria Libéria e em países da região como Serra Leoa, Guiné e Costa do Marfim. Foi o primeiro futebolista africano a ser considerado melhor do mundo e desde o fim da carreira nos gramados, em 2003, anunciou a pretensão de lançar-se na política.
Candidato à Presidência liberiana em 2005, foi derrotado por Sirleaf – a “dama de ferro de Monróvia”, ganhadora do Nobel por seu papel na mediação do fim da guerra civil que causou a morte de 250 mil pessoas, parte significativa da população do país. Mas sua honestidade foi posta em xeque depois de ter nomeado um de seus filhos para um cargo de direção do Banco Central e outro para a presidência da estatal de petróleo. A presidente ainda enfrentou denúncias de corrupção em vários ministérios de sua administração, além de acusações de cerceamento à imprensa e a crítica internacional pela defesa de leis nacionais que legitimam a perseguição de homossexuais e a violência contra a mulher.
Diante disso, a tarefa do novo presidente é bem mais complicada do que levantar uma taça ou conquistar um scudetto. A promessa de campanha é tirar a população da faixa de miséria absoluta, criar uma infraestrutura capaz de modernizar a economia com base no extrativismo e manter a precária paz política estabelecida na última década.
Um desafio e tanto. Em 2014, quando a economia passava por sua melhor fase e registrava um crescimento de 7% do PIB, o país foi abalado pela epidemia do vírus ebola, que resultou em mais de 10 mil contaminações e 4 600 mortes. A partir daí, foi ladeira abaixo. Em 2015, o resultado do PIB foi nulo e, no ano seguinte, decrescente (-1,6%). As tensões políticas recrudesceram na esteira da redução de empregos e das acusações contra Sirleaf.
A Libéria traz no DNA o estigma das nações criadas artificialmente. O país foi fundado em 1847 por escravos libertos nos Estados Unidos que retornaram ao território africano entre 1820 e 1822 – em expedições colonizadoras patrocinadas por uma organização privada, a American Colonization Society. O nome da capital, Monróvia, é um tributo ao presidente americano James Monroe, um ferrenho defensor da colonização. Essa colonização, no entanto, não levou em conta a etnia dos ex-escravos nem a dos habitantes autóctones da costa oeste africana. A partir deste dado, não é difícil imaginar a tensão étnica que se acumula no território desde o século XIX.
Weah conta, no entanto, com duas importantes fontes de receita para tentar levar adiante seu projeto político de melhorar a vida de seus compatriotas: o embargo internacional que proibia a comercialização de diamantes pela Libéria e foi completamente levantado em 2016, e a expectativa de expansão gradativa do comércio marítimo global – que deve resultar no aumento do número de navios com a bandeira liberiana. Embarcações que buscam no país impostos mais baixos e regulamentações mais flexíveis. Outro sinal que pode ser visto como um bom presságio para o próximo governante é o fato de a transmissão de posse desta segunda-feira, 22 de janeiro, ter sido a primeira pacífica entre políticos democraticamente eleitos das últimas sete décadas.