No Parque Chico Mendes, em Rio Branco, há estátuas de personagens conhecidos do folclore amazônico. Uma delas representa uma criatura peluda com o porte de um grande gorila, com duas orelhas de abano, boca assustadora e um único olho acima do nariz achatado. No lugar do umbigo, há uma outra boca dentada. A estátua, registrada ao lado em foto de Antonio Geraldo Pinto , representa o mapinguari, muitas vezes descrito como um monstro gigante de mais de dois metros, conhecido pelos gritos assustadores e pelo fedor que exala.
A mitologia grega também é povoada de gigantes de um olho só – os ciclopes, um dos inúmeros obstáculos a atrapalhar a volta para casa de Ulisses na . Não é de todo improvável que o olho único do mapinguari seja “herdado” do ciclope: como notou o folclorista Câmara Cascudo, muitos personagens do folclore brasileiro são fruto do sincretismo entre os mitos dos povos nativos e aqueles trazidos da Europa pelos portugueses e da África pelos escravos.
O olho único do ciclope, por sua vez, pode ter origem em fósseis de elefantes pigmeus que um dia viveram em várias ilhas mediterrâneas. Já estavam extintos nos tempos da Grécia antiga, mas alguns crânios se preservaram em cavernas. “Se você não é bom de anatomia, o lugar onde a tromba se insere parece que é um olho”, contou David Oren, um ornitólogo americano naturalizado brasileiro.
Oren morou por mais de 20 anos em Belém, onde era pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi. Interessou-se pelo mapinguari depois de ouvir o relato muito verossímil de um encontro com o bicho. Oren se convenceu de que o bicho avistado por várias pessoas era uma preguiça-gigante, um animal terrestre que povoou as Américas no passado. O problema é que esse grupo de mamíferos está extinto há mais de 10 mil anos. Poderia uma dessas grandes preguiças terrestres ter sobrevivido – e passado pouco percebida – até os dias de hoje?
Na dúvida, Oren decidiu ir atrás. Conseguiu algum financiamento para realizar expedições em busca de indícios da existência do mapinguari. Realizou “um trabalho de Sherlock Holmes”, correndo atrás de pistas que levantava em relatos de encontros. Foi atrás de unhas e de pelos que um caçador dizia ter capturado. Procurou, em vão, a pata de um mapinguari que um outro atirador teria decepado. Falou com índios, mateiros, policiais. Como conta a reportagem “Ciência dos seres imaginários”, publicada na piauí de março, Oren não conseguiu levantar nenhum indício conclusivo que confirmasse sua ideia:
O pesquisador conseguiu da Fundação Boticário um valor que ele calcula ser o equivalente a 15 mil reais em dinheiro de hoje para organizar viagens de campo em busca de vestígios do animal. Fez cerca de dez expedições por vários estados, investigando as pistas dos relatos que ouviu. Encontrou sete caçadores que diziam ter matado um mapinguari e compilou mais de oitenta relatos de encontros com o animal. Coletou amostras de pelo, mais tarde atribuídas a cotias e tamanduás, e de fezes, que provavelmente eram de anta. Certa vez ouviu, mas não gravou, um grito assustador que podia ser de um mapinguari. O que Oren trouxe de mais convincente é uma pegada “absolutamente consistente” com a pata traseira de uma preguiça-gigante.
Mas o ornitólogo acredita que isso não derruba sua hipótese. “Tudo indica que há a chance de ainda ter uma pequeníssma população [de preguiças], provavelmente não mais viável, fadada à extinção”, disse ele numa conversa telefônica em fevereiro, falando de Brasília – Oren é hoje coordenador de biodiversidade do Ministério da Ciência.
Em 1993, Oren sugeriu pela primeira vez que preguiças gigantes poderiam explicar alguns relatos de mapinguari num artigo na revista Goeldiana. Em 2001, relatou o resultado de sua busca pelo mapinguari num artigo na revista Edentata , numa edição que trazia na capa uma ilustração do artista americano Alexis Rockman. Na cena representada por ele, humanos se apoiam sobre a maior das preguiças gigantes que já existiu, recém-abatida pelos caçadores.
No artigo, Oren atualizou sua hipótese – que muitos colegas haviam achado “extremamente controversa”, conforme ele admitiu. O pesquisador justificou assim as buscas pelo mapinguari: “Mesmo que haja apenas uma pequena possibilidade de que essas histórias tenham base factual, parece válido do ponto de vista da conservação trabalhar, ainda que apenas para efeito de raciocínio, com a possibilidade de que haja uma forma adicional de Xenarthra, por mais improvável que seja, nas florestas da Amazônia.”
Oren disse que Câmara Cascudo jamais teria imaginado que o mapinguari fosse baseado num animal real. “Ele ficaria fascinado.”