Quando era coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol planejava uma viagem internacional com a família e se deu conta de que sua então filha caçula, com seis meses de vida, não conseguiria obter um passaporte a tempo. Sua esposa, Fernanda Dallagnol, então propôs que ele desse um jeitinho: “Você pergunta para algum delegado da PF se podemos levar [a menina] em algum horário para fazer o passaporte dela?”
Dallagnol entendeu logo – “vai parecer que quero furar a fila, quando não é o caso” –, mas fez exatamente isso. Escreveu para o delegado Felipe Hayashi, que integrava a Lava Jato, e expôs seu problema, sem pedir favores explicitamente, e obteve o resultado que desejava. Hayashi perguntou: “Que dia você quer vir com ela e sua esposa fazer o passaporte?” Dallagnol sugeriu a manhã seguinte. “Venha amanhã então”, assentiu o delegado. Pronto, a fila estava furada.
O caso foi revelado em reportagem da edição da piauí de março, com base em mensagens que integram o acervo da Operação Spoofing, deflagrada pela Polícia Federal em julho de 2019. O objetivo era investigar o vazamento de contas de Telegram mantidas por participantes da Lava Jato, um escândalo que ficou conhecido como Vaza Jato. Divulgados em primeira mão pelo site Intercept Brasil, os lotes de mensagens vazadas por um hacker mostraram que os procuradores da Lava Jato – com Deltan Dallagnol à frente – faziam combinações com o então juiz Sergio Moro. Eles trocavam informações e acertavam planos de ação.
Agora, a piauí teve acesso ao conteúdo integral das mensagens de Deltan Dallagnol apreendidas pela Spoofing. É um volume enorme de conversas, em grande parte inédito, que totaliza 952 754 mensagens recebidas ou enviadas pelo procurador entre maio de 2014 e abril de 2019. Todas foram lidas, ao longo de cinco meses, pelos repórteres João Batista Jr., Allan de Abreu, Felippe Aníbal, Lígia Mesquita, Luiz Fernando Toledo e Matheus Pichonelli. As mensagens compõem um retrato didático sobre a conduta de Dallagnol, em uma reportagem que pode ser lida por assinantes neste link.
Dallagnol respondeu a uma série de perguntas a respeito das conversas e de atitudes antes e depois de chefiar a força-tarefa. Sobre a fila que furou para tirar passaporte para a filha, disse desconfiar que a mensagem que lhe é atribuída esteja adulterada – porque o nome da menina está escrito errado – e defendeu que, ao contatar o delegado Felipe Hayashi, que integrava a Lava Jato, não lhe pediu nenhuma vantagem pessoal, nem solicitou que os protocolos fossem violados. Em sua resposta, Dallagnol deu a entender que qualquer brasileiro comum, ao enfrentar o mesmo problema, poderia ligar para um delegado federal e ainda escolher a data em que gostaria de pegar o passaporte. Disse que a interpretação de que burlou a fila para viajar na data desejada “é equivocada e ofensiva”.