José Luiz Datena ainda está se habituando à vida partidária. “Bando de filho da puta”, vociferou, com dedo em riste, ao deixar a convenção municipal do PSDB, no sábado (27). Acabara de ser confirmado como candidato a prefeito de São Paulo, e uma pequena multidão de tucanos se reuniu na porta da assembleia legislativa para protestar contra a decisão. Houve um princípio de confusão. “Vagabundos do caralho”, prosseguiu. Vestindo camisa salmão e jaqueta de couro, o apresentador de tevê se enfiou num carro preto cercado de seguranças e foi embora, contrariado.
Datena tem 67 anos, quarenta deles vividos em frente às câmeras, primeiro como repórter esportivo e mais tarde apresentando programas policiais. De PSDB, tem quatro meses. Sua candidatura em outubro, embora confirmada pelo partido, é tão certeira quanto suas posições políticas. De 2015 para cá, a estrela da Rede Bandeirantes cerrou fileiras com petistas, progressistas, democratas, emedebistas, bolsonaristas, socialistas, trabalhistas e mais alguns companheiros do Centrão.
Largou o PSB e filiou-se ao tucanato em abril, a pretexto de se candidatar a vice-prefeito na chapa de Tabata Amaral (PSB). O movimento foi sugerido pela deputada, que não queria uma chapa puro-sangue. Calculou que sua candidatura se beneficiaria de um vice de outro partido, o que lhe garantiria mais tempo de tevê e verbas partidárias. Datena concordou e foi recebido com confetes no PSDB.
Passados alguns dias, no entanto, convidaram-no para um jantar no escritório de um amigo de Marconi Perillo, presidente nacional do PSDB e ex-governador de Goiás. Sentada à mesa, estava a cúpula do tucanato. Um após o outro, José Aníbal – presidente municipal do partido e ex-senador –, Aécio Neves – deputado federal por Minas Gerais –, Eduardo Leite – governador do Rio Grande do Sul – e Perillo tentaram persuadir Datena a abandonar Tabata e se candidatar ele mesmo a prefeito.
“Você tem qualidades. É um cara conhecido. Ser vice não combina com a sua história”, argumentou Aécio, o mais entusiasmado do grupo. Datena, que em 2017 defendeu em rede nacional a prisão do deputado mineiro, enlameado pelas investigações da Operação Lava Jato, ouviu atento, mal encostando no prato (“sou um gordo que come pouco, por causa da insulina”). Leite fez coro ao colega: “Se você tiver vontade e agarrar o touro à unha, vai dar certo.”
Datena diz que resistiu, mas acabou convencido. Os tucanos lhe mostraram pesquisas quantitativas e qualitativas atestando que ele tinha, sim, chances de vencer. Era conhecido da população e, devido ao discurso linha dura que sempre adotou contra criminosos em geral, poderia conquistar eleitores bolsonaristas.
Os aliados de Tabata, ao receberem a notícia de que Datena havia pulado fora, procuraram aparentar tranquilidade. “Era um movimento que estava na conta”, disse Orlando Faria, um dos coordenadores da campanha da deputada, quando conversou com a piauí no começo de junho. Ou seja: ninguém foi pego de surpresa. “Ele, como candidato a prefeito, tira votos do Ricardo Nunes. E, para nós, quanto mais embolado esse campo, mais chances de a Tabata ir para o segundo turno.”
A previsão de Faria, pelo que mostram as pesquisas, não se confirmou. No final de junho, segundo a Quaest, Datena tinha 17% das intenções de voto. Nesta terça-feira (30), um novo levantamento do instituto o colocou com 19% das preferências, empatado tecnicamente com Guilherme Boulos, do Psol (19%), e o atual prefeito, Ricardo Nunes, do MDB (21%). Preterida, Tabata aparecia com 5%.
Datena conta que, ao se decidir pela candidatura própria, telefonou para a ex-companheira de partido e se justificou. “A Tabata ficou chateada, claro. Muito triste mesmo”, ele relembra. “Mas eu disse a ela: ‘Meu amor, você me obrigou a ir para o PSDB. Se o PSDB te sacaneou, não é problema meu.”
Datena, como sabe até o mais ingênuo dos tucanos, não é conhecido pela persistência em campanhas eleitorais. Desistiu de se candidatar a prefeito em 2016, quando era filiado ao Progressistas (alegou que não poderia ficar num partido implicado na Lava Jato, critério que esqueceu mais tarde ao se filiar ao MDB de Michel Temer e Romero Jucá). Na eleição seguinte, desistiu de se lançar ao Senado pelo DEM (a explicação foi mais vaga: disse, na época, que “não era a hora de participar dessa política do jeito que ela está aí”). Convidado a ser vice de Bruno Covas (PSDB) em 2020, deu para trás, alegando que a Band “precisava de seus apresentadores mais experientes” (hoje, diz que a desistência é “o maior desgosto” de sua vida. “O prefeito de São Paulo agora seria eu, e não aquele sujeito que está sentado na cadeira e é o pior prefeito que a cidade já teve”). Em 2022, abriu mão de uma candidatura ao Senado pelo PSC, apoiado pelo então presidente Jair Bolsonaro (“eu pensei bem e resolvi seguir o meu caminho”, justificou, evasivo).
A candidatura nunca chegou tão longe quanto agora. É a primeira vez que Datena é oficializado como candidato, com papel assinado e registro em tribunal eleitoral. “Essa campanha não pode ser destruída”, ele afirmou repetidamente à piauí, numa conversa no escritório de seu marqueteiro, Felipe Soutello, em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. Soava como se o apresentador quisesse convencer a si mesmo. Em seguida, fazia uma ressalva: “Mas se me sacanearem, eu tô fora.”
O sujeito da frase não é claro, assim como a sacanagem em questão. Provocado a elaborar, Datena recorre aos clássicos. “Vaidade tem em todo lugar. É bem descrita pelo Freud, pelo Jung, mas em política ela é muito mais maquiavélica. Político não segue a ética de Spinoza, que é da alegria, ou do Schopenhauer, que é do pessimismo. Ele segue uma ética própria. Faz sacanagem com você e vai dormir tranquilamente”, ele explica, e conclui: “A ética desses caras é Maquiavel puro.”
José Aníbal, ex-deputado federal por cinco mandatos, ex-senador por dois, ex-vereador por um e agora candidato a vice de Datena, contemporiza. “Muitos falam do histórico de desistência dele. Mas olhando para trás não se constrói nada.”
A cúpula nacional do PSDB vê em Datena uma tábua de salvação. O partido elegeu 176 prefeitos no estado de São Paulo em 2020, dos quais hoje restam 26. Na capital, elegeu oito vereadores, mas todos debandaram para outras legendas – alguns porque buscavam fundos partidários mais polpudos, outros porque preferiram apoiar a reeleição de Ricardo Nunes. O grupo pró-Nunes ainda é grande dentro do PSDB, e sobretudo barulhento: foi essa fração do partido que trocou xingamentos com Datena no dia da convenção. Vestiam camisetas em que se lia “Militância Tucana – Respeitem nossa história” e puseram para tocar, num carro de som ao lado da Alesp, declarações antigas do apresentador, entre elas: “Se o Aécio for preso, eu venho de cueca apresentar o programa.” Queriam constrangê-lo.
Alguns aliados defendem que Datena se candidate a vereador, puxando consigo um caminhão de votos que repopularia a Câmara Municipal com tucanos. A proposta, por enquanto, não prosperou, mas o partido pode mudar de ideia até vinte dias antes do primeiro turno, marcado para 6 de outubro. Os integrantes do diretório nacional creem que a vitória na prefeitura não é impossível. Mesmo que não vença, creem eles, Datena puxará votos para a vereança. E, mesmo que desista de competir, já terá servido para o PSDB barganhar com outros candidatos. O principal alvo é Nunes, que é quem mais perde votos quando o apresentador aparece nas pesquisas (para espezinhá-lo, Datena só se refere ao alcaide como Ricardo Nulo).
Tanto um quanto o outro conta com a simpatia de parte do eleitorado bolsonarista. Datena diz ter recebido uma mensagem do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), há pouco mais de um mês, quando foi publicada a pesquisa Quaest em que ele apareceu com 17% das intenções de voto. “Datenão, você é forte pra caramba”, escreveu Freitas, segundo Datena. E prosseguiu: “Se for eleito, você governa comigo.” Freitas, em tese, apoia Nunes. Procurada pela piauí, a assessoria do governador negou que ele tenha mandado essa mensagem ao apresentador.
Toca o celular de Datena, fazendo ressoar pelo escritório a música-tema de O Poderoso Chefão e interrompendo a conversa com a piauí. Do outro lado da linha estava Marconi Perillo. “O governador vai ter que esperar”, avisou o candidato.
Versátil como só alguém que passou por dez partidos sabe ser, Datena resume assim seu pensamento político: “Minha ideologia é o povo, é a Constituição.” Diz que “tem gente boa na esquerda e na direita”, mas nos extremos “só tem merda”. Seu farol é Winston Churchill, primeiro-ministro britânico durante a Segunda Guerra Mundial. “Ando sempre com um livro dele”, diz o apresentador da Band, que está afastado da tevê desde o dia 29 de junho. “Consulto também Gandhi e Lincoln.”
Na sala do marqueteiro Felipe Soutello vê-se uma galeria de retratos: Marina Silva, Aloysio Nunes, Simone Tebet, Marcio França, Geraldo Alckmin, José Serra e outros rostos menos famosos. São políticos com quem ele trabalhou. Talvez nenhum deles tenha representado um desafio tão grande quanto Datena, que, não bastasse ser neófito, resiste a vestir o figurino de candidato. A resistência, em alguma medida, faz parte do show: o apresentador tenta vender a imagem de um outsider desconfiado da política. Mas parte dos protocolos de campanha o incomodam.
Ficou irritadiço às vésperas do primeiro ato de campanha, em 17 de julho. Seus auxiliares programaram um passeio pelo Mercado Municipal de São Paulo, point tradicional de políticos em ano eleitoral. “Vai ser uma balbúrdia”, reclamou Datena, reservadamente. De má vontade, acabou se curvando à ideia. “Se quisessem me matar ali, me matavam”, reclamou depois com a piauí. “Tinha só quatro caras na segurança. As pessoas vinham e me abraçavam. Deram até criancinha para eu segurar. Eu falei que não. Não vou fazer campanha segurando criancinha.”
Também não vai fazer campanha comendo pastel. “Não posso ser um político como os outros porque tenho restrição pra caralho de alimentos”, prosseguiu o tucano. “Tirei um tumor no pâncreas há vinte anos e fiquei diabético. Sou um sobrevivente. Depois tive infarto, tenho seis stents [no coração]. Se comer um pastel eu tô fodido.” Naquele dia, Datena saiu do mercado sem conversar com a imprensa – segundo ele, porque tinha um exame marcado e estava com pressa. “Foi falha no meu sistema de trabalho”, justificou. “Não me avisaram que teria tantos repórteres.”
A saúde, diz o tucano, lhe causa dores de cabeça. “De repente você pega uma doença numa campanha de três meses e você tá fodido, meu irmão”, lamentou. “Eu vivi isso. Peguei Covid, uma variante mais fraca. Entrei no hospital no sábado, o cara ia me liberar no domingo. Depois de dois dias, pá, quase morri. Fui pra semi-intensivo e o caralho. Depois da pandemia ficamos todos mais fragilizados.”
Seu principal conselheiro é Jorge Kajuru (PSB-GO). “Nós conversamos todos os dias, acertamos todos os detalhes”, atesta o senador. “Fui consultando bastidores tanto do PSB quanto do PSDB. Dizia para ele quem era confiável e quem não era.” Os dois se conheceram na adolescência, seguiram carreira no jornalismo esportivo e se embrenharam pela política. Datena, segundo Kajuru, “sempre foi de esquerda, o que não impediu que tivesse boa interlocução com a direita.” O senador tem propriedade para falar. Em suas costas, uma tatuagem mostra o rosto de um jovem Datena. “Foi a segunda tatuagem que fiz na vida. A primeira foi da minha mãe.”
Conhecendo o amigo como conhece, Kajuru garante: “O Senado é o lugar dele. Eu o convenci disso.” Na cúpula menor do Congresso, onde os debates costumam ser menos estridentes que na Câmara dos Deputados e os problemas parecem mais longínquos que na Câmara Municipal de São Paulo, Datena pode encontrar seu canto. A prefeitura, diz Kajuru, será apenas uma “escola primária” de dois anos antes de o amigo partir para Brasília. A não ser que ele desista novamente.