O crowdfunding, modelo de financiamento coletivo que vem sendo usado com sucesso para custear projetos de cultura e outras áreas, começa a ser adotado também na ciência. Há mais de uma iniciativa do gênero nos Estados Unidos, onde pesquisadores já conseguem arrecadar junto ao público fundos para bancar seus estudos. No Brasil, um grupo da USP acaba de levantar o dinheiro para se inscrever numa competição de biologia sintética.
O recurso às contribuições de voluntários oferece aos cientistas um modelo alternativo ao circuito convencional de arrecadação de fundos, que geralmente envolve agências governamentais de fomento.
No mês de março, o empreendedor Matt Salzberg lançou o site Petridish.org [placa de Petri], voltado para o financiamento coletivo de projetos de pesquisa. A maioria dos projetos anunciados ali envolve áreas como ecologia ou biologia da conservação, como a proposta de estudo das borboletas do Peru. Mas há também exemplos de outros campos, como o projeto que propõe estratégias para preservar a cultura dos refugiados do clima, obrigados a migrar por causa do aquecimento global.
Os projetos são acompanhados por um vídeo em que o proponente explica o que quer fazer e por que precisa da sua ajuda. No exemplo abaixo, o entomólogo Brian Fisher justifica a importância de descrever novas espécies de formigas em Madagascar.
Os leitores são convidados a doar quanto puderem – mesmo contribuições da ordem de 10 dólares são bem-vindas. Em troca, os pesquisadores oferecem desde o crédito pelo financiamento até fotos e outros suvenires de campo. Os doadores mais generosos podem até visitar o local da pesquisa e nomear espécies descobertas no estudo que financiaram.
Com menos de um mês de vida, o Petridish já tem exemplos bem-sucedidos de financiamento obtido coletivamente. É o caso do estudo de sapos venenosos do Panamá proposto por Justin Yeager, estudante de pós-graduação da Universidade Tulane, em Nova Orleans. O biólogo convenceu 19 apoiadores a custear seu projeto e arrecadou 2.366 dólares (cerca de 4.300 reais), quase 20% a mais que os 2 mil que pleiteava.
O Petridish não está só: iniciativas como o Microryza também propõem fazer financiamento coletivo de pesquisas. É possível também achar exemplos de projetos de ciência e tecnologia no Kickstarter, o mais conhecido site de crowdfunding.
E no Brasil?
Ainda não há iniciativas parecidas em nosso país, mas o modelo de financiamento coletivo já está sendo usado pelos pesquisadores brasileiros. Um bom exemplo foi dado esta semana, quando uma equipe de alunos e professores da USP conseguiu arrecadar 2.750 dólares (cerca de 5 mil reais) para participar do iGEM – sigla em inglês para competição internacional de máquinas geneticamente modificadas, em tradução livre.
Concebida nos moldes dos torneios de robôs para estudantes de engenharia, essa competição opõe equipes interdisciplinares de vários países. Com regras definidas pela organização do evento, os times tentam desenvolver sistemas biológicos com as ferramentas da engenharia genética para operação em células vivas.
A equipe da USP tem oito professores, doze alunos de graduação e seis de pós. O time pretende participar de uma eliminatória regional da competição principal, a ser realizada na Colômbia em outubro. O grupo conta com o suporte de vários laboratórios da USP, que fornecerão reagentes, equipamentos e conhecimento técnico. Esperam conseguir também apoio da universidade para custear a viagem dos participantes para a eliminatória.
No entanto, o time não tinha como levantar fundos para bancar a inscrição na competição – um tipo de gasto difícil de encaixar nas rubricas geralmente previstas nos financiamentos concedidos pelas agências de fomento. “Teria sido mais fácil conseguir dinheiro para ir a um congresso ou realizar um projeto de pesquisa. Ficamos presos a uma amarra burocrática”, contou o biólogo Carlos Hotta, professor do Instituto de Química da USP e um dos coordenadores da equipe brasileira.
Com o prazo para inscrição se aproximando, Hotta sugeriu que o grupo passasse o chapéu na internet para levantar o dinheiro. O projeto foi cadastrado no RocketHub, portal internacional que reúne projetos de crowdfunding, e Hotta ajudou a dar visibilidade à ideia em seu blog e nas redes sociais. O grupo fez o vídeo abaixo para pedir o apoio do público.
Em menos de trinta dias, o dinheiro solicitado foi levantado, com o apoio de 36 doadores que contribuíram com quantias entre 10 e 500 dólares. Entre os mecenas virtuais, havia desde amigos e parentes (“crowdfunding é a nova rifa”, brincou Hotta) até perfeitos desconhecidos, inclusive no exterior. Apesar de a equipe já ter levantado 100% do que pediram, doações feitas na página da campanha continuam bem-vindas – o excedente arrecadado será usado pelos pesquisadores na viagem.
Hotta enxerga potencial nesse novo modelo de financiamento para a ciência, sobretudo para pesquisas que tenham grande apelo popular e que não sejam muito custosas. De fato, é difícil que o modelo do financiamento coletivo funcione para projetos bilionários como a busca de partículas subatômicas ou o desenvolvimento de novos medicamentos. Mas é saudável ver a consolidação de um modelo de custeamento da ciência que não dependa dos humores das agências de fomento. Afinal, “você pode fazer muita ciência interessante com 10 mil dólares”, como lembrou o fundador do Petridish numa entrevista ao io9.
Foto: Barry Skeates (CC 2.0 BY)