Um dia antes do primeiro turno da eleição, o prefeito de Santo Inácio do Piauí compartilhou uma mensagem em suas redes sociais. “Domingo é dia de votar 10 no gordinho, que é o gestor que vem cuidando bem da nossa Santo Inácio e fazendo a diferença”, dizia a postagem. Tairo Mesquita (Republicanos) fez uma campanha agitada na minúscula cidade de 3 mil habitantes, no interior do Piauí. Recebeu cerca de 40 mil reais do partido para conseguir se reeleger. Não foi uma tarefa difícil, já que ele era o único candidato no páreo. Com 100% dos votos válidos, Mesquita se saiu vitorioso junto com seu vice, também do Republicanos. E terá pela frente, em 2021, uma situação bastante confortável na Câmara Municipal: dos nove vereadores eleitos nesta eleição, oito são, também, do Republicanos.
O partido dominou a cidade. Dos oito vereadores que se elegeram pela legenda, cinco já tinham mandato. Em 2016, eram de outros partidos, como PSB, PSL e PSDB, mas em 2020 migraram para o Republicanos. Foram atrás do prefeito, que se filiou ao partido no começo do ano. “É um trabalho de convencimento que a gente fez nos municípios”, afirma Victor Cavalcante, advogado que preside o diretório do Republicanos no Piauí. “Esses vereadores preferiram se unir em torno do partido, já que não podiam mais fazer coligação. Os outros partidos nem conseguiram uma quantidade razoável de candidatos”, afirma. Na cidadezinha, fora o Republicanos, só PT e MDB lançaram candidatos a vereador.
O partido ainda é pequeno no Piauí, mas ganhou força. Quatro anos atrás, elegeu 54 vereadores no estado; agora foram 105. Elegeu um prefeito em 2016; agora tem dez. O desempenho se repete em quase todos os estados. “A nossa principal bandeira aqui é o municipalismo, defender mais recursos para os prefeitos. A gente nem sempre tem uma bandeira 100% uniforme na campanha, mas o que nos une é isso”, admite Cavalcante.
A estratégia municipalista rendeu frutos, e não só em cidades pequenas. O Republicanos foi o partido que mais elegeu vereadores em capitais este ano – foram 53 ao todo. Em 2016, quando ainda se chamava PRB, só emplacou 37. No Rio de Janeiro, caso venha a se reeleger, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) vai contar com uma base robusta de sete vereadores do partido – a maior bancada da Câmara, empatada com DEM e Psol.
Além disso, o partido praticamente dobrou o número de prefeituras. Vai comandar pelo menos 208 cidades a partir do ano que vem. Ficou à frente de partidos bem estabelecidos, como o PT, que conquistou 179 municípios. E teve desempenho duas vezes melhor que o PSL, ex-partido do presidente Jair Bolsonaro. O racha no PSL dispersou os candidatos bolsonaristas. Sem poder contar com o Aliança pelo Brasil, que ainda não saiu do papel, eles acabaram se espalhando por outras legendas da direita. Entre elas, o Republicanos.
O partido hoje é o principal abrigo dos bolsonaristas desalojados do PSL. A começar pela família Bolsonaro: Carlos, filho 02 do presidente, se filiou ao Republicanos e foi o segundo vereador mais votado do Rio. Seu irmão mais velho, Flavio, também embarcou no partido. Até a mãe dos dois, Rogéria Nantes, ex-mulher de Bolsonaro, entrou para o Republicanos para cavar uma vaga de vereadora na eleição. Diferentemente do filho, não se elegeu.
Até o ano passado, o Republicanos se chamava PRB. Antes disso, PMR – o Partido Municipalista Renovador. Desde o começo, despontou como uma legenda pouco expressiva do Centrão, umbilicalmente ligada à Igreja Universal. Suas principais lideranças, como o presidente do partido, Marcos Pereira, e o prefeito Marcelo Crivella, são bispos da Universal. Não por acaso, o Republicanos é a sigla que predomina na bancada evangélica do Congresso – presidida, por sua vez, pelo deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).
Na eleição deste ano, o partido se descolou do Centrão e procurou se desvencilhar da imagem estritamente evangélica que carregava até então. A mudança de nome, em 2019, sinalizou a estratégia da legenda de tentar se repaginar como uma alternativa conservadora no campo da direita. Ficou com um pé no centro, outro no bolsonarismo. “Apesar da penetração evangélica, o Republicanos nasceu como dissidência do Partido Liberal, uma legenda ultrapragmática”, explica Fernando Limongi, cientista político e professor da Universidade de São Paulo (USP). “Na verdade, eles são a quintessência do Centrão.”
Limongi afirma que o Republicanos não tem um discurso político coeso, que possa ser competitivo na disputa por governos estaduais ou pelo governo federal. Ainda que vários expoentes do partido incorporem o conservadorismo e a linguagem bolsonarista, seu modus operandi é o mesmo de quase todas as legendas que ocupam o espectro da centro-direita. “O Republicanos é especializado em fazer alianças pragmáticas para pegar sobras no Legislativo e ir comendo pelas beiradas, vivendo na marginália”, diz Limongi. O partido não conseguiu emplacar Celso Russomanno, em São Paulo, e, ao que tudo indica, deve perder a prefeitura do Rio de Janeiro, onde Crivella é rejeitado por quase 60% do eleitorado.
Mas, de beiradas em beiradas, o Republicanos vem crescendo Brasil afora. A tendência é que o partido se consolide como uma força eleitoral no campo da direita. Nos municípios com mais de 500 mil habitantes, foi a terceira legenda com maior percentual de votos para vereador. Na Paraíba, quadruplicou seus vereadores, superando o gigante MDB. Em Pernambuco, no Rio Grande do Norte e no Pará, dobrou a bancada. Proporcionalmente, o maior salto aconteceu no Amazonas, onde o partido passou de 17 para 90 vereadores eleitos. O resultado não veio por acaso: depois de Rio, São Paulo e Minas Gerais, o Amazonas foi o estado que mais recebeu repasses do fundo eleitoral. Até meados de novembro, o diretório nacional do Republicanos enviou para lá 3,2 milhões de reais.
“De todos os vereadores eleitos no Amazonas, 16% estão no Republicanos”, comemora o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), que também é bispo da Universal. Na verdade, a proporção é de 12%. Ainda assim, é uma taxa alta: considerando o Brasil inteiro, só 4,5% dos vereadores eleitos este ano são filiados ao partido. Durante a campanha, Câmara fez um périplo pelo estado apoiando seus candidatos. Viajou de carro, barco e avião anfíbio para pedir voto em cidades amazonenses. “O resultado de sucesso do Republicanos veio com muito trabalho e envolvimento da nossa militância.”
O dinheiro também ajuda a explicar o boom do Republicanos este ano. Até meados de novembro, antes do segundo turno, o diretório nacional do partido repassou 98,4 milhões de reais a seus candidatos – mais que o triplo do que foi pago em 2016, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os dados mostram que o Republicanos hoje se esforça para crescer em regiões onde ainda é pouco expressivo. Em São Luís, uma das três capitais onde o partido conseguiu levar a disputa ao segundo turno, o candidato Duarte Junior recebeu 4,1 milhão de reais dos fundos partidário e eleitoral – muito mais do que os 2,7 milhões recebidos pelo prefeito Marcelo Crivella, um dos principais nomes da legenda.
Para Silas Câmara, o fim das coligações para o Legislativo favoreceu partidos com maior capacidade de mobilização, como o Republicanos. “Temos certeza de que seremos uma legenda forte no futuro”, afirma. Os prefeitos de hoje – como Tairo Mesquita, na pacata Santo Inácio do Piauí – serão os cabos eleitorais de amanhã, na eleição de 2022. As bases nos municípios são fundamentais para a eleição de deputados federais e estaduais, o que terá impacto no equilíbrio de forças entre os partidos daqui em diante. E a estrutura que o PSL e o Aliança pelo Brasil não conseguiram construir, o Republicanos já tem à mão.